A missão da Igreja Católica é, desde os primeiros seguidores de Jesus, um movimento contínuo de saída: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15). Esse mandato de Jesus não é apenas um chamado para os primeiros discípulos, mas ecoa até hoje no coração de cada batizado. A Igreja, por sua própria natureza, é missionária e essa missão não se limita aos grandes deslocamentos geográficos, mas se realiza de modo profundo no cotidiano, nas periferias humanas, nas famílias e nos corações de todos os que se colocam a serviço do Evangelho.
Em diferentes contextos temos testemunhos de pessoas que, embora vivendo de modos distintos a vocações, lugares e histórias, compartilham o mesmo ardor: anunciar a Palavra de Deus. Uma religiosa, um sacerdote missionário e um jovem voluntário revelam como vivem o espírito missionário da Igreja em suas realidades.
A MÍSTICA DO ENCONTRO: A MISSÃO NO SEIO DO POVO
Irmã Ilanyr Felipe Costa, natural de Capistrano (CE), pertence à Congregação das Filhas de São Paulo, conhecidas como irmãs paulinas, cuja vocação é anunciar Jesus Cristo por meio da comunicação. Com formação sólida em Teologia e Comunicação, ela sintetiza o ser missionário como um “constante sair de si”. Desde seu primeiro envio à Amazônia, ela compreendeu que evangelizar é mergulhar na realidade do povo, sentir suas dores, alegrar-se com suas vitórias e partilhar esperanças.
“Recordo com muito amor que a primeira comunidade enviada após fazer meus primeiros votos religiosos foi Porto Velho (RO)”, afirma. Ali, entre visitas a presídios, universidades, comunidades ribeirinhas e atuação na Livraria Paulinas, Irmã Ilanyr foi marcando sua trajetória missionária. Um episódio de forte impacto foi quando contraiu dengue e malária durante uma missão: “Ser missionário exige ser com o povo e nesse sentir corremos o risco de sofrer também suas dores físicas”.
A missão não é apenas geográfica. Para Irmã Ilanyr, viver a missão é um dinamismo constante, inclusive nos meios digitais. Quando assumiu a tarefa de criar cursos de educação a distância (EAD) para catequistas, ela viu ali uma nova forma de tornar presente o Evangelho: “A dinâmica muda 100%, mas eu procurava tornar aquele curso uma ‘educação sem distância’”.
Sua vocação também a levou para uma missão mais silenciosa, porém, profunda: o cuidado com a família. Durante o adoecimento e falecimento de seu pai, ela viveu o que chama de “Igreja doméstica”, onde o amor cristão é encarnado no cuidado diário: “Foi uma missão que me fez compreender o que os primeiros cristãos viveram em suas casas”.
Mais recentemente, Irmã Ilanyr foi enviada para Portugal. Ainda se adaptando à nova cultura, ela expressa a vulnerabilidade que a missão impõe: “A sensação que tenho é de que tudo que eu sabia, já não sei mais. É um novo sair de si, com novos desafios. Se puderem, rezem por mim”.
Com profunda espiritualidade e inspiração no apóstolo Paulo, ela conclui com uma frase de seu fundador, o Bem-aventurado Tiago Alberione: “O apóstolo é aquele que tem Deus em seu coração e o irradia ao redor de si”.
ARSENAL DE ESPERANÇA: A MISSÃO DE ACOLHER O MUNDO DENTRO DE SI
Turim, Itália. Uma antiga fábrica de armas é transformada em espaço de paz. Esse é o berço da vocação missionária do Padre Simone Bernardi, sacerdote da Comunidade Serviço Missionário Jovens (SERMIG) – Fraternidade da Esperança. Desde 2005, ele está no Brasil, onde atua no Arsenal da Esperança, em São Paulo (SP), casa que acolhe diariamente mais de 1.200 homens em situação de rua.
Para Padre Simone missão é acolher o mundo dentro de si: “Não é atravessar o mundo, mas deixar que ele entre em nossos corações. Essa foi minha academia para a missão”.
O trabalho é exigente, o contato com o sofrimento humano é constante: “Cada um que chega aqui tem um mundo dentro de si. A maioria das pessoas divide o mundo entre preto e branco, mas o desafio do missionário é não parar de amar a realidade, mesmo quando ela é dura, injusta, caótica”.
Sua vida não é marcada apenas por números, mas por nomes, rostos e histórias. Com emoção, conta sobre Luciano, um ex-acolhido no Arsenal que voltou para agradecer: “Não é algo que acontece sempre e nem precisa acontecer, mas, quando acontece é como uma carícia de Deus, um sinal de que vale a pena continuar”.
Padre Simone também carrega consigo as histórias e referências de missionários que o inspiraram, desde senhoras que vendiam bolos para ajudar missões até Ana Helena Tonelli, que escondia uma hóstia consagrada em terras muçulmanas: “O coração missionário não depende da distância que percorremos, mas da capacidade de amar onde estamos”.
Na espiritualidade do missionário, ele sublinha a importância da presença: “Não é passar o dia de joelhos, mas viver diante do Senhor. Cada encontro com o outro é um lugar de revelação divina”.
JUVENTUDE EM AÇÃO: O DESPERTAR DE UMA VOCAÇÃO NO VOLUNTARIADO
Com apenas 17 anos, Enrico Colarullo Couto já compreende o valor do serviço e da solidariedade. Convidado por um colega de escola, começou a frequentar o Arsenal da Esperança, participando de atividades como teatro e escuta ativa com os acolhidos.
“Eu sempre gostei muito de voluntariado. Ser ajudado é muito bom, mas ajudar é melhor”, diz com simplicidade e maturidade. Ainda em idade escolar, Enrico percebeu a potência do encontro: “Só a nossa presença já faz diferença”.
Apesar dos desafios, como o trajeto longo até o local da missão, Enrico continua firme. Inspirado por histórias como a de um jovem palestino que atravessou o oceano em busca de paz, ele compreende o que é resiliência e coragem: “Essa história me motiva a continuar. Vejo que a fé nas pessoas é algo transformador”.
Mesmo não se identificando com uma religião específica, ele reconhece a espiritualidade que permeia o serviço: “Tenho fé na humanidade. Mesmo diante de tanta dor, acredito no bem”.
A vocação missionária de Enrico tem raízes profundas. Desde pequeno, sua família o ensinou a partilhar: “Com 7 anos, íamos ajudar pessoas em situação de rua no inverno. Fazíamos comida, comprávamos cobertores, mas o mais importante era conversar com as pessoas. Hoje, vejo quanto isso era valioso”.
A história de Enrico revela que o coração missionário pode florescer cedo e que a juventude, quando bem orientada, é uma força poderosa para a evangelização.
MISSÃO: UMA IGREJA EM SAÍDA, UMA FÉ QUE SE TORNA PRESENÇA
Nos testemunhos de Irmã Ilanyr, Padre Simone e Enrico fica evidente que a missão é uma experiência multifacetada: pode ser vivida nos confins da Amazônia, no centro urbano de São Paulo ou no coração de um jovem estudante, mas, em todos os casos, a essência é a mesma: responder ao chamado de Jesus com generosidade, coragem e amor.
O Papa Francisco sempre insistiu na necessidade de uma “Igreja em saída”, que não se acomoda, mas se arrisca. Uma Igreja que ultrapassa os muros do templo e vai ao encontro das dores do mundo. Essa missão não é privilégio de religiosos ou clérigos; os leigos, sobretudo, têm um papel insubstituível. A presença, o exemplo, a escuta e a ação concreta são formas reais de evangelização.
A vocação missionária se revela, assim, como um sopro do Espírito que impele cada cristão a sair de si, a viver a fé em forma de serviço e a anunciar a Boa-Nova com palavras, gestos e escolhas onde quer que se encontrem.
“A missão é o oxigênio da vida cristã, que sem ela adoece e murcha”, disse o Papa Francisco na manhã de 11 de maio de 2023, quando recebeu membros da Conferência dos Institutos Missionários da Itália (CIMI) e os exortou a não deixar de alimentar sua vida e seu apostolado com a Palavra de Deus, a Eucaristia e a oração.