Quando criança, Frei Gabriel Dellandrea frequentou a Paróquia São Francisco de Assis em Rodeio (SC), cidade onde nasceu, a 195 quilômetros de Florianópolis (SC). Ainda garoto, estudou na Escola Municipal de São Francisco. Por essas e outras, admite, brincalhão, que não teve dúvida na hora de escolher sua vocação religiosa: “Nasci em um lar franciscano. Minha avó, Anna, é da Ordem Franciscana Secular (OFS) e meu irmão mais velho, Daniel, da Ordem dos Frades Menores (OFM). Não fui eu que escolhi ser franciscano, foi Francisco de Assis quem me escolheu”, afirma o frade, hoje com 30 anos. “O principal legado de São Francisco não é o de ter fundado uma ordem, nem o de ser o padroeiro da ecologia, tampouco o de buscar a caridade para os mais necessitados. Seu principal legado é o de imitar Jesus, isto é, viver como o Filho de Deus viveu, o único e verdadeiro Amor a ser amado”.
Frei Gabriel Dellandrea é um dos 12.127 religiosos da Ordem dos Frades Menores (OFM) espalhados em 119 países. A Ordem é apenas uma das fundadas por São Francisco de Assis. Ao todo, o santo italiano fundou três: a primeira ordem, a dos Frade Menores, em 1209; a segunda, das Clarissas (OSC), em 1212; e a terceira, a Ordem Franciscana Secular (OFS), em 1221. Quem explica melhor é Helmir José Soares da Silva, ministro nacional da Ordem Franciscana Secular do Brasil: “A primeira ordem é composta por homens consagrados, conhecidos como frades, que fazem votos de pobreza, obediência e castidade. A segunda é voltada para a vida contemplativa: as irmãs fazem votos e vivem em mosteiros, em clausura. A terceira é destinada a leigos e padres diocesanos que vivem no mundo, mas desejam seguir o Evangelho no espírito franciscano”.
Diferentemente da primeira e da segunda ordem, a terceira não exige que seus membros abandonem famílias ou profissões para viver em conventos ou mosteiros. Pernambucano de Caruaru, a 130 quilômetros do Recife (PE), Helmir tem 54 anos de idade, vinte de casado e trabalha como vendedor. Os franciscanos seculares podem casar, ter filhos e seguir suas carreiras, mas se comprometem a viver a fé com espírito de penitência, serviço e fraternidade. Além de casados, podem ser solteiros ou viúvos. Atualmente, o Brasil tem 10.143 irmãos e irmãs professos, 940 formandos(as) e 964 iniciantes. “São Francisco de Assis viveu o Evangelho radicalmente. Renunciou à riqueza para viver entre os pobres. É um dos santos mais queridos da Igreja Católica porque sua vida reflete com coerência sua pregação: simplicidade, alegria e compromisso com a paz e a justiça. Sua mensagem continua atual”, diz Helmir José.
O MAIS BONITO DOS PLANETAS
Se a Ordem dos Frades Menores é masculina e a Ordem Franciscana Secular, mista, a Ordem das Clarissas, também conhecida como Ordem de Santa Clara, é feminina. Foi fundada por Santa Clara, sob a inspiração de São Francisco. A exemplo de Francisco, Clara Offreduccio, nome de Batismo de Santa Clara, também nasceu em Assis, na Itália. Nascida em 1194, consagrou-se em 1212, aos 18 anos. Um mês depois, Inês, sua irmã, seguiu seus passos. Quando seu pai morreu foi a vez de sua mãe ingressar na ordem. “Em geral, dividimos as congregações religiosas em congregações de vida ativa e contemplativa, mas isso não quer dizer que uma exclui a outra”, pondera a Irmã Vanessa Garrido, de 36 anos, que continua: “Dentro de um mosteiro, trabalha-se muito e, fora dele, também buscamos uma vida de oração e contemplação, caso contrário, nossa ação pastoral não seria fecunda”.
Irmã Vanessa faz parte da Congregação das Irmãs Franciscanas da Imaculada Conceição. Na caminhada franciscana há dezoito anos, completará dez de votos perpétuos em 2026. No Brasil, a congregação está presente em três estados: Minas Gerais, São Paulo e Santa Catarina. No exterior, em cinco países: Áustria, França, Eslovênia, Montenegro e África do Sul. Foi na Áustria que nasceu a fundadora, Madre Francisca Lampel. “O grande diferencial do carisma franciscano é apontar para o Cristo crucificado, aquele que foi e é capaz de dar a vida para salvar os pequenos e esquecidos. É no pobre que Deus se revela”, afirma Irmã Vanessa, que prossegue: “São Francisco é um santo que, ainda hoje, questiona-nos. Em tempos de COP30 [a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas], chama nossa atenção para questões ambientais urgentes. Precisamos cuidar melhor de nossa casa comum. Não cuidamos dela como deveríamos”.
O HÁBITO FAZ O MONGE
Se, no século XIII, São Francisco fundou três ordens, no século XVI a primeira delas, a Ordem dos Frades Menores, passou por reformas. É o que explica Frei Ricardo da Cruz, de 32 anos. A primeira delas ocorreu em 1517, sob o papado de Leão X. Naquele ano, a ordem foi subdividida em dois grupos: o dos frades da comunidade, a Ordem dos Frades Menores Conventuais (OFMConv), e o dos frades da estrita observância, a Ordem dos Frades Menores Observantes (OFMObs). A segunda reforma se deu em 1528, sob o pontificado de Clemente VII. Naquela ocasião, surgiu um terceiro grupo: a Ordem dos Frades Menores Capuchinhos (OFMCap). São adeptos da pobreza radical, da oração contemplativa e da vida missionária. Em 1897, o Papa Leão XII retirou o termo observante e formalizou a primeira ordem em três: Ordem dos Frades Menores, Ordem dos Frades Menores Conventuais e Ordem dos Frades Menores Capuchinhos.
Nascido no Rio de Janeiro (RJ) e criado em São Gonçalo (RJ), Frei Ricardo da Cruz pertence à Custódia Provincial Imaculada Conceição e reside no Convento Santo Antônio dos Pobres, que fica na cidade de Paraíba do Sul (RJ), a 138 quilômetros da capital. Segundo ele, as duas reformas promoveram pequenos ajustes nas cores da vestes (chamadas de talares, porque vão até o calcanhar) e no modelo de capuz. No caso da Ordem dos Frades Menores e da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos, a cor do hábito é marrom; já no da Ordem dos Frades Menores Conventuais, é cinza. “Há relatos de que os primeiros frades franciscanos, também conhecidos como os Penitentes de Assis, usavam o hábito na cor cinza”, observa Frei Ricardo, que é frade conventual. Já o capuz é separado da túnica tanto na Ordem dos Frades Menores quanto na Ordem dos Frades Menores Conventuais; na Ordem dos Frades Menores Capuchinhos, ao contrário, é costurado nela. Outro detalhe interessante: o capuz do hábito de frades conventuais e capuchinhos é mais longo que o dos frades menores.
AMOR SEM MEDIDA
“Três ramos que brotaram de um mesmo tronco”: É assim que o Frei Gilberto Costa, de 26 anos, refere-se aos três ramos que brotaram da Primeira Ordem de São Francisco de Assis. Seja qual for o ramo, prossegue o frade, a família franciscana tem no cuidado com os pobres seu traço primordial. Não por acaso, a conversão de Francisco aconteceu durante o seu encontro com um leproso, em 1206. “O que antes era amargo se converteu em doçura”, declarou o santo italiano. “Não seria possível permanecer fiel às nossas raízes sem cultivar nossa presença entre os últimos”, afirma Frei Gilberto. “Não se trata de dizer qual dos três ramos é ‘o mais pastoral’, mas de reconhecer que todos eles procuram servir a Cristo nos pobres e nos excluídos. O que mais me encanta no carisma franciscano é o seu ideal de fraternidade. Apesar de nossas diferenças pessoais somos capazes de sentar todos à mesma mesa”, conclui o frei.
Neste ano são comemorados os oito séculos do Cântico das Criaturas. O poema foi composto no outono de 1225 por um São Francisco quase cego e bastante debilitado. “Louvado sejas, meu Senhor/Por nossa irmã, a morte corporal/Da qual homem algum pode escapar”, diz um de seus versos. No ano que vem serão festejados os oitocentos anos da Páscoa de São Francisco. Ele morreu no dia 3 de outubro de 1226, aos 44 anos. “São Francisco é muito mais do que o santo dos animais. Para ele, o homem tem mais dignidade do que todas as criaturas, porque foi feito à imagem e semelhança de Deus”, afirma Frei Ricardo da Cruz, que complementa: “Francisco teve um encontro pessoal com Cristo no presépio, na cruz e na Eucaristia. Nosso Deus se revela como o servo que é capaz de amar sem medida a ponto de entregar a própria vida. A espiritualidade franciscana nos convida a nos transformar, hoje e sempre, em outros Cristos”.