O Evangelho de Lucas apresenta-se como aquele que mais concede espaço e protagonismo às mulheres na vida e na missão de Jesus. Desde os primeiros capítulos, observa-se uma valorização singular da presença feminina, não apenas como figuras secundárias, mas como discípulas e testemunhas privilegiadas da Boa-Nova. Esse traço particular reflete a intenção do evangelista de destacar a universalidade da salvação e a inclusão dos marginalizados, entre os quais as mulheres ocupam lugar central.
Já no início da narrativa, duas mulheres desempenham papel fundamental: Maria e Isabel. Maria é saudada como a cheia de graça (cf. Lc 1,28), modelo de fé e disponibilidade ao plano divino. Seu cântico, o Magnificat (cf. Lc 1,46-55), expressa a inversão das estruturas sociais e anuncia a justiça do Reino, elevando os humildes e derrubando os poderosos. Isabel, por sua vez, é retratada como mulher justa e repleta do Espírito Santo (cf. Lc 1,41), reconhecendo em Maria a mãe do Senhor. Ambas inauguram o protagonismo feminino no processo da encarnação e da promessa messiânica.
Outro exemplo é Ana, a profetisa (cf. Lc 2,36-38), viúva idosa que reconhece no Menino Jesus o cumprimento da esperança de Israel e anuncia sua chegada a todos os que esperavam a redenção. A presença de Ana, ao lado de Simeão, ilustra a complementaridade entre homens e mulheres no testemunho da fé.
Lucas apresenta também figuras anônimas que evidenciam a compaixão de Jesus. A viúva de Naim (cf. Lc 7,11-17) recebe dele a misericórdia ao ver restituído à vida o seu único filho. Esse gesto revela a profunda sensibilidade de Jesus diante da condição de fragilidade da mulher na sociedade patriarcal, na qual a perda do marido ou dos filhos significava abandono e miséria.
No caminho de Jesus, encontram-se ainda mulheres discípulas que o acompanham de perto: “Maria Madalena, Joana, mulher de Cuza, administrador de Herodes e Susana, e muitas outras que os ajudavam com seus bens” (Lc 8,1-3). Esse trecho é notável por situar as mulheres entre os discípulos, em contraste com as estruturas sociais da época. Maria Madalena, em particular, será apresentada no fim do Evangelho como a primeira testemunha da ressurreição (cf. Lc 24,1-10), título de grande relevância, pois na cultura judaica o testemunho feminino não era juridicamente reconhecido.
Na narrativa de Lucas, destacam-se igualmente as irmãs Marta e Maria (cf. Lc 10,38-42). Marta representa a dedicação do serviço hospitaleiro, enquanto Maria é apresentada aos pés de Jesus, em atitude de escuta e discipulado. Ao tomar a defesa de Maria, o Mestre legitima a presença da mulher no espaço do discipulado e da escuta da Palavra, rompendo as barreiras culturais vigentes em sua época.
Assim, Lucas articula uma teologia inclusiva, em que as mulheres não são apenas beneficiárias da ação de Jesus, mas participantes ativas de sua missão. Como observa Brown (1999), a opção do evangelista por enfatizar essas personagens revela uma “dimensão universal do Evangelho, na qual os que eram considerados socialmente frágeis tornam-se portadores da revelação”. Bovon (2002) acrescenta que a figura feminina em Lucas funciona como “espelho da comunidade cristã nascente, chamada a viver a fé na escuta, no serviço e no testemunho”.
O Evangelho de Lucas apresenta as mulheres como presenças discretas, mas decisivas, na história da salvação. Elas acompanham Jesus desde o anúncio do Messias até a ressurreição, indicando que a mensagem do Reino de Deus irrompe barreiras culturais e sociais. Essa ênfase de Lucas constitui um convite permanente para o reconhecimento e valorização da missão das mulheres na vida comunitária e na evangelização.