Com voz profética, a Igreja convoca a sociedade a cuidar da casa comum

CRIADA EM 1964 EM ÂMBITO NACIONAL POR DOM HÉLDER CAMARA, A CAMPANHA DA FRATERNIDADE ESTÁ NAS RUAS EM DEFESA DA CRIAÇÃO

“Deus nos livre de um mundo feio em que não haja mais peixes, pássaros, árvores, animais, homens e mulheres… É impossível acreditarmos em Deus se não estivermos de bem com os irmãos e com a natureza. O ambiente é nossa casa e fazemos parte dele. No momento em que matamos a natureza estamos matando a nós mesmos”: a afirmação foi feita por Dom Luiz Soares Vieira, então vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em 22 de julho de 2009, a uma multidão que, de frente ao rio Madeira, em Porto Velho (RO), manifestava-se contra os impactos ambientais das obras da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio.

Como a voz de um profeta que ecoava por entre os fiéis, Dom Luiz denunciava aquilo que foi anos depois confirmado: os impactos ambientais e sociais na vida de pescadores e ribeirinhos e os deslocamentos forçados de famílias inteiras e suas histórias e tradições.

A denúncia foi feita durante a Caminhada dos Mártires para cerca de 3 mil participantes do 12º Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que naquele ano refletia sobre ecologia e missão: “Do ventre da Terra, o grito que vem da Amazônia”. As comunidades eclesiais de base foram grandes responsáveis historicamente pela formação e capilaridade de resistência cidadã nos rincões do país, assim como é a Campanha da Fraternidade em âmbito nacional, desde 1964, uma iniciativa de Dom Hélder Camara, falecido em 1999.

Neste 2025, a partir da crise climática e inspirados pela Carta Encíclica Laudato Si’, os bispos do Brasil, com voz profética e didática, unem fé e incidência política na defesa da criação, do meio ambiente, da vida em dignidade ao lançar a Campanha da Fraternidade com o tema “Fraternidade e ecologia integral” e o lema “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31).

O objetivo é “Promover em espírito quaresmal e em tempos de urgente crise socioambiental um processo de conversão integral, ouvindo o grito dos pobres e da Terra”, assim registra o texto-base da campanha.

“É indispensável e urgente que as paróquias e comunidades, urbanas, rurais ou ribeirinhas, tenham essa preocupação de cuidar da criação. E nós devemos fazer isso primeiro porque a Palavra diz que tudo que existe no mundo é obra de Deus e se tudo é obra de Deus, como que não vamos cuidar de preservar essa obra?”, indagou Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira, bispo da Prelazia do Marajó, no Pará, e presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT). 

Entre os objetivos específicos da Campanha da Fraternidade 2025 estão reconhecer o caminho percorrido e as ações já iniciadas com a Carta Encíclica Laudato Si’, que para a antropóloga Moema Miranda se trata de uma encíclica revolucionária, porque “Já tinha ido às causas, às origens, às raízes dessa situação, de novo abrindo o diálogo tão importante entre ciência e fé. Vamos lembrar que esse diálogo desde Galileu Galilei (físico italiano [1564-1642]) estava suspenso. Trata-se do tempo de Giordano Bruno (teólogo, filósofo e frade dominicano italiano executado na fogueira por heresia em 1600, em Roma)”, disse à reportagem.

Moema participou da elaboração do texto-base da Campanha da Fraternidade 2025 ao lado de outros leigos e sacerdotes. Juntos, definiram também a necessidade de denunciar os males que o modo de vida atual impõe ao planeta e que tem gerado uma “complexa crise socioambiental”, além de apontar as causas da grave crise climática global, a urgência de alteração profunda nos nossos modos de vida e as “falsas soluções” fomentadas em nome da transição energética.

“Infelizmente, o Brasil não tem dado bons exemplos quando defende um desenvolvimento pautado em extração mineral no Amazonas ou investindo grandes reservas em agronegócio. Alguns cientistas têm nomeado essas posturas como um verdadeiro suicídio ecológico. É insustentável continuar com essas posturas do chamado capitalismo verde. No fim de 2025, teremos a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), que discutirá os problemas climáticos e que deveria tomar decisões fortes para reduzir a emissão dos gases de efeito estufa, por exemplo. É por isso que o Papa Francisco nos chama a tomar decisões desde baixo, desde a resistência popular, desde a luta de nossas comunidades”, disse Dom Vicente Ferreira, bispo da Diocese de Livramento de Nossa Senhora (BA) e referencial da Comissão de Ecologia Integral e Mineração.

Seu colega Dom José Reginaldo Andrietta, bispo de Jales (SP) e integrante da Comissão Episcopal para Ação Sociotransformadora, ressalta a necessidade da Igreja sendo anunciadora da obra de Cristo, mobilizando todos os seres humanos a crerem nele e, portanto, “Converterem-se de seus projetos egocêntricos, aderirem ao seu projeto de coexistência justa e fraterna, fazendo acontecer historicamente o Reino de Deus por Ele inaugurado, tendo como horizonte sua plena e eterna realização. A vida na sua integralidade é o centro de toda a criação, a ser preservada e cuidada. A Igreja tem, portanto, como missão formar consciências e fomentar práticas na perspectiva da ecologia integral”.

Padre Diego Lelis, missionário claretiano que também participou da elaboração do texto-base da Campanha da Fraternidade 2025, ressalta, contudo, que essa missão não é um dever apenas do cristão ou do batizado, mas sim de todos os seres humanos de boa vontade: “Isso está muito ligado ao paradigma da complexidade do Edgar Morin [hoje com 103 anos], no qual todas as pessoas são corresponsáveis umas pelas vidas das outras e esse também é um princípio cristão, do mandamento maior do Cristo que é amai-vos uns aos outros e amar corresponde a cuidar da vida, cuidar de tudo isso, então ultrapassa a dimensão eclesial, cristã católica e vai para uma dimensão humana existencial”.

O documento da Campanha da Fraternidade 2025 também aponta saídas e práticas individuais e coletivas no campo espiritual, de conversão pessoal, e no campo social, de modo que a conversão possa ocorrer de modo integral e efetiva. 

Para Dom José Reginaldo Andrietta, a Campanha da Fraternidade 2025 é um “Grito de alerta à sociedade em geral para as desigualdades sociais presentes em nosso país, portanto, essa campanha que trata da ecologia integral vai ser uma grade oportunidade para ocupar os espaços na sociedade e fazer a incidência política, os abaixo-assinados, os debates em torno da natureza”, disse lembrando que a crise climática exige medidas urgentes dos governantes.

Esse grito pode ecoar tanto internamente no país quanto ao redor do mundo, durante a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas. “Diversos setores da Igreja Católica, incluindo a própria Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e o Vaticano, estão se mobilizando para impulsionar a ação global em direção a um futuro mais justo, fraterno e sustentável”, aponta o texto-base da Campanha da Fraternidade 2025. O evento acontecerá de 10 e 21 de novembro de 2025, na cidade de Belém, no Pará.

“Estamos vivendo a crise climática e ela tem exigido medidas urgentes dos governantes. A COP30 é para pensar nisso, para melhorar o clima que vai ficando insuportável, trazendo consequências insuportáveis para a população”, destaca o documento.

O apelo em defesa da criação está posto pelos bispos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil em campanha e uma frase dita por Dom Moacyr Grechi, então arcebispo de Porto Velho, naquele julho de 2009, ao povo das comunidades eclesias de base que participavam do 12º Intereclesial pode servir como reflexão motivadora para a conversão individual: “Gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares não importantes, conquistam coisas extraordinárias” (provérbio africano).

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