A oração sempre ocupou lugar central na vida cristã, não apenas como devoção, mas como fonte que sustenta e inspira todas as escolhas e ações do discípulo. Desde os antigos mestres espirituais, passando pela experiência de Santo Afonso de Ligório, aprendemos que rezar é reconhecer que “sem mim nada podeis fazer” e pedir o dom do Espírito para viver segundo o Evangelho. São Francisco de Assis é testemunha luminosa dessa verdade: sua profunda vida de oração, feita de silêncio, louvor, escuta e entrega, tornou-se ação concreta, serviço humilde, cuidado dos pequenos e reconstrução da vida dos que sofrem. Por isso, a oração cristã não permanece apenas na interioridade; ela abre o coração, purifica a intenção e conduz ao compromisso real com o Reino de Deus.
Orar é elevar a mente e o coração a Deus, confiando inteiramente na sua graça. Não se trata de um gesto isolado de devoção, mas da fonte que orienta toda ação cristã. Desde os antigos mestres, como Hugo de São Vítor, e conforme a tradição bíblica do Livro da Sabedoria, entende-se que a oração é o caminho pelo qual se recebe a sabedoria e o Espírito: “Invoquei o Senhor, e veio a mim o espírito da sabedoria.” Hugo recorda que, sem o auxílio divino, a iniciativa humana é insuficiente. A oração, portanto, é o acesso à filiação divina e nos torna capazes de pedir e viver o dom do Espírito. Santo Afonso reforça essa verdade a partir do mandato de Cristo: “Sem mim nada podeis fazer”. A oração não é um adorno religioso, mas a respiração da vida cristã. Quem reza com sinceridade e constância pede, antes de tudo, o dom do Espírito, e desse encontro nascem a fé, a esperança e a caridade autênticas.
A oração genuína, porém, não se limita ao interior: ela transforma e encaminha para o serviço. Enzo Bianchi e a tradição litúrgica lembram que a liturgia é “parusia antecipada”, sinal do Reino que já vem ao encontro do povo. O ministro, o celebrante e todo cristão só podem comunicar aquilo que carregam no coração: “Se você não estiver evangelizado, não poderá evangelizar; se a Palavra não mora em você, não poderá comunicá-la à assembleia.” São Carlos Borromeu aconselhava os ministros: “Se você administra os sacramentos, medite no que está fazendo. Se celebra a missa, medite no que está oferecendo. Se recita os salmos, medite a quem e do que está falando.” A regra é clara: a liturgia molda o coração para a caridade; a oração prepara e orienta a ação sacramental e pastoral. Orar e celebrar é preparar-se para servir e levar à vida aquilo que a Palavra e os sacramentos suscitam.
A vida de São Francisco de Assis ilumina essa união inseparável entre contemplação e serviço. Seu Cântico das Criaturas, sua oração diante do crucifixo e sua intimidade com Deus revelam uma espiritualidade que transforma tudo em compaixão e prática solidária. Na prece diante do crucifixo — “Altíssimo, glorioso Deus, ilumina as trevas do meu coração. Dá-me fé reta, esperança certa e caridade perfeita. Dá-me, Senhor, senso e discernimento para que eu cumpra o teu santo e verdadeiro mandamento” — Francisco mostra a prioridade da vida cristã: pedir a graça para viver o Evangelho. Ele viu a criação como “um grande coro de onde brota contínua oração” e fez da atenção aos pobres a consequência necessária dessa experiência contemplativa. Para ele, a oração que não gera partilha não é conforme ao Evangelho: a verdadeira espiritualidade conduz ao encontro dos pequenos, ao cuidado dos leprosos, à partilha do alimento, à presença junto aos marginalizados. A caridade é o fruto visível da alma que reza.
Praticar a fé significa, portanto, transformar a contemplação em gestos cotidianos: cultivar a Palavra, estudá-la, meditá-la, deixá-la moldar o coração; buscar a reconciliação com Deus e com os irmãos; ajudar os necessitados com partilha e presença; oferecer escuta; promover a comunhão. A Eucaristia, centro da vida cristã, recorda esse movimento: alimentar-se do Corpo do Senhor é assumir a responsabilidade de levar alimento e dignidade aos famintos. A espiritualidade franciscana sublinha que solidariedade é prática de amor: viver a destinação universal dos bens, a fraternidade e a partilha como escolhas diárias. “O que eu tenho, eu dou” resume a decisão de não viver para si, mas para quem precisa.
Há, portanto, um caminho claro: a oração nos dá o Espírito; o Espírito fecunda a fé; a fé se traduz em obras de amor. Tal percurso exige humildade — ser sinal pobre de Cristo — e coerência litúrgica: a celebração não é espetáculo, mas gesto formativo que converte. Quem preside, canta ou reza os ofícios deve fazê-lo com atenção e reverência, consciente de que a liturgia possui força evangelizadora quando é vivida em adoração. Ao mesmo tempo, a prática cristã é profética: uma espiritualidade que não promove transformação social nem se compromete com a justiça permanece mutilada. A fé que salva é a que humaniza, denuncia injustiças, reconstrói e liberta.
Concluímos com o mesmo espírito de Francisco, que inspirou gerações: oração e ação são duas faces da mesma vocação. Como escreveu o Poverello pouco antes de morrer: “Irmãos, até agora pouco ou nada fizemos; vamos recomeçar!” Recomeçar na oração, que desarma o ego e prepara o coração; recomeçar na caridade, que torna crível a Palavra de Deus. Orar e praticar é viver a fé como caminho de amor — nas pequenas ações, nas decisões corajosas, na partilha cotidiana — até que o mundo reconheça, em nós, o rosto misericordioso de Deus.
Paz e Bem!