A veneração de relíquias na Igreja nasceu com o cristianismo. Elas são testemunhas silenciosas de eventos que culminam no próprio fato da Encarnação de Deus, Jesus Cristo. Se isso é real, podemos tocar a materialidade que envolve esse mistério. As relíquias não são objetos da nossa fé, nunca serão dogmatizadas, mas são testemunhas dos dogmas. As verdades cristãs não tocam apenas realidades abstratas, mas também o mundo material e concreto. As relíquias envolvem matéria, tempo e espaço, locais onde os eventos ocorreram. À medida que nos aproximamos do Natal, queremos apresentar algumas dessas relíquias insignes.
O presépio de Jesus em Belém era conhecido pelos cristãos do século III, como testemunha Orígenes, falecido em 250, em Contra Celsum 1.31. A partir do século VII, restaram apenas fragmentos, dos quais os mais notáveis são os conservados na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma.
Em 1982, o então cardeal Ratzinger, ao pregar a Quaresma para a Cúria Romana, lembrou que, ao longo dos séculos, Roma acabou recebendo, como testemunha do centro da Cristandade e da peregrinação, uma espécie de “Terra Santa”, com sua Belém e sua Jerusalém, onde os lugares eram validados por importantes relíquias ligadas às referências originais. Já na destruição do Templo de Jerusalém, os despojos de guerra foram trazidos para Roma. Peças importantes do Templo encontram-se em diversas igrejas da cidade.
A Basílica de Santa Maria Maior – que já foi chamada também de Santa Maria do Presépio – conserva entre suas relíquias a da manjedoura. A Basílica de Santa Maria Maggiore, uma das quatro basílicas papais de Roma, cuja construção, segundo a tradição, foi inspirada pela própria Virgem em um sonho do papa Libério e do patrício João, guarda um grande tesouro de valor espiritual incalculável, especialmente venerado no tempo do Natal por fiéis romanos e peregrinos.
Desde o pontificado de Teodoro I (642–649), natural de Jerusalém, o bispo São Sofrônio ofereceu à basílica as tábuas da manjedoura, que possuía no interior um comedouro de barro cozido. As relíquias atuais consistem em cinco tábuas de madeira de sicômoro (ficus sycomorus), parte da manjedoura onde repousou Jesus. Elas são conservadas em um relicário de cristal de rocha, projetado por Giuseppe Valadier (1802), em forma de berço. De cada lado do Menino Jesus esculpido por Valadier há duas flores que guardam outras relíquias do nascimento.
Uma delas é o panniculum, um pequeno pedaço de pano do tamanho de uma mão. Segundo a tradição, trata-se de um fragmento do linho com que Maria envolveu o Menino Jesus. Na outra flor, guarda-se uma palha sobre a qual o Menino foi colocado na manjedoura. Em 2018, após o papa Francisco enviar parte da relíquia à Terra Santa, diversos estudos confirmaram que a madeira provém de Belém e é da época em que Jesus nasceu.
Antes dessas relíquias, no ano de 432, o papa Sisto III decidiu construir um espaço especial dentro da primitiva basílica de Santa Maria Maior para abrigar uma réplica da Gruta da Natividade. Essa réplica foi destruída por reformas e outros acontecimentos. Hoje existe o altar da confissão e, em sua cripta, encontra-se a capela que guarda as relíquias sob o altar papal.
Nessa basílica era celebrada a Missa papal de Natal, quando as relíquias eram levadas em procissão dentro da igreja para a veneração dos fiéis. Por causa da fragilidade do relicário, o costume foi abandonado. A basílica também possui a imagem de Nossa Senhora Salus Populi Romani, que, segundo a tradição, teria sido pintada por São Lucas sobre uma mesa que serviu a Jesus.
A manjedoura e a mesa possuem um profundo significado simbólico: são objetos usados para refeições, uma destinada aos animais e outra aos seres humanos. Jesus foi colocado na manjedoura para anunciar que seria o nosso alimento. Assim, simbolicamente, nossos altares tornam-se manjedouras onde os fiéis se alimentam do Filho de Deus. Como diz o profeta Isaías: “O boi conhece o seu possuidor, e o jumento, a manjedoura de seu dono; mas Israel não conhece, e o meu povo não entende” (Is 1,3).
Que o testemunho dessas relíquias nos conduza a Belém – que em hebraico significa “Casa do Pão”, em árabe “Casa da Carne” e, na linguagem de um místico da Igreja, “Casa da União” – pois no pão temos a carne de Deus. Ao nos alimentarmos desse pão celeste, realizamos a Comunhão, a Santa União. Isso é o Natal.