Maria Aparecida (nome fictício, pois a entrevistada preferiu não se identificar) saiu da casa dos pais há três anos. Desde então, passa o Natal com seu filho pequeno que tem apenas 2 anos de idade.
“Não foi uma decisão minha. Eu fiquei grávida e meus pais não permitiram que continuasse morando com eles. Eu tinha 16 anos. Até que meu filho nasceu fiquei na casa de amigos, mas, depois, decidi sair da cidade. Desde então, minha vida é trabalho e casa. Não tenho apoio de ninguém e, por isso, prefiro passar o Natal com meu filho. Até porque eu teria que voltar para a minha cidade para ter companhia dos amigos”, disse.
A situação de Maria Aparecida é a mesma de muitas pessoas que, por diferentes motivos, não podem ou não conseguem passar o Natal junto à família ou aos amigos. Seja por opção própria, distância, casos de hospitalização ou mesmo a perda de um ente querido, a sensação de abandono ou solidão pode ser mais intensa em períodos festivos como o Natal.
“O primeiro Natal que passamos, só meu filho e eu, foi muito difícil. Eu o coloquei para dormir. Fiz comida para mim e resolvi que ia esperar meia-noite para comer. Estava muito cansada. Chorei muito, até soluçar e acabei dormindo sem comer. Depois fiquei pensando que é uma bênção ter saúde para cuidar dele, que é uma criança maravilhosa. No Natal passado já foi diferente. Fiz a comida dele e a minha, comemos, brinquei com ele e fomos dormir. Esse ano quero preparar uma ceia completa para nós dois com tudo o que a gente gosta”, contou Maria Aparecida.
Mesmo tendo aprendido a lidar com o sentimento de abandono, dos familiares e do ex-companheiro, pai da criança, Maria Aparecida diz que não é fácil e que, muitas vezes, tem recaídas: “Por mais que eu não esteja sozinha, pois a companhia do meu filho é maravilhosa, sinto sim falta de conversar com um adulto, rir, tomar alguma coisa. Não dá para dizer que é fácil. A gente aprende a lidar e agradece pelas coisas boas, mas, mesmo assim, continua sendo muito difícil. Eu choro muitas vezes, mas, no Natal, parece que ficamos ainda mais sensíveis”.
SOLIDÃO: ESPAÇO DO ENCONTRO CONSIGO MESMO E COM DEUS
Ao longo da história da Igreja, santos e filósofos como Santo Agostinho, desenvolveram reflexões muito interessantes sobre a solidão e como lidar com ela. Agostinho recorda que a solidão não é, em primeiro lugar, um problema externo, mas um estado do coração. Ele via a vida interior como um espaço onde a pessoa pode se encontrar consigo mesma e, sobretudo, com Deus. Em suas obras, Agostinho descreve como buscou, durante anos, respostas fora de si, em situações de prazer, reconhecimento dos outros e filosofias até perceber que a verdadeira paz nasce do diálogo silencioso com Deus. É famosa sua frase “Fizeste-nos para ti e inquieto está nosso coração, enquanto não repousa em ti”.
Kierkegaard, filósofo, teólogo e escritor dinamarquês, também enxergou a solidão como parte da existência humana. Ele dizia que cada pessoa é chamada a fazer escolhas únicas que ninguém pode tomar em seu lugar. Esse “ser lançado diante de si mesmo” muitas vezes causa angústia, mas é justamente nesse ponto que, segundo ele, a fé se torna decisiva.
O teólogo defendia que a relação com Deus é pessoal e direta e que é na solidão, quando caem as máscaras sociais, que o indivíduo pode assumir sua verdade e dar o “salto” da confiança.
Tanto Santo Agostinho quanto Kierkegaard lembram que a solidão é parte do caminho humano.
QUANDO OS FIlHOS NÃO ESTÃO
Lourença Fernandes e Luiz de Sousa moram no interior de Minas Gerais. Pais de três filhos e avós de oito netos, eles contaram à reportagem que já passaram muitos natais sozinhos.
“Não é totalmente sozinho, né, porque fazemos companhia um ao outro e isso é muito bonito, mas, para quem já teve a casa cheia de filhos, netos e outros familiares, não é fácil passar o Natal como casal”, explicou Lourença.
Com os filhos morando todos em outras cidades e sendo membros de uma família não muito numerosa, o casal, com ambos por volta de 70 anos de idade, explica que “Às vezes bate a tristeza, sim, mas sabemos que se pudessem nossos filhos estariam sempre aqui”.
Luiz disse que sabe perfeitamente que nem sempre é fácil e possível deslocar a família nessas datas. “Eles trabalham, estudam, têm os gastos da viagem. O que percebemos é que eles sempre vêm nos visitar, sempre que podem, mas nem todo Natal é possível”, explicou.
“O mais importante é a gente ter a certeza do amor que existe entre nós. Isso é o que nos deixa felizes, mesmo quando estamos longe”, continuou Lourença.
A PROXIMIDADE DE DEUS NO PRESÉPIO
Em sua homilia na Missa da Noite de Natal de 2022, o Papa Francisco falou sobre a manjedoura e mencionou os termos “proximidade, pobreza e concretude” para descrever o significado do presépio. O Papa Francisco ressaltou que “O Menino Jesus é colocado em uma manjedoura, lugar humilde e até rejeitado, o que simboliza a disposição de Deus de se fazer próximo das realidades mais duras da vida humana”.
Para o Papa, esse gesto divino é particularmente consolador para quem vive a solidão na época natalina: “Cada um pode tomar ânimo na proximidade de Deus ao nosso sofrimento e à nossa solidão”, disse à época.
Em outras mensagens de Natal, o Papa Francisco insistia sobre a importância de não esquecer os pobres, os marginalizados e aqueles que, mesmo em meio a celebrações, podem sentir-se invisíveis.
Para ele, o Natal perde parte de seu sentido se for celebrado sem a presença daqueles que experimentam a exclusão social ou a dor da solidão. A “nua beleza da gruta de Belém”, nas palavras do Papa, exige de nós não apenas contemplação, mas ação caridosa: assistência, presença, abraço concreto para os que sofrem.
A TEOLOGIA DA SOLIDÃO HUMANA SEGUNDO JOÃO PAULO II
O Papa João Paulo II, por sua vez, refletiu sobre a solidão no âmbito antropológico e teológico. Em uma audiência-geral de 1979, ele falou da “solidão original”: a condição humana de estar sozinho, não apenas fisicamente, mas como “pessoa” que reflete a capacidade de autoconhecimento e de relação exclusiva com Deus.
No texto Teologia do corpo, João Paulo II descreveu a solidão como uma das três “experiências originais” do ser humano, junto com a comunhão e a nudez, uma estrutura profunda da existência humana criada por Deus.
No Natal, esse ensinamento ganha força simbólica: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós”, como está escrito no Evangelho de João 1,14, “é aquele que veio para preencher, de modo perfeito, o vazio humano, oferecendo uma comunhão profunda com Deus e com os outros”.
E AS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA?
As pessoas em situação de rua, muitas vezes, são as que mais sofrem com a solidão durante o Natal. Além de não ter companhia, elas, muitas vezes, não têm onde ficar e nem mesmo algo para comer, por isso, muitas pessoas e comunidades realizam atividades direcionadas para essas pessoas na noite de Natal.
A Aliança de Misericórdia organiza o evento “Natal dos Pobres” em São Paulo (SP), no qual as comunidades católicas fazem uma ceia natalina para pessoas em situação de rua.
Em 2024, cerca de 1.200 pessoas vulneráveis foram servidas na Praça Júlio Prestes, com mesas montadas, decoração natalina e atendimento solidário. A programação incluiu Missa presidida pelo cardeal Dom Odilo Scherer, além de acolhimento, evangelização e outras formas de assistência. A Aliança também incentiva voluntários a participarem por meio de doações ou ajudando diretamente no evento.