REFLEXÃO BÍBLICA – Revista Ave Maria https://revistaavemaria.com.br A Revista Mariana do Brasil - fundada em 28 de maio de 1898 pelos Claretianos em São Paulo Mon, 01 Dec 2025 21:17:54 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.9 https://revistaavemaria.com.br/wp-content/uploads/2021/08/cropped-ico-revista-avemaria-60x60.png REFLEXÃO BÍBLICA – Revista Ave Maria https://revistaavemaria.com.br 32 32 Natal do Senhor: “Tendo Jesus nascido em Belém” (Mt 2,1) https://revistaavemaria.com.br/natal-do-senhor-tendo-jesus-nascido-em-belem-mt-21.html https://revistaavemaria.com.br/natal-do-senhor-tendo-jesus-nascido-em-belem-mt-21.html#respond Mon, 01 Dec 2025 21:12:13 +0000 https://revistaavemaria.com.br/?p=78957 O Evangelho segundo Mateus nos introduz no mistério do Natal com a sobriedade e a profundidade próprias de quem contempla, mais do que narra. “Tendo Jesus nascido em Belém da Judeia, no tempo do rei Herodes (…)” (Mt 2,1): poucas palavras, mas carregadas de significado teológico e histórico. O nascimento de Jesus aconteceu num contexto concreto, em um lugar pequeno e quase esquecido, sob o domínio de um rei violento e de um império opressor e, justamente ali, na periferia da história, irrompeu a salvação de Deus.

Belém – cujo nome significa “Casa do Pão” – é símbolo da promessa e da fidelidade divina. Ali nasceu Davi, o pequeno pastor escolhido por Deus para ser rei; ali nasceu Jesus, o verdadeiro Pastor, o Filho de Davi, o Pão vivo descido do Céu. Em Belém, Deus se fez alimento para a humanidade faminta de sentido, de justiça e de amor. O Natal, portanto, não é mera recordação de um acontecimento do passado, é a celebração da presença contínua de Deus que se faz próximo, pobre e acessível.

Mateus apresenta o nascimento de Jesus em contraste com o poder de Herodes. Enquanto o rei teme perder seu trono e busca eliminar o recém-nascido, os magos vindos de terras distantes se deixam guiar por uma estrela e movem-se pelo desejo de adorar. A cena revela duas atitudes opostas diante do mistério de Deus: a resistência e a acolhida. Herodes representa o coração fechado, dominado pelo medo e pelo egoísmo; os magos representam o coração peregrino, aberto à busca e à surpresa. O verdadeiro encontro com o Cristo só é possível para quem aceita sair de si mesmo, desprender-se de suas seguranças e caminhar à luz da fé.

Os magos são figuras universais. Representam todos os povos e culturas que, ainda que por caminhos diferentes, são atraídos pela verdade e pela luz. O sinal que os conduz – a estrela – simboliza a presença discreta, mas eficaz, de Deus que orienta os corações sinceros. A fé, no relato de Mateus, não nasce de uma imposição, mas de uma busca livre. A estrela os conduz até Belém, mas ali a luz cede lugar à humildade: encontram uma criança nos braços da mãe. O esplendor do Céu se traduz na simplicidade da Terra. O divino se esconde no humano.

Diante da criança, os magos se prostram e oferecem presentes: ouro, incenso e mirra. Esses dons, carregados de significado simbólico, revelam a identidade de Jesus: Rei (ouro), Deus (incenso) e Servo sofredor (mirra). No ato de oferecer, eles reconhecem e adoram. O gesto dos magos é modelo de atitude cristã: reconhecer o mistério e responder com gratidão e entrega.

O contraste entre Belém e Jerusalém é também uma provocação espiritual. Jerusalém, o centro religioso, permanece indiferente; Belém, o pequeno povoado, torna-se o lugar da revelação. Assim, Mateus nos ensina que Deus se manifesta não onde há poder, mas onde há abertura; não nas grandes estruturas, mas nos corações humildes. O Natal é, portanto, um convite a deslocar o olhar: do centro ao limite, da grandeza à simplicidade, da lógica do domínio à lógica do dom.

“Tendo Jesus nascido em Belém” – eis o coração do mistério. O Filho eterno de Deus entra na história humana, assume nossa fragilidade e habita nossas realidades feridas. Em tempos marcados pela violência, desigualdade e indiferença, o Natal recorda que a salvação começa na vulnerabilidade de um recém-nascido. O poder de Deus se manifesta na ternura, e a esperança renasce no pequeno e no pobre.

Celebrar o Natal é acolher essa presença silenciosa e transformadora. É deixar que Cristo nasça também em nossas “Beléns interiores”, nos lugares de nossa pobreza, solidão e limite. É permitir que a estrela da fé nos conduza à adoração verdadeira, que nasce do encontro pessoal com Jesus e se traduz em gestos de amor concreto.

O Evangelho termina com os magos “voltando por outro caminho” (Mt 2,12). Quem encontra o Menino não pode mais seguir o mesmo trajeto. O encontro com Cristo transforma, reorienta, renova. Assim também nós: depois de ajoelhar-nos diante do presépio somos enviados de volta ao mundo como portadores da luz que vimos brilhar. O Natal não termina no berço de Belém, ele se prolonga na vida de cada discípulo que, tocado pela ternura de Deus, torna-se estrela para outros peregrinos da fé.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MESTERS, C. Mateus: o Evangelho do caminho da justiça. Petrópolis: Vozes, 2010.
NICOLETTA, C. O Evangelho da infância em Mateus: teologia e narrativa. São Paulo: Loyola, 2015.
RATZINGER, J. A infância de Jesus. São Paulo: Planeta, 2012.

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Fé, humildade e confiança viva em Deus (LC 17,1-10) https://revistaavemaria.com.br/fe-humildade-e-confianca-viva-em-deus-lc-171-10.html https://revistaavemaria.com.br/fe-humildade-e-confianca-viva-em-deus-lc-171-10.html#respond Fri, 31 Oct 2025 20:53:29 +0000 https://revistaavemaria.com.br/?p=78714 Em Lucas 17,1-10, Jesus nos convida a refletir sobre fé, perdão, vigilância e vida em comunidade. Os discípulos, sentindo-se insuficientes diante das exigências do Reino, pedem: “Aumenta nossa fé”. A resposta de Jesus surpreende: Ele recorre a imagens inesperadas, como transplantar uma amoreira no mar, e à parábola do “simples servo”, cuja única obrigação é cumprir o que lhe é mandado. Mais do que um ensino sobre milagres, o texto revela uma fé que não se mede, não se compra, não se acumula: uma confiança que nasce e cresce dentro de nós.

Fé é uma confiança que nasce de dentro. Não é algo que depende de milagres impressionantes nem de desempenho religioso. Não estamos tentando agradar a Deus com fórmulas ou conquistando pontos para merecer algo.

Confiar é perceber que Ele age por meio de nós e que o que fazemos está conectado com sua presença. A salvação não é prêmio nem recompensa, ela acontece quando nos entregamos com simplicidade, quando escolhemos viver, amar e permanecer unidos, aceitando a realidade como ela é, sem tentar controlá-la para atender a nossos interesses. Cada pessoa é instrumento do divino e a verdadeira força da fé se manifesta na vida cotidiana, silenciosa, constante e transformadora.

Lendo o texto com atenção ao original grego fica claro que pistis não fala de quantidade de fé nem de habilidade para produzir milagres. O sentido é outro: fidelidade, confiança, firmeza interior, por isso, quando Jesus menciona o grão de mostarda ou a amoreira sendo arrancada e lançada ao mar Ele não propõe uma prova de poder, são imagens simbólicas para dizer que não é preciso uma fé gigantesca, basta que seja verdadeira. Um pouco de confiança autêntica já sustenta uma vida inteira.

A figura do “servo inútil” segue a mesma lógica. A intenção não é desvalorizar quem serve, mas lembrar que o serviço a Deus não é caminho para autopromoção, prestígio ou recompensa. É colaboração silenciosa com a obra divina.

Essa visão se alinha profundamente com a ética do Evangelho de Lucas, centrada na solidariedade, no serviço e na responsabilidade comunitária. Cada gesto discreto, feito com fidelidade, constrói – sem alarde – um mundo mais humano. É assim que o Reino de Deus vai tomando forma entre nós.

Numa leitura pastoral, o recado é direto: fé não se prova no que se fala, mas no que se vive. Em termos pessoais, ela se revela quando confiamos mesmo sem garantias, quando reconhecemos nossos limites, quando permanecemos firmes no que é correto e deixamos Deus agir dentro de nós sem criar barreiras.

Na convivência com os outros, a fé se expressa em respeito, acolhimento e responsabilidade compartilhada. Ela nasce quando reconhecemos a presença de Deus nas pessoas reais – com suas histórias, fraquezas e grandezas – e não apenas nos ideais que projetamos.

Quando abandonamos a ideia de que a fé funciona como uma recompensa por desempenho, abrimos espaço para uma vida mais coerente, movida por amor, perdão e compromisso com a vida. A fé deixa de ser regra ou teoria e passa a ser impulso de transformação – silenciosa, mas profundamente concreta.

Em síntese, Lucas 17,1-10 aponta para uma fé mais adulta. Não se trata de medir espiritualidade pela quantidade de milagres, prestígio ou mérito pessoal; a verdadeira fé se revela na confiança silenciosa, no serviço discreto e na coerência das escolhas.

É esse tipo de fé que sustenta vidas, une comunidades e provoca mudanças reais. O discípulo autêntico não age esperando aplausos ou recompensas, faz o bem porque sabe a quem pertence e deixa que Deus atue através dele.

Referências bibliográficas

BORG, Marcus J. Jesus: uma visão radical do Evangelho. Paulinas, 2010.
COSTA, Cláudio. A fé na perspectiva bíblica: reflexões sobre Lucas. Loyola, 2015.
SCHOTT, Walter. Evangelho de Lucas: comentário hermenêutico e pastoral. Paulus, 2012.

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As mulheres no Evangelho de Lucas https://revistaavemaria.com.br/as-mulheres-no-evangelho-de-lucas.html https://revistaavemaria.com.br/as-mulheres-no-evangelho-de-lucas.html#respond Wed, 01 Oct 2025 13:41:42 +0000 https://revistaavemaria.com.br/?p=78454 O Evangelho de Lucas apresenta-se como aquele que mais concede espaço e protagonismo às mulheres na vida e na missão de Jesus. Desde os primeiros capítulos, observa-se uma valorização singular da presença feminina, não apenas como figuras secundárias, mas como discípulas e testemunhas privilegiadas da Boa-Nova. Esse traço particular reflete a intenção do evangelista de destacar a universalidade da salvação e a inclusão dos marginalizados, entre os quais as mulheres ocupam lugar central.

Já no início da narrativa, duas mulheres desempenham papel fundamental: Maria e Isabel. Maria é saudada como a cheia de graça (cf. Lc 1,28), modelo de fé e disponibilidade ao plano divino. Seu cântico, o Magnificat (cf. Lc 1,46-55), expressa a inversão das estruturas sociais e anuncia a justiça do Reino, elevando os humildes e derrubando os poderosos. Isabel, por sua vez, é retratada como mulher justa e repleta do Espírito Santo (cf. Lc 1,41), reconhecendo em Maria a mãe do Senhor. Ambas inauguram o protagonismo feminino no processo da encarnação e da promessa messiânica.

Outro exemplo é Ana, a profetisa (cf. Lc 2,36-38), viúva idosa que reconhece no Menino Jesus o cumprimento da esperança de Israel e anuncia sua chegada a todos os que esperavam a redenção. A presença de Ana, ao lado de Simeão, ilustra a complementaridade entre homens e mulheres no testemunho da fé.

Lucas apresenta também figuras anônimas que evidenciam a compaixão de Jesus. A viúva de Naim (cf. Lc 7,11-17) recebe dele a misericórdia ao ver restituído à vida o seu único filho. Esse gesto revela a profunda sensibilidade de Jesus diante da condição de fragilidade da mulher na sociedade patriarcal, na qual a perda do marido ou dos filhos significava abandono e miséria.

No caminho de Jesus, encontram-se ainda mulheres discípulas que o acompanham de perto: “Maria Madalena, Joana, mulher de Cuza, administrador de Herodes e Susana, e muitas outras que os ajudavam com seus bens” (Lc 8,1-3). Esse trecho é notável por situar as mulheres entre os discípulos, em contraste com as estruturas sociais da época. Maria Madalena, em particular, será apresentada no fim do Evangelho como a primeira testemunha da ressurreição (cf. Lc 24,1-10), título de grande relevância, pois na cultura judaica o testemunho feminino não era juridicamente reconhecido.

Na narrativa de Lucas, destacam-se igualmente as irmãs Marta e Maria (cf. Lc 10,38-42). Marta representa a dedicação do serviço hospitaleiro, enquanto Maria é apresentada aos pés de Jesus, em atitude de escuta e discipulado. Ao tomar a defesa de Maria, o Mestre legitima a presença da mulher no espaço do discipulado e da escuta da Palavra, rompendo as barreiras culturais vigentes em sua época.

Assim, Lucas articula uma teologia inclusiva, em que as mulheres não são apenas beneficiárias da ação de Jesus, mas participantes ativas de sua missão. Como observa Brown (1999), a opção do evangelista por enfatizar essas personagens revela uma “dimensão universal do Evangelho, na qual os que eram considerados socialmente frágeis tornam-se portadores da revelação”. Bovon (2002) acrescenta que a figura feminina em Lucas funciona como “espelho da comunidade cristã nascente, chamada a viver a fé na escuta, no serviço e no testemunho”.

O Evangelho de Lucas apresenta as mulheres como presenças discretas, mas decisivas, na história da salvação. Elas acompanham Jesus desde o anúncio do Messias até a ressurreição, indicando que a mensagem do Reino de Deus irrompe barreiras culturais e sociais. Essa ênfase de Lucas constitui um convite permanente para o reconhecimento e valorização da missão das mulheres na vida comunitária e na evangelização.

 

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O Chamado à justiça e à misericórdia https://revistaavemaria.com.br/o-chamado-a-justica-e-a-misericordia.html https://revistaavemaria.com.br/o-chamado-a-justica-e-a-misericordia.html#respond Tue, 02 Sep 2025 13:43:30 +0000 https://revistaavemaria.com.br/?p=78227 O Evangelho segundo Lucas apresenta uma das mais profundas e comoventes preocupações sociais entre os escritos do Novo Testamento. Nele, a figura de Jesus emerge como aquele que se aproxima dos pobres, dos marginalizados, das mulheres e dos pecadores com uma compaixão concreta, libertadora e chocante para a lógica religiosa e social de seu tempo. Em diversas passagens, percebe-se que Lucas constrói uma narrativa marcada pela inversão das hierarquias humanas, convidando os discípulos a uma espiritualidade enraizada na justiça, na solidariedade e na dignidade humana, para a vinda do Reino de Deus: “Há últimos que serão os primeiros, e há primeiros que serão os últimos” (Lc 13,3).

Duas parábolas emblemáticas ilustram esse traço constitutivo: a do bom samaritano (cf. Lc 10,25-37) e a do rico e Lázaro (cf. Lc 16,19-31). Na primeira, a verdadeira piedade é atribuída ao samaritano, alguém socialmente excluído pelo judaísmo oficial, que se torna modelo de misericórdia ao cuidar da vítima abandonada à beira do caminho. O texto nos desloca da religião meramente ritualista para uma espiritualidade do cuidado e da proximidade. A ação do samaritano aponta para um amor que ultrapassa fronteiras étnicas, religiosas e sociais, configurando-se como expressão da compaixão divina.

Na parábola do rico e Lázaro, Lucas apresenta um rico indiferente e um pobre abandonado à porta. O abismo que os separa na vida é perpetuado após a morte, revelando que a justiça divina considera não apenas as intenções, mas também a responsabilidade dos que têm recursos e os usam unicamente para si. A crítica à riqueza injusta é uma constante no terceiro Evangelho (cf. Lc 6,20-26; 12,13-21), que, ao mesmo tempo, exalta os humildes e os famintos, numa clara alusão ao Magnificat (cf. Lc 1,46-55), no qual Maria proclama que Deus “derruba do trono os poderosos e eleva os humildes”.

No Evangelho de Lucas, o seguimento de Jesus é apresentado como um caminho que exige romper com atitudes de fechamento e autossuficiência, abrindo-se ao encontro verdadeiro com o outro, especialmente com quem sofre privações, é marginalizado ou tem sua dignidade ferida. Mais do que um sentimento de compaixão, trata-se de uma exigência profunda do Reino de Deus, que se concretiza na prática da partilha, no exercício da hospitalidade e na inclusão de todos. Dessa forma, a comunidade inspirada pela mensagem lucana é chamada a tornar-se sinal concreto de uma nova realidade social e espiritual, visível em gestos de misericórdia, no cuidado com os mais vulneráveis e no compromisso de combater as injustiças e desigualdades.

Na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, o Papa Francisco reafirmou: “Quero uma Igreja pobre para os pobres. Eles têm muito a ensinar-nos. Além de participar do sensus fidei, nos seus próprios sofrimentos conhecem o Cristo sofredor” (198). Essa perspectiva não é um acessório da fé, mas parte constitutiva do Evangelho.

A espiritualidade que permeia o Evangelho de Lucas permanece como apelo vivo à Igreja contemporânea. Ela exorta a cultivar um olhar moldado pela mensagem evangélica, atento ao clamor dos pobres, aberto à acolhida dos excluídos e firmemente empenhado na construção de uma sociedade justa, na qual o amor se traduza em gestos concretos de solidariedade.

Referências bibliográficas

BENTO XVI. Jesus de Nazaré: do Batismo no Jordão à transfiguração. São Paulo: Planeta, 2007.
CNBB. A Igreja e a questão social: Doutrina Social da Igreja (Doc. 91). Brasília: Edições CNBB, 2003.
FRANCISCO. Evangelii Gaudium: exortação apostólica sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. São Paulo: Paulinas, 2013.
KASPER, Walter. Jesus, o Cristo. São Paulo: Paulinas, 1981.
SKA, Jean-Louis. Introdução à leitura do Pentateuco. São Paulo: Loyola, 2001.
WERBINSKI, Waldemar. Evangelho segundo Lucas. São Paulo: Ave-Maria, 2006.

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Evangelho de Lucas: a ação do Espírito Santo e a Oração https://revistaavemaria.com.br/evangelho-de-lucas-a-acao-do-espirito-santo-e-a-oracao.html https://revistaavemaria.com.br/evangelho-de-lucas-a-acao-do-espirito-santo-e-a-oracao.html#respond Thu, 31 Jul 2025 17:22:00 +0000 https://revistaavemaria.com.br/?p=78015 O Evangelho de Lucas destaca, com singular profundidade, a presença atuante do Espírito Santo e a centralidade da oração na vida e missão de Jesus. Em relação com os demais evangelhos, esses dois elementos ganham em Lucas maior evidência, revelando que todo o percurso de Jesus, da concepção virginal até a entrega final na cruz, está enraizado na comunhão com o Pai e guiado pelo Espírito. Para Lucas, tanto a oração quanto o Espírito são dimensões constitutivas da identidade messiânica de Jesus e, por extensão, da vocação dos que se põem a segui-lo no caminho do Reino.

Logo nos primeiros capítulos, o Espírito Santo aparece como protagonista da encarnação. Ao anunciar a Maria que ela conceberá o Salvador, o anjo declara: “O Espírito Santo descerá sobre ti” (Lc 1,35), evocando a imagem do Espírito que pairava sobre as águas no Gênesis. Trata-se de uma nova criação em Cristo, iniciada pela ação direta do Espírito. A vida de Jesus será inteiramente conduzida por essa presença divina.

No Batismo, o Espírito desce sobre Jesus “em forma corpórea, como uma pomba” (Lc 3,22). A voz do Pai confirma sua filiação: “Tu és o meu Filho amado”. A partir daí, Lucas mostra que Jesus “cheio do Espírito Santo, foi conduzido ao deserto” (Lc 4,1), onde enfrentou provações antes de iniciar sua missão. Após vencer as tentações, ele retornou “cheio da força do Espírito” (Lc 4,14) e na sinagoga de Nazaré proclamou a profecia de Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu” (Lc 4,18-19). Assim, Jesus assumiu sua missão em favor dos pobres, oprimidos, cegos e cativos, revelando que é pelo Espírito que sua ação é movida.

Paralelamente, Lucas apresenta Jesus como homem de oração. Em todos os momentos cruciais, Jesus ora. É Lucas quem mais destaca esse aspecto. No Batismo (cf. Lc 3,21), na escolha dos apóstolos (cf. Lc 6,12), na transfiguração (cf. Lc 9,28), Jesus está em oração. Inclusive, o ensinamento do Pai-Nosso nasce desse caminhar orante: “Senhor, ensina-nos a orar” (Lc 11,1). Jesus reza antes, durante e depois das ações, mostrando que a oração é expressão viva de sua comunhão com o Pai.

À medida que se aproximam os últimos instantes da vida de Jesus, a oração se intensifica, adquire um tom ainda mais profundo. No Getsêmani, Ele se dirige ao Pai com palavras de entrega e obediência: “Pai, se queres, afasta de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, mas a tua” (Lc 22,42). Trata-se de uma súplica nascida do sofrimento, mas atravessada pela fidelidade. Já na cruz, sua vida se encerra também em forma de oração: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46). A comunhão com o Pai permanece até o fim. Em meio a esse drama, sua intercessão pelos outros não cessa: a Simão Pedro, Jesus diz com ternura: “Eu roguei por ti, para que tua fé não desfaleça” (Lc 22,32). A oração, assim, revela-se como expressão suprema de amor, cuidado e confiança, sustentando o Filho até o último respiro.

Em Lucas, a oração não aparece como um gesto isolado ou eventual, mas como parte constitutiva da vida de Jesus. Trata-se de uma prática que manifesta escuta atenta, busca de discernimento e entrega confiante à vontade do Pai. Para os discípulos, rezar não significa cumprir um preceito, mas trilhar um caminho de fidelidade e abertura ao mistério de Deus. A oração ilumina as decisões, sustenta nos momentos de provação e dispõe o coração à ação do Espírito, que conduz e fortalece aqueles que se põem a caminho, desejosos de seguir o Senhor com verdade e inteireza.

O Evangelho de Lucas nos convida, assim, a sermos discípulos e discípulas orantes, atentos ao Espírito, vivendo uma espiritualidade que une intimidade com Deus e compromisso com os irmãos e irmãs, sobretudo os mais necessitados.

Referências

FABRIS, Rinaldo; MAGGIONI, Bruno. Evangelho de Lucas. São Paulo: Paulus, 1992.

HAHN, Scott. O Evangelho de Lucas. São Paulo: Edições Loyola, 2018.

KASPER, Walter. Jesus, o Cristo. São Paulo: Paulinas, 1983.

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A misericórdia no Evangelho de Lucas https://revistaavemaria.com.br/a-misericordia-no-evangelho-de-lucas.html https://revistaavemaria.com.br/a-misericordia-no-evangelho-de-lucas.html#respond Tue, 01 Jul 2025 12:52:50 +0000 https://revistaavemaria.com.br/?p=77800 O Evangelho de Lucas, frequentemente chamado de “o Evangelho da misericórdia”, apresenta uma teologia profundamente marcada pelo amor compassivo de Deus, especialmente em favor dos marginalizados e pecadores. Diferentemente de outros evangelistas, Lucas estrutura sua narrativa de modo a enfatizar a universalidade da salvação e a graça divina que se estende a todos, inclusive aos excluídos da sociedade judaica do primeiro século.

Lucas não apenas descreve a misericórdia como uma ação divina, mas como uma dimensão essencial do próprio Deus. O termo grego “ἔλεος” (“eleos”), frequentemente utilizado, remete à compaixão ativa, não apenas um sentimento, mas uma intervenção da graça. Essa misericórdia é apresentada desde o início do Evangelho, como no cântico de Maria – “Sua misericórdia se estende de geração em geração sobre os que o temem” (Lc 1,50) – e no Benedictus de Zacarias (cf. Lc 1,78), em que a vinda do Messias é associada à “ternura do coração de nosso Deus”.

A misericórdia divina em Lucas não é meritocrática, mas graciosa e incondicional, como visto na parábola do Pai Misericordioso (cf. Lc 15,11-32), na qual o pai corre ao encontro do filho antes mesmo que este complete seu discurso de arrependimento. A ênfase não está no pecado do filho, mas no amor inesgotável do Pai, que reflete a natureza de Deus.

Lucas agrupa parábolas no capítulo 15, todas respondendo à crítica dos fariseus de que Jesus “recebe pecadores e come com eles” (Lc 15,2).

  • A ovelha perdida (cf. Lc 15,4-7): enquanto Mateus (cf. 18,12-14) enfoca a responsabilidade pastoral, Lucas destaca a alegria divina no resgate. O pastor deixa as 99 ovelhas no deserto (local perigoso), mostrando que Deus assume riscos pelo perdido.
  • A moeda perdida (cf. Lc 15,8-10): a mulher, símbolo da sabedoria divina (cf. Pr 8), varre a casa até encontrá-la. A imagem sugere que Deus busca ativamente mesmo o que parece insignificante.
  • O pai misericordioso (cf. Lc 15,11-32): o filho mais novo, ao pedir herança, pratica um ato equivalente a desejar a morte do pai (cf. Dt 21,17). No entanto, o pai não o condena, mas o restaura plenamente. O filho mais velho representa a posição dos fariseus, que não compreendem a alegria do perdão.
  • A parábola do bom samaritano (cf. Lc 10,25-37): o sacerdote e o levita evitam o homem ferido por motivos legais, rituais (cf. Lv 21,1-3), mas o samaritano, considerado herege, age com compaixão prática (“σπλαγχνίζομαι”, “splanchnizomai”), investindo seus recursos. Jesus redefine o “próximo” como aquele que pratica misericórdia, não aquele que cumpre a lei ritualisticamente.

ENCONTROS DE MISERICÓRDIA

  • A pecadora que unge os pés de Jesus (cf. Lc 7,36-50): Simão, o fariseu, julga a mulher por seu passado, mas Jesus a defende, destacando que “seus muitos pecados lhe são perdoados porque muito amou” (v. 47). O perdão não é consequência do amor, mas o amor é a resposta ao perdão já recebido.
  • Zaqueu (cf. Lc 19,1-10): como cobrador de impostos, Zaqueu era visto como traidor, no entanto, Jesus o chama pelo nome e se hospeda em sua casa, desafiando as convenções. A resposta de Zaqueu – restituir quadruplicado – mostra uma conversão autêntica, fruto da misericórdia recebida.
  • O bom ladrão (cf. Lc 23,39-43): enquanto um criminoso blasfema, o outro reconhece sua culpa e clama por misericórdia. Jesus não exige reparações, apenas fé: “Hoje estarás comigo no Paraíso” (v. 43).

MISERICÓRDIA E DISCIPULADO

Jesus ordena: “Sede misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso” (Lc 6,36). Em Lucas, a misericórdia não é opcional, mas essência do seguimento de Cristo. Isso se expressa em:

  • perdão incondicional (cf. Lc 17,3-4);
  • preferência pelos pobres (cf. Lc 14,12-14);
  • acolhida aos excluídos (cf. Lc 14,21-23).

Lucas nos mostra que a misericórdia verdadeira não faz cálculos, é sem condicionamentos, não faz contas, arranca-nos da comodidade e nos lança às estradas onde os feridos agonizam, porque só quem foi alcançado pela graça sabe curar sem exigir atestados de moralidade.

Eis o chamado e desafio que ecoa através dos séculos: deixar que esse amor nos incomode, desinstale, faça-nos levantar da mesa quando o mundo preferir julgar, condenar, isso não por obrigação, mas – uma vez tocados e sensibilizados por esse abraço – por amor, um amor que liberta, dignifica.

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A oração do Pai-Nosso (Lc 11,1-4) https://revistaavemaria.com.br/a-oracao-do-pai-nosso-lc-111-4.html https://revistaavemaria.com.br/a-oracao-do-pai-nosso-lc-111-4.html#respond Mon, 02 Jun 2025 17:12:07 +0000 https://revistaavemaria.com.br/?p=77598 O versículo inicial destaca que Jesus estava em oração: “Um dia, num certo lugar, estava Jesus a rezar” (Lc 11,1). Lucas, mais do que os outros evangelistas, sublinha com frequência a prática orante de Jesus. Essa cena não é apenas introdutória, mas expressa um dado fundamental: a oração de Jesus é a fonte de sua missão e é esse relacionamento com Deus que desperta nos discípulos o desejo de aprender a rezar. A oração é apresentada como hábito constante de Jesus e momento decisivo de discernimento. O pedido “Senhor, ensina-nos a orar” revela a consciência da comunidade lucana sobre a necessidade de formação na fé e na vida espiritual, em continuidade com a tradição judaica.

A resposta de Jesus é o ensinamento do Pai-Nosso, numa forma breve e direta, com cinco petições (em vez das sete de Mateus). O uso do termo “Pai” (Abbá) no início (cf. v. 2) é teologicamente decisivo. Ele expressa não apenas uma fórmula de tratamento, mas a radical novidade da relação que Jesus vive com Deus e convida os discípulos a assumirem. É um Pai que está próximo, acessível e que sustenta a existência com misericórdia e fidelidade.

A primeira petição – “Santificado seja o vosso nome” – remete à santidade de Deus como mistério e como missão. Santificar o nome de Deus não é apenas uma adoração verbal, mas um chamado para que, por meio da vida dos discípulos, o nome de Deus seja reconhecido no mundo. Já a segunda petição – “Venha o vosso Reino” – resume toda a esperança escatológica de Israel e a pregação de Jesus. Em Lucas, o Reino é realidade que se aproxima na pessoa de Cristo e que deve ser acolhida com fé e conversão.

A terceira petição – “Dá-nos hoje o pão necessário ao nosso sustento” – sublinha a dimensão cotidiana da confiança em Deus. O vocábulo grego “epiousios” (traduzido como “de cada dia” ou “necessário”) reforça a ideia de sustento diário. Acentua a dependência constante e renovada do cuidado divino. O “pão” não é apenas o alimento físico, mas símbolo da sustenção total: o necessário para viver, agir e esperar.

A quarta petição – “Perdoai-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos àqueles que nos ofenderam” – destaca a reciprocidade do perdão como chave da vida comunitária. Em vez de “ofensas” como em Mateus, Lucas fala diretamente de “pecados” (“hamartías”) e de (“opheílonti”), significando “devedor – aquele que deve”, aproximando culpa moral e relações sociais. O perdão recebido de Deus não pode ser separado do perdão oferecido ao próximo. O termo “pecado” assume aqui um duplo registro: pessoal (falta moral) e social (injustiça). O perdão é uma exigência ética e espiritual.

A última petição – “E não nos deixes cair em tentação” – expressa a consciência da fragilidade humana diante do mal. Em Lucas, a tentação aparece como realidade presente, associada à vigilância e à oração (cf. Lc 22,40.46). A súplica pede o auxílio divino para permanecer fiel diante das provações, ecoando a experiência de Jesus no deserto (Lc 4,1-13).

A oração do Pai-Nosso em Lucas, com sua forma concisa, é uma síntese da espiritualidade cristã primitiva. Ela forma os discípulos na confiança radical em Deus, na fraternidade reconciliada e na vigilância ativa diante da história. O pedido dos discípulos não é apenas um gesto de aprendizado, mas o início de uma caminhada orante, que se desdobra em todo o capítulo 11 com ensinamentos sobre a perseverança na oração e a bondade do Pai que escuta. Conforme observa Santo Agostinho, “A oração do Pai-Nosso é a mais breve, mas contém todo o Evangelho”.

A sequência do capítulo (cf. Lc 11,5-13) aprofunda a temática da oração insistente e confiante, revelando a bondade do Pai celeste.

Referências bibliográficas

AGOSTINHO. Comentário ao Sermão da Montanha e outras obras. Tradução Raimundo Vier. São Paulo: Paulus, 2003.

BROWN, Raymond E. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004.

FITZMYER, Joseph A. O Evangelho segundo Lucas (I–IX): introdução, tradução e comentário. São Paulo: Loyola, 1991. (Série Comentário Bíblico)

HARRINGTON, Daniel J. Evangelho segundo Lucas. In: COMISSÃO BÍBLICA DA CNBB. Comentário Bíblico São Jerônimo. São Paulo: Paulus, 2005. pp. 1194–1247.

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O Evangelho de Lucas: principais temas teológicos https://revistaavemaria.com.br/o-evangelho-de-lucas-principais-temas-teologicos.html https://revistaavemaria.com.br/o-evangelho-de-lucas-principais-temas-teologicos.html#respond Wed, 30 Apr 2025 19:18:30 +0000 https://revistaavemaria.com.br/?p=77387 O Evangelho de Lucas, reconhecido por sua profundidade teológica e narrativa cuidadosa, destaca-se no cânon neotestamentário por sua ênfase na universalidade da salvação, na misericórdia divina e na atenção aos marginalizados. Como observa Ignácio Larrañaga (1995, p. 45), “Lucas é o evangelista da ternura de Deus, que se inclina sobre os pequenos e os pecadores”.

UNIVERSALIDADE DA SALVAÇÃO

Lucas apresenta Jesus como Salvador de toda a humanidade, não apenas de Israel. Isso se evidencia na genealogia que remonta a Adão (cf. Lc 3,23-38) e na proclamação de Simeão no templo. O evento da apresentação no templo (cf. Lc 2,25-32) antecipa essa vocação universal, quando Simeão proclama o Menino Jesus como “luz para revelação às nações”. Luigi Schiavo (2010, p. 78) destaca que “Lucas escreve para uma comunidade de convertidos do paganismo, mostrando que a salvação é dom universal”.

A MISERICÓRDIA DE DEUS

A teologia lucana se distingue por sua ênfase na acolhida dos excluídos. Três parábolas são muito significativas: a da ovelha desaparecida (cf. Lc 15,3-7), a da moeda perdida (cf. Lc 15,8-10) e a do pai que recebe o filho arrependido (cf. Lc 15,11-32). Essas narrativas revelam um Deus que toma a iniciativa de buscar quem está afastado. Bento XVI (2007, p. 132) comenta: “O Pai não espera passivamente, mas corre ao encontro do filho perdido”. 

O ESPÍRITO SANTO EM AÇÃO

A pneumatologia lucana é marcante. No Evangelho, o Espírito atua na vida de Jesus desde sua concepção (cf. Lc 1,35), em seu ministério público (cf. Lc 4,1.14) e na Igreja. Nos Atos, esse mesmo Espírito anima a comunidade eclesial. Essa continuidade demonstra que a Igreja prolonga a missão de Cristo. Raniero Cantalamessa (2005, p. 91) afirma: “Em Lucas, o Espírito é o protagonista da missão, guiando a Igreja desde Pentecostes”.

A ATENÇÃO AOS MARGINALIZADOS

A opção pelos pobres não é mero aspecto social, mas constitutivo da mensagem do Reino. As bem-aventuranças na versão lucana (cf. Lc 6,20-23) contrastam com os “ais” aos ricos (cf. Lc 6,24-26). José Antonio Pagola (2012, p. 104) ressalta: “O Reino de Deus começa pelos últimos, e isso exige uma Igreja samaritana”. 

A ORAÇÃO E O DISCIPULADO

A oração aparece como elemento estruturante na vida de Jesus e dos seus seguidores. Maria personifica o ideal do discípulo que “conserva todas essas coisas, meditando-as no coração” (Lc 2,19). O Evangelho apresenta ainda o caminho de Jerusalém como escola de formação para os apóstolos.

A ALEGRIA DO EVANGELHO

O clima de júbilo perpassa toda a narrativa, desde o anúncio do anjo (cf. Lc 2,10) até a ascensão (cf. Lc 24,52). As refeições compartilhadas (cf. Lc 14,15-24) prefiguram o banquete escatológico, antecipando a plenitude do Reino. O Papa Francisco (2013, 5) sublinha: “A alegria cristã nasce do encontro com Cristo”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A teologia de Lucas mantém surpreendente atualidade, oferecendo critérios para uma vivência eclesial que combina anúncio kerigmático e diaconia concreta. Seu retrato de Cristo como médico das almas e corpo social continua a inspirar a missão da Igreja no terceiro milênio.

Referências
BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Editora Planeta, 2007.
CANTALAMESSA, R. O Espírito santo na Vida de Jesus. Livraria Paulinas, 2005.
FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium. Vaticano, 2013.
LARRAÑAGA, I. O Deus em que creio. Paulus Editora, 1995.
PAGOLA, J. A. Jesus: aproximação histórica. Editora Vozes, 2012.
SCHIAVO, L. O Evangelho de Lucas. Editora Ave-Maria, 2010.

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A oração no Evangelho de Lucas e Atos https://revistaavemaria.com.br/a-oracao-no-evangelho-de-lucas-e-atos.html https://revistaavemaria.com.br/a-oracao-no-evangelho-de-lucas-e-atos.html#respond Tue, 01 Apr 2025 18:05:04 +0000 https://revistaavemaria.com.br/?p=77190 No Evangelho de Lucas, a oração ocupa um lugar central na vida espiritual. Para os novos fiéis, cristãos de origem pagã que não tinham a tradição de oração dos judeus, Lucas ressalta a oração como uma forma essencial de comunicação com Deus e expressão de uma fé autêntica. Em sua narrativa, a oração não é um mero ritual, mas uma prática que define a identidade da comunidade cristã e fortalece sua conexão com o divino.

Desde os relatos sobre a infância de Jesus, Lucas cria um ambiente marcado pela oração. Personagens como Zacarias (cf. Lc 1,67-79), Isabel (cf. Lc 1,41-45), Maria (cf. Lc 1,46-55), Simeão (cf. Lc 2,29-32) e Ana (cf. Lc 2,36-38) são descritos em momentos de louvor, gratidão e súplica. Nesse cenário, Lucas apresenta quatro orações que se tornaram pilares da liturgia cristã: o Benedictus (cântico de Zacarias, cf. Lc 1,68-79), o Magnificat (cântico de Maria, cf. Lc 1,46-55), o Gloria (dos anjos, cf. Lc 2,14) e o Nunc dimittis (cântico de Simeão, cf. Lc 2,29-32). Essas orações não só celebram a ação de Deus na história da salvação, mas também servem como modelos para a oração pessoal e comunitária. Além disso, as palavras de Isabel a Maria (cf. Lc 1,42-45) formam a base da Ave-Maria, uma das orações mais conhecidas e recitadas na tradição cristã.

Lucas retrata Jesus como o modelo perfeito de oração. Enquanto outros evangelistas, como Marcos, mencionam a oração como uma prática habitual de Jesus (cf. Mc 1,35), Lucas amplia essa ideia, mostrando Jesus em oração em momentos cruciais de sua vida e missão. Ele ora durante seu Batismo (cf. Lc 3,21), em meio às atividades de seu ministério (cf. Lc 5,16), antes de escolher os doze apóstolos (cf. Lc 6,12), antes da confissão de Pedro (cf. Lc 9,18), na transfiguração (cf. Lc 9,29), após o retorno dos 72 discípulos (cf. Lc 10,17-21), na agonia do Getsêmani (cf. Lc 22,39-46) e na cruz (cf. Lc 23,34-36). Esses episódios revelam que a oração é o alicerce de sua missão e o meio pelo qual Ele se alinha à vontade do Pai.

Lucas também enfatiza a oração como uma resposta vital diante de desafios e decisões importantes. Nas parábolas do amigo importuno (cf. Lc 11,5-8) e do juiz iníquo (cf. Lc 18,1-8), ele ensina sobre a persistência na oração e a confiança na justiça divina. A oração é apresentada como uma prática que fortalece os discípulos em momentos de crise, como no Getsêmani (cf. Lc 22,40). Além disso, Lucas estabelece uma conexão clara entre a oração e o Espírito Santo (cf. Lc 1,15.17; 3,21s; 10,21; 11,13), mostrando que a oração é um canal para a ação do Espírito na vida dos fiéis (Papa Francisco, Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, Paulinas, 2013, p. 112).

Nos Atos dos Apóstolos, Lucas continua a destacar a centralidade da oração na vida da comunidade cristã. Desde o início, os discípulos se dedicam à oração em comum (cf. At 1,14) e essa prática se torna uma característica marcante da Igreja primitiva. A oração é essencial tanto para os apóstolos (cf. At 6,4) quanto para toda a comunidade (cf. At 2,42), especialmente em momentos de dificuldade (cf. At 4,23-31; 12,5; 12,12) ou de decisões importantes, como a escolha do substituto de Judas (cf. At 1,24), a nomeação dos diáconos (cf. At 6,6) e o envio de Barnabé e Paulo (cf. At 13,3).

Personagens como Pedro, João e Paulo são frequentemente retratados em oração, evidenciando que a liderança cristã está profundamente enraizada na vida espiritual. Pedro e João vão ao templo para orar (cf. At 3,1), Pedro ora antes de realizar um milagre em favor de Tabita (cf. At 9,40) e Paulo ora em momentos decisivos de sua missão, como na prisão em Filipos (cf. At 16,25) e antes de curar o pai de Públio (cf. At 28,8). Até mesmo Cornélio, um gentio, é elogiado por suas orações e esmolas (cf. At 10,4.31), demonstrando que a oração transcende barreiras culturais e religiosas.

CONCLUSÃO

No Evangelho de Lucas, a oração é apresentada como um pilar fundamental da vida cristã, tanto individual quanto comunitária. Ela é o meio pelo qual os fiéis se conectam com Deus, discernem sua vontade e encontram força para superar desafios. Por meio de Jesus e dos primeiros cristãos, Lucas ensina que a oração não é apenas um ato de devoção, mas uma expressão de confiança na providência divina e uma fonte de unidade e perseverança para a comunidade. Dessa forma, a oração se torna um testemunho vivo da presença de Deus no mundo e um chamado à fé constante e à esperança em sua ação salvadora (Papa Francisco, Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, Paulinas, 2013, p. 178).

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O Espírito Santo no Evangelho de Lucas https://revistaavemaria.com.br/o-espirito-santo-no-evangelho-de-lucas.html https://revistaavemaria.com.br/o-espirito-santo-no-evangelho-de-lucas.html#respond Mon, 03 Mar 2025 13:43:44 +0000 https://revistaavemaria.com.br/?p=76971 No Evangelho de Lucas, o Espírito Santo é mencionado ou destacado dezenove vezes. Essas referências incluem tanto a atuação do Espírito Santo em diversos momentos da narrativa quanto as promessas de Jesus relacionadas ao Espírito. 

A presença do Espírito Santo é uma característica marcante desde o início do Evangelho e tem um papel central no cumprimento da missão de Jesus e na preparação dos seus discípulos. No anúncio a Maria sobre o nascimento de Jesus, o anjo Gabriel revela como esse acontecimento se realizará: “O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra. Por isso, o ente santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus.” (Lc 1,35). O evangelista Mateus também reforça essa atuação divina ao afirmar que Jesus foi concebido pelo Espírito Santo (Mt 1,20).

A presença do Espírito Santo se manifesta em momentos que antecedem o nascimento de Jesus. Isabel, ao ouvir a saudação de Maria é tomada por Ele: “Ora, apenas Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança estremeceu no seu seio; e Isabel ficou cheia do Espírito Santo” (Lc 1,41). João Batista, ainda no ventre materno, se alegra sob a ação do Espírito: “assim que a voz de tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança estremeceu de alegria no meu seio” (Lc 1,44). Zacarias, igualmente fica repleto do Espírito e profetiza: “Zacarias, seu pai, ficou cheio do Espírito Santo e profetizou…” (Lc 1,67). Posterior ao nascimento de Jesus, na apresentação ao templo: Simeão, conduzido pelo Espírito, recebe a promessa de que não morreria sem antes ver o Messias (Lc 2,25-27).

Essas referências ao Espírito são fundamentais para a construção do ministério de Jesus e para o entendimento do Evangelho segundo Lucas, destacando a centralidade da ação do Espírito na missão divina. Essas são: 1,15.35.41.42.67; 2,25.26.27; 3,16.22; 4,1.14.18; 10,21; 11,13; 12,10.12; 23,46; 24,49.

A missão de Jesus se realiza por ação do Espírito. A Boa Nova se concretiza, como se constata, na declaração de Jesus na sinagoga de Nazaré, ao ler o texto do profeta Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu; e enviou-me para anunciar a Boa-Nova aos pobres, para sarar os contritos de coração, para anunciar aos cativos a redenção, aos cegos a restauração da vista, para pôr em liberdade os cativos, para publicar o ano da graça do Senhor” (Lc 4,18-19).

É significativo observar que a ação do Espírito Santo se manifesta de maneira especial entre os marginalizados e excluídos naquele contexto. Essa presença do Espírito junto aos excluídos é plenamente compreendida à luz dos “pobres de Javé”, “ou seja, os pobres de Deus”. aqueles a quem Deus escolhe para ser instrumentos de Seu projeto de amor. Esse é também o perfil daqueles a quem Jesus se dirige: os pobres, para quem Ele traz a boa nova do Reino de Deus. Essa missão, voltada especialmente para os pobres, os cativos e os marginalizados não pode ser ignorada.

Dessa forma, no Evangelho de Lucas, a ação do Espírito Santo tem um papel essencial na preparação da vinda de Jesus e sua missão. Diversas pessoas, ao longo da narrativa, proclamam, profetizam e louvam, sempre movidas por essa força divina.

No livro dos Atos, o Espírito Santo novamente é quem impulsionará os discípulos e a comunidade a prosseguir com a missão de difundir a Boa Nova do Reino. O Espírito Santo é mencionado cerca de cinquenta e seis vezes no livro de Atos dos Apóstolos. Ele desempenha um papel central na formação e expansão da Igreja Primitiva, guiando os apóstolos, concedendo dons espirituais e confirmando a pregação com sinais e milagres.

A ação do Espírito Santo é presente como força vivificadora. Permitir que o Espírito aja é colocar-se à disposição e assumir o compromisso de servir ao Reino de Deus.

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