A TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR: ESPLENDOR DA LUZ “NÃO CRIADA”

A festa da Transfiguração é uma das doze festas do calendário bizantino. Ela era celebrada na Síria já no século VI. A data de 6 de agosto, quarenta dias antes da festa da Exaltação da Santa Cruz, sugere que o evento histórico teria acontecido quarenta dias antes da Paixão. A escolha é significativa, pois os evangelistas situam a narração da Transfiguração entre dois anúncios da Paixão do Senhor. Cristo, que pende abandonado no alto da cruz para a salvação da humanidade, manifesta ao mundo a glória inefável do Senhor do Universo.

A iconografia cristã tem como ponto de partida o mistério da encarnação. É porque Deus se fez imagem no ato da encarnação do Verbo que nós, seus discípulos, continuamos reproduzindo, por meio de obras de arte, a beleza eterna que veio habitar em meio a nós.

Dentro dessa perspectiva, o ícone da Transfiguração do Senhor resume em si o significado profundo da tradição iconográfica. Tradicionalmente, o primeiro ícone a ser escrito pelo iconógrafo é o da Transfiguração. Após longo processo de preparação, o iconógrafo iniciante começa seu trabalho escrevendo esse ícone emblemático, em que a luz não criada transforma a natureza. Não por acaso, celebramos o dia do iconógrafo na festa da Transfiguração.

Cristo chama três dos apóstolos a um lugar elevado e se transfigura diante deles. Suas vestes tornam-se alvas e o seu rosto resplandece de luz. De fato, quando nos colocamos diante de um ícone, damos conta de que a luz é tratada de modo não naturalístico. Em um ícone, a luz não vem de um ponto preciso, exterior ao personagem, mas do interior dos corpos. Trata-se da luz não criada que ilumina os fiéis desde o seu interior e os transforma.

O Apocalipse diz que a Jerusalém celeste não necessita de sol, pois sua luz e sua lâmpada são o Cordeiro (cf. Ap 21, 23). O corpo do Senhor e dos seus santos, representados em um ícone, são corpos gloriosos, transfigurados. O ícone evidencia a natureza glorificada dos corpos ressuscitados, manifestando ao fiel não apenas uma narração histórica, mas, a verdade profunda dos fatos. Uma síntese que conduz à contemplação do mistério.

A transfiguração é uma metamorfose na glória. Nela, Cristo manifesta a sua natureza divina.

Os corpos são iluminados desde o seu interior e também as proporções são alteradas. Não se usa a perspectiva tradicional, pois tudo deve manifestar o caráter epifânico da revelação. De modo algum a matéria é negada: ela é, antes de tudo, colocada na perspectiva do projeto divino, segundo o qual não deveria sofrer a corrupção, que entrou no mundo pelo pecado.

Transfiguração é sinônimo de glorificação. É uma metamorfose na glória. Cristo manifesta a sua natureza divina rodeado por Moisés e Elias. Eles personificam a lei e os profetas, ou seja, toda a Sagrada Escritura. Enquanto Moisés é identificado com a lei (Pentateuco), Elias identifica-se com os profetas, ou seja, com os livros históricos, sapienciais e proféticos. Eles se colocam ao lado de Cristo porque o Verbo de Deus não é apenas o autor e a realização da lei, mas também a supera.

A luz divina que se manifesta no corpo glorificado de Cristo é a ação do Espírito, presente na nuvem que cobre os apóstolos com a sua sombra e avisa: “Este é o meu Filho muito amado. Escutai-o” (Mc 9,7).

Facebook
WhatsApp
Email
Imprimir
LinkedIn