O Evangelho de Lucas destaca, com singular profundidade, a presença atuante do Espírito Santo e a centralidade da oração na vida e missão de Jesus. Em relação com os demais evangelhos, esses dois elementos ganham em Lucas maior evidência, revelando que todo o percurso de Jesus, da concepção virginal até a entrega final na cruz, está enraizado na comunhão com o Pai e guiado pelo Espírito. Para Lucas, tanto a oração quanto o Espírito são dimensões constitutivas da identidade messiânica de Jesus e, por extensão, da vocação dos que se põem a segui-lo no caminho do Reino.
Logo nos primeiros capítulos, o Espírito Santo aparece como protagonista da encarnação. Ao anunciar a Maria que ela conceberá o Salvador, o anjo declara: “O Espírito Santo descerá sobre ti” (Lc 1,35), evocando a imagem do Espírito que pairava sobre as águas no Gênesis. Trata-se de uma nova criação em Cristo, iniciada pela ação direta do Espírito. A vida de Jesus será inteiramente conduzida por essa presença divina.
No Batismo, o Espírito desce sobre Jesus “em forma corpórea, como uma pomba” (Lc 3,22). A voz do Pai confirma sua filiação: “Tu és o meu Filho amado”. A partir daí, Lucas mostra que Jesus “cheio do Espírito Santo, foi conduzido ao deserto” (Lc 4,1), onde enfrentou provações antes de iniciar sua missão. Após vencer as tentações, ele retornou “cheio da força do Espírito” (Lc 4,14) e na sinagoga de Nazaré proclamou a profecia de Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu” (Lc 4,18-19). Assim, Jesus assumiu sua missão em favor dos pobres, oprimidos, cegos e cativos, revelando que é pelo Espírito que sua ação é movida.
Paralelamente, Lucas apresenta Jesus como homem de oração. Em todos os momentos cruciais, Jesus ora. É Lucas quem mais destaca esse aspecto. No Batismo (cf. Lc 3,21), na escolha dos apóstolos (cf. Lc 6,12), na transfiguração (cf. Lc 9,28), Jesus está em oração. Inclusive, o ensinamento do Pai-Nosso nasce desse caminhar orante: “Senhor, ensina-nos a orar” (Lc 11,1). Jesus reza antes, durante e depois das ações, mostrando que a oração é expressão viva de sua comunhão com o Pai.
À medida que se aproximam os últimos instantes da vida de Jesus, a oração se intensifica, adquire um tom ainda mais profundo. No Getsêmani, Ele se dirige ao Pai com palavras de entrega e obediência: “Pai, se queres, afasta de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, mas a tua” (Lc 22,42). Trata-se de uma súplica nascida do sofrimento, mas atravessada pela fidelidade. Já na cruz, sua vida se encerra também em forma de oração: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46). A comunhão com o Pai permanece até o fim. Em meio a esse drama, sua intercessão pelos outros não cessa: a Simão Pedro, Jesus diz com ternura: “Eu roguei por ti, para que tua fé não desfaleça” (Lc 22,32). A oração, assim, revela-se como expressão suprema de amor, cuidado e confiança, sustentando o Filho até o último respiro.
Em Lucas, a oração não aparece como um gesto isolado ou eventual, mas como parte constitutiva da vida de Jesus. Trata-se de uma prática que manifesta escuta atenta, busca de discernimento e entrega confiante à vontade do Pai. Para os discípulos, rezar não significa cumprir um preceito, mas trilhar um caminho de fidelidade e abertura ao mistério de Deus. A oração ilumina as decisões, sustenta nos momentos de provação e dispõe o coração à ação do Espírito, que conduz e fortalece aqueles que se põem a caminho, desejosos de seguir o Senhor com verdade e inteireza.
O Evangelho de Lucas nos convida, assim, a sermos discípulos e discípulas orantes, atentos ao Espírito, vivendo uma espiritualidade que une intimidade com Deus e compromisso com os irmãos e irmãs, sobretudo os mais necessitados.
Referências
FABRIS, Rinaldo; MAGGIONI, Bruno. Evangelho de Lucas. São Paulo: Paulus, 1992.
HAHN, Scott. O Evangelho de Lucas. São Paulo: Edições Loyola, 2018.
KASPER, Walter. Jesus, o Cristo. São Paulo: Paulinas, 1983.