“Muito frequentemente me vem à mente percorrer as universidades da Europa, especialmente a de Paris, e pôr-me a gritar aqui e acolá como um doido e sacudir aqueles que têm mais ciência que amor. (…) Na verdade, muitíssimos deles, entregando-se à meditação das coisas divinas, dispor-se-iam a escutar tudo o que o Senhor diz a seus corações e, colocadas de lado suas ambições e os afazeres humanos, colocar-se-iam totalmente à disposição da vontade de Deus. Gritariam certamente do profundo de seus corações: ‘Senhor, eis-me aqui, que queres que eu faça? Manda-me para onde queiras, até mesmo para as Índias’”: com estas abrasadoras palavras, Francisco Xavier, o missionário mais audacioso de todos os tempos, procurava sacudir o torpor da Europa para que fossem enviados ao Oriente não mais cobiçosos comerciantes em busca de riquezas, mas generosos apóstolos da Boa-Nova. Ele tinha os olhos presos, sobretudo, na Sorbonne, onde se iniciaria sua extraordinária aventura.
Quando Inácio de Loyola entrou no colégio de Santa Bárbara em Paris, foi-lhe destinado um quarto para compartilhar com Pedro Fabro, sabendo que este seria um excelente companheiro para sua missão. Com Francisco Xavier, navarrês, eram jovens cheios de vida e ricos de engenho. Inácio, de idade muito mais avançada e mais acanhado no comportamento, pensou logo em incendiar os outros com aquele amor que Deus havia acendido nele em Manresa. Aguardava só o momento oportuno. Com Fabro, de coração simples e aberto, foi muito fácil; não o foi, entretanto, com o nobre navarrês.
Ele havia nascido em 1506 no castelo dos Xavier, em Navarra, e seus irmãos tinham combatido no assédio de Pamplona contra Inácio e, mesmo que num primeiro momento tenham saboreado a alegria da vitória, tiveram de sofrer depois o castigo do imperador. Aventuras tristes, mas já passadas, que no jovem Francisco não haviam deixado nenhum trauma.
UM NAVARRÊS TEIMOSO
O seu sonho, por outra parte, não eram as armas, mas os estudos, para conquistar depois as mais elevadas dignidades. Por esse motivo, assim que conseguiu o título de mestre em Filosofia, preparou, por meio de um notário, um documento com as provas dos seus estudos e de todos os seus títulos nobiliárquicos e o enviou ao imperador Carlos V para a ratificação. Inácio sabia de todas essas andanças, mas em seu coração tinha a certeza de que, cedo ou tarde, aquele teimoso navarrês se renderia: “Um coração tão grande e uma alma tão nobre” – disse-lhe um dia – “não se podem contentar com efêmeros amores terrenos. Sua ambição deve ser a glória que dura para a eternidade”.
A presença discreta e constante de Inácio provocava certa estranheza no coração de Francisco, mas ele não queria dá-lo a conhecer. Em vez disso, nem ele mesmo queria saber de tal coisa e, como para esconjurar todo o perigo, divertia-se rindo daqueles que se colocavam sob a orientação espiritual de Inácio. “Ele resistia” – diz o historiador R. García-Villoslada – “como um peixe que salta na água, mas que tem já na boca o anzol”.
De fato, a 15 de agosto de 1534 estava também ele, juntamente com Inácio e os seus primeiros companheiros, em Montmartre para consagrar-se a Deus para sempre, mesmo que não tivesse ainda feito os exercícios espirituais. Daquele dia em diante, deixou-se penetrar até o íntimo pelo carisma do seu pai e mestre. Sob a sua obediência, de Paris dirigiu-se para Veneza, depois para Roma e, finalmente, para o Extremo Oriente. Francisco Xavier tinha iniciado a sua divina aventura, que seria breve, mas particularmente luminosa.
MISSIONÁRIO DE NOVO ESTILO
Antes de partir para a Índia, Inácio, que o amava ternamente, instruiu-o bem sobre o método missionário da nascente Companhia de Jesus. Eis algumas linhas mestras: conhecer e adaptar-se à psicologia e aos costumes dos indígenas, evitando naturalmente os perigos da idolatria e os erros morais; colocar-se a serviço dos nativos com as obras de misericórdia, como hospitais e colégios; escolher entre os seus jovens os mais idôneos para promovê-los não só religiosamente, mas também intelectualmente, de maneira que se pudessem ser, o mais breve possível, sacerdotes e bispos autóctones; finalmente, manter sempre vivos os contatos epistolares com ele, Inácio. Essa última recomendação tinha dois objetivos: manter viva e alimentar a chama do seu carisma e sensibilizar o Ocidente a proporcionar meios e pessoal para as missões.
Francisco entendeu muito bem e tomou a sério o pensamento do seu fundador, como se vê na sua correspondência, recolhida e publicada por Inácio em Roma, em 1545, com o título de Litterae indicae (Cartas índicas).
Xavier partiu de Roma com a nomeação papal de núncio apostólico, mas, para ter acesso ao imenso mundo oriental, tinha a necessidade da permissão e do apoio do rei de Portugal e, por isso, dirigiu-se logo para a corte de João III. Os portugueses já estavam bem estabelecidos em vários pontos ao longo da rota de circunavegação da África e depois em Goa, na Índia, e nos vários países asiáticos até as portas da China e do Japão. Outros missionários já haviam chegado acompanhando as naus portuguesas e haviam batizado indígenas que, de alguma forma, estavam ligados aos novos recém-chegados.
Xavier zarpou de Lisboa a 7 de abril de 1541, dia em que completava 35 anos. A viagem foi longa e tempestuosa, durando cerca de treze meses, enfrentando perigos de todo gênero. Assim que chegou a Goa, apresentou-se ao bispo e, mostrando o breve papal de núncio, disse: “Usarei dos meus privilégios quando e como agrade a vossa senhoria, não mais que isso”. Goa era a diocese mais extensa do mundo, porque começava em Moçambique, na África, e chegava até o Japão: havia lugar para todos. O bispo, por isso, respondeu-lhe com muita liberalidade: “Usai sem reservas todos os poderes que Sua Santidade vos concedeu”.
ViAJANTE INCANSÁVEL
Colocou-se logo ao trabalho com as pessoas do lugar. Como primeira atividade, escreveu um catecismo elementar em português para dar aos catequistas um ponto de referência e, contemporaneamente, entregou-se à pregação e à assistência aos doentes no hospital da cidade e aos leprosos fora da cidade.
Quando se aclimatou ao novo ambiente, deixou Goa e dirigiu-se para a Índia Meridional. Desembarcou em cabo Comorim e seguiu em direção aos paravis, uma população indígena de cerca de 20 mil pessoas, dedicada à pesca de pérolas, e daí o nome de Pescaria dado a essa região que se estendia por cerca de duzentos quilômetros de costa. Eram pobres, viviam em cabanas de terra e palha e também os seus chefes religiosos, os brâmanes, em geral não conheciam a escrita.
Vários paraísos haviam sido batizados pelos capelães que acompanhavam as naus portuguesas, mas, sem nenhuma preparação séria, uma vez que continuavam a viver como pagãos. Francisco, mesmo tendo levado consigo de Goa três paravis cristãos que conheciam bem o português e lhe serviam de intérpretes, quis aprender a língua do lugar para poder ensinar diretamente o Creio, o Pai-Nosso, a Ave-Maria, os Dez Mandamentos e fazer um pequeno discurso de preparação para o Batismo. Queria também ter a possibilidade de dizer as coisas fundamentais do dia a dia. Adaptou-se ao estilo de vida dos indígenas, vestindo-se pobremente e deslocando-se de aldeia em aldeia descalço.
Depois dos paravis foi a vez dos habitantes de Travancor. Também aí o missionário foi bem acolhido pelo povo, mas encontrou dificuldades com os brâmanes, que viam nele um rival e um destruidor do seu sistema religioso tradicional; Francisco, porém, recolheu conversões também entre eles. Em uma das suas cartas a Inácio, ele narra que, depois de ter declamado em um pagode diante dos brâmanes e na sua língua os Dez Mandamentos, deixando uma pausa para reflexão entre um e outro mandamento, “os brâmanes levantaram-se todos de pé e me abraçaram, dizendo que, verdadeiramente, o Deus dos cristãos é o verdadeiro Deus, porque os seus mandamentos são tão conformes com toda a razão natural”.
De Travancor, Francisco passou para a populosa cidade de Cochim e também nela recolheu bons frutos. Sentia-se, porém, de coração apertado pensando nas fervorosas, mas muito jovens, comunidades cristãs que deixava para trás. É verdade que procurava formar catequistas, mas uma tradição cristã que pode assegurar a comunidade não se improvisa em pouco tempo. Sonhava em ir a Paris e repetir aquilo que Inácio havia feito com ele, mas depois entendia que era inútil perder tempo com sonhos. A ele cumpria semear a Boa-Nova, como haviam feito os apóstolos, e confiar em Deus sem renunciar aos apelos aflitos dirigidos diretamente a Inácio.
Enquanto estava em viagem para voltar a estar entre os paravis em cabo Comorim, os ventos arrastaram sua nave para a atual Madras, onde a tradição afirma que foi sepultado o apóstolo Tomé. Depois de se ter recuperado física e espiritualmente à sombra do apóstolo que havia colocado sua mão na chaga de Cristo, Francisco continuou sua aventura de evangelização.
Foi para a península de Malaca e às ilhas Molucas, desenvolvendo um apostolado que teve o sabor do miraculoso. Foram anos de grandes sacrifícios e de grandes consolações, como ele mesmo escreveu a Inácio: “Não me recordo de nunca ter tido tantas e tão contínuas consolações espirituais como nestas ilhas”.
ATÉ O JAPÃO
Em Malaca, teve um encontro providencial com um japonês, Anjiro, à procura do cristianismo. Ele sabia um pouco de português e havia ouvido falar de Francisco e no momento que o tinha diante dos seus olhos não se cansava de fazer perguntas. “Se os japoneses” – escrevia em janeiro de 1548 a Inácio – “forem todos assim tão curiosos por saber como Anjiro, parece-me que seja a gente mais curiosa de todas as terras que foram descobertas”.
Anjiro não se contentava em escutar, mas redigia por escrito na própria língua tudo quanto ouvia para aprofundá-lo e poder contá-lo depois à sua gente. Não era esse para Francisco um sinal evidente de que Deus o chamava a evangelizar o Japão?
Enquanto preparava esse ambicioso projeto, Inácio, de Roma, mandava-lhe reforços. Depois de ter distribuído os novos missionários nos pontos estratégicos de onde podiam seguir e solidificar as novas comunidades cristãs, Francisco partiu com Anjiro e outros dois japoneses que se tornaram, nesse meio tempo, cristãos de volta para o Japão. Anjiro, no Batismo, havia escolhido para si o nome de Paulo de Santa Fé, como auspício da nova missão que estavam para empreender.
Costearam a Indochina e a China e a 15 de agosto de 1549 desembarcaram em Kangoshima, cidade natal de Paulo. Anjiro narrou aos seus parentes e amigos o seu encontro com o cristianismo e uma centena de japoneses pediu que lhe fosse permitido seguir seu exemplo.
No Japão, Francisco, tendo já visto em vários lugares os efeitos negativos de uma fé ligada à potência colonial de Portugal, procurou construir um cristianismo genuíno, baseado na conversão e sem apoios externos. “Durante este ano em que estamos na cidade de Paulo” – escreveu a Inácio – “estamos ocupados em instruir os cristãos, em aprender a língua e em introduzir no idioma falado no Japão muitas coisas da lei de Deus, isto é, aquelas que se referem à criação do mundo, expondo brevemente o que é necessário para saber que existe um Criador de todas as coisas até chegar à encarnação de Cristo, tratando da sua vida, através de todos os mistérios até a ascensão”.
Os missionários não se detiveram em uma só cidade, mas, com a permissão dos respectivos governadores locais, foram se deslocando para outras regiões recolhendo numerosas conversões. Depois de pouco mais de dois anos de intenso trabalho, Francisco deixava no Japão três florescentes comunidades cristãs com 1.500 membros, confiando-as ao seu sucessor, o jesuíta Cosme de Torres.
A ÚLTIMA VIAGEM
Do Japão, Francisco voltou para Goa. Não lhe havia dito Inácio que conservasse sempre vivos os laços com a fonte do carisma? Em Goa, de fato, aguardava-o um maço de cartas e, entre elas, a nomeação da parte de Inácio para provincial de todas as missões do Oriente, com exceção da Etiópia. Depois de ter respondido que aceitava a nomeação e depois de ter colocado em ordem as coisas da província, encorajando os padres e afastando algum que não se comportava segundo as indicações de Inácio, Francisco empreendeu a viagem que deveria coroar seus sonhos de evangelização da China.
Tomou consigo, como tradutor, um chinês que havia estudado durante sete anos no Colégio de São Paulo em Goa e que, no Batismo, havia tomado o nome de Antônio de Santa Fé. Passou por cabo Comorim, onde visitou os padres que cuidavam de uma comunidade florescente com cerca de 40 mil cristãos, depois foi para Malaca e, daí, depois de uma longa e penosa espera, dirigiu-se para a China.
Chegou à ilha de Sancian, diante de Cantão, e não encontrou ninguém que quisesse introduzi-lo naquele fabuloso e temível país, até que um rico comerciante desse país se ofereceu para levá-lo às escondidas, mediante pagamento, deixando-o com seu intérprete perto da casa do governador da cidade. Aí, Francisco deveria apresentar-se dizendo que desejava falar com o imperador para “expor a lei de Deus”.
Em Sancian, Francisco adoeceu gravemente e Antônio de Santa Fé nada pôde contra a inexorável febre que truncava a vida do missionário. Assim o amigo chinês narra os últimos momentos do seu amado mestre: “Com os olhos voltados para o céu, com o rosto muito alegre e em voz alta, à maneira de oração, fazia alguns discursos de coisas que eu não entendia porque não eram na nossa língua; e assim continuou a falar com grandíssimo fervor por cinco ou seis horas e tinha sempre na boca o nome de Jesus”. Morreu no alvorecer do sábado, 3 de dezembro de 1552, aos 45 anos de idade.
UM EVANGELIZADOR CARISMÁTICO
Na atualidade, houve e há críticos que duvidaram e duvidam a respeito da validade do método evangelizador de Francisco Xavier. É difícil dar um julgamento correto, devido à mentalidade de hoje, sobre fatos daquela época. Parece-nos ter sido bastante objetivo, quando escreveu a esse respeito, um historiador moderno muito apreciado, Lortz, na sua História da Igreja: “A obra verdadeiramente incomensurável e incansável, mas extremamente pura nas intenções e na atuação deste santo genial, é compreensível somente se considerada como genuína expressão daquele espírito religioso-eclesiástico que reinava em uma atmosfera de santidade e do mais elevado ativismo, em torno da pessoa e do sistema do fundador (…). É necessário pensar naquele fogo misterioso que o Senhor trouxe do Céu. Esse fogo ardia em Francisco Xavier”.
Francisco era um pioneiro mas não foi nunca um aventureiro, nem mesmo um visionário. Onde ele semeava o Evangelho, gerava também verdadeiras comunidades cristãs, que depois confiava a outros, distribuindo com muita sagacidade os missionários nos pontos mais estratégicos, de modo que pudessem consolidar a formação dos neófitos.
O fato de muitos dos cristãos serem capazes de enfrentar também o martírio para conservar a fé testemunha de maneira inequívoca a profundidade da evangelização de Francisco Xavier nos poucos anos – apenas dez – em que ele atuou no imenso continente asiático.