De Jesus a Pedro: a sucessão apostólica se renova na partilha e na alegria do testemunho

DESDE OS PRIMEIROS SEGUIDORES DE JESUS CRISTO, O DESAFIO DA MISSÃO SE APRESENTA EM CENÁRIOS DE CONFLITO E PERSEGUIÇÃO

Quando os onze estavam reunidos em Jerusalém para a escolha daquele que iria substituir Judas – o traidor –, o medo e a confusão já tinham sido apascentados pela presença do Espírito Santo. Depois de orarem, escolheram Matias e ali os doze iniciavam um movimento de seguidores de Jesus Cristo, uma Igreja primitiva que herdava a missão de testemunhar a experiência vivida com Jesus crucificado e ressuscitado. Assim nos conta o livro de Atos dos Apóstolos (cf. 1,23-26) sobre a primeira comunidade que começa a expandir-se a partir do chamado, do testemunho dos apóstolos. “A fé, a experiência no Ressuscitado é que vai dando a essa primeira comunidade a certeza de que a vida e a morte de Jesus não fora sem sentido (…). O escândalo da morte é superado pela experiência do ressuscitado, com o ressuscitado”, explica Alzirinha Souza, doutora em Teologia pela Université Catholique de Louvain, na Bélgica.

Para ela, essa experiência se renova hoje na Eucaristia e na Palavra, permitindo-nos afirmar que Jesus está entre nós, que vive entre nós e onde dois ou mais estiverem reunidos em seu nome. 

À medida que as comunidades cristãs eram constituídas pelos apóstolos, eles constituíram bispos, isto é, pastores que os sucederam na missão de conduzir o rebanho, transmitindo o dom recebido do Espírito Santo de geração em geração até os dias atuais.

Para a teóloga, a sucessão apostólica “significa manter o segmento de Jesus atualizado na história em seus diferentes períodos. Isso é tradição que vai se renovando e por isso essa origem apostólica é importante, não pela pessoa que está conduzindo, mas por aquilo que ela traz consigo: as diferentes formas de ser Igreja nos diferentes tempos históricos”. 

A concepção de bispo autônomo e responsável por sua Igreja local, bem como as concepções de hierarquia na Igreja Católica como as concebemos hoje, vai se desenvolver por volta do século IV, todavia, sua gênese está ligada aos apóstolos. “Nossa Igreja vem de Jesus Cristo por meio dos apóstolos. Nossa fé liga-se a Jesus Cristo por meio deles. Isso é uma perene e firme nota de autenticidade da fé da Igreja, afirmada e reafirmada sempre de novo. Nós não inventamos a Igreja, mas participamos dela pela graça de Deus”, explicou o Cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo (SP) em sua coluna “Encontro com o Pastor”.

Edmílson Schinelo, teólogo e biblista do Centro de Estudos Bíblicos (CEBI), ressalva, contudo, que Jesus não fundou nenhuma instituição, nenhuma religião: “Nasceu, viveu e morreu como judeu. Os primeiros seguidores foram judeus. O movimento é o judaísmo. A partir do processo de ruptura que vai acontecendo gradativamente depois dos anos 70, 80 há necessidade de uma instituição e a partir de Constantino [imperador romano], nos séculos III e IV é que você pode falar mesmo nessa instituição romana que existe hoje”.

A obra Ascensão do cristianismo no Ocidente, de Peter Brown, registra que a expansão da fé cristã dentro do mundo romano e a institucionalização da Igreja Católica Apostólica Romana se deu respectivamente em 313, quando Constantino assinou o Édito de Milão, estabelecendo a liberdade de culto aos cristãos e décadas depois, em 380, quando o então imperador Teodósio assinoua o Édito de Tessalônica, oficializando o cristianismo como a fé dos romanos e incorporando a Igreja como uma instituição do Estado. 

Então Teodósio e Constantino, principalmente o primeiro, perceberam que esse povo é um povo que pode ajudar a unificar o império que começava a se desmantelar. Ele fez essa associação e esse reconhecimento do cristianismo como religião oficial do Estado, não porque se converteu à pessoa de Jesus, tratava-se de uma razão política e de uma razão econômica”, ensina Alzirinha. A partir daí, a Igreja ganhou uma estrutura de Estado, provocando uma grande transformação das comunidades originárias “para aquilo que nós temos hoje e vai se perdendo essa característica comunitária porque passa a ser institucional”, continua a teóloga. 

Para Raylson Araújo, mestrando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), não fosse a sucessão apostólica e a Igreja como instituição, nós não teríamos Palavra de Deus: “Isso é fato. Não teríamos a Palavra de Deus não fosse a Igreja enquanto instituição. Qual é a ordem que Jesus entrega ali para os onze? Vocês devem ir a todas as nações, batizar e ensinar. Ensinar o quê? Tudo aquilo que Jesus prescreveu. Então, essa é a missão da Igreja. Essa é a missão apostólica, ir a todas as nações, batizar e ensinar e o batizar deve ser lido de maneira ampliada. O batizar não é só o Sacramento do Batismo no sentido estrito da coisa, deve ser entendido com toda a dimensão litúrgico sacramental. Então é celebrar, reunir-se em torno do nome do Senhor, de sua memória”, concluiu Araújo.

APÓSTOLO É QUEM SERVE

Durante a audiência geral de 5 de novembro de 2014, ao refletir sobre o ministério episcopal, o Papa Francisco sublinhou que o episcopado não é uma honorificência, mas um serviço. “Não deve haver lugar na Igreja para a mentalidade mundana que diz assim: ‘Este homem fez a carreira eclesiástica e tornou-se bispo’. Não, não, na Igreja não deve haver lugar para essa mentalidade, o episcopado é um serviço, não uma distinção para vangloriar-se”, afirmou.

Dom Neri José Tondello, bispo da Diocese de Juína, no Mato Grosso, desde 2009 falou à reportagem sobre ser sucessor apostólico: “A partir do Evangelho, quando Jesus envia os apóstolos – “Ide por todo o mundo e anunciai o Evangelho a toda criatura” [Mc 16.15] – entendemos que a essência do enviado é o serviço, nas palavras do próprio mestre Jesus, que disse que não veio para ser servido, mas para servi [cf. Mt 20,28]”, 

Membro permanente do conselho da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e atuando em uma realidade de conflitos fundiários que ameaçam a existência dos povos indígenas, Dom Neri é bispo que caminha com seu povo: “Existimos para o serviço e exatamente onde mais somos necessários, isto é, onde as pessoas estão gritando por socorro, por sofrimentos que enfrentam, ameaças, ações de reintegração de tantos assentados. A invasão das terras indígenas são situações radicais extremas em que somos chamados a servir como intermediação para que o Estado democrático de direito contemple a todos os cidadãos diante das oportunidades e que haja uma distribuição [de terra] equitativa e justa para todos os que nela vivem e trabalham”, pontuou.

O testemunho do bispo de Juína nos recorda os tempos e conflitos vividos pelos primeiros apóstolos em suas comunidades perseguidas por sua fé. Em sua Carta aos Coríntios 2,4.8-9, o apóstolo Paulo escreve “De todos os lados somos pressionados, mas não desanimados; ficamos perplexos, mas não desesperados; somos perseguidos, mas não abandonados; abatidos, mas não destruídos”.

O número de bispos no país é 482, dos quais 316 estão no exercício do governo pastoral de uma Igreja particular (dioceses e arquidioceses) e têm, portanto, a missão de manter a porção da Igreja que lhe é confiada na comunhão de fé e doutrina da Igreja e no testemunho da vida cristã. Outros 166 são bispos eméritos.

“Todos os bispos juntos, em comunhão com o Papa, também respondem pelo bem de toda a Igreja. Eles constituem o ‘colégio episcopal’, que expressa a participação na sucessão apostólica e na missão confiada aos apóstolos por Jesus Cristo. Em força da ‘colegialidade episcopal’, os bispos cultivam a comunhão entre eles e na Igreja e com o Papa, que é o chefe do colégio episcopal. A expressão máxima da colegialidade episcopal e da corresponsabilidade dos bispos por toda a Igreja acontece na celebração dos concílios ecumênicos”, definiu o Cardeal Scherer.

CONDUZIR O POVO

Animar a fé no Ressuscitado e conduzir a comunidade cristã era a missão dos primeiros apóstolos e segue sendo a de seus sucessores apostólicos em cenários políticos, econômicos e sociais diversos e desafiadores. Assim sempre foi, como registram os livros sagrados, e assim ainda é, como nos revelam os acontecimentos diários. 

Dessa maneira, Pedro assume a condução da comunidade, mas não só, ele a conduz com o sopro do Espírito Santo. “Há dois textos que são bons para esse ponto. No primeiro texto Jesus disse que ia, mas deixava o Espírito, enviava o Espírito, e também o texto de Pentecostes, que diz que o Espírito desceu sobre eles como se fossem línguas de fogo”, disse a teóloga Alzirinha Souza, lembrando que não é possível falar de sucessão apostólica sem falar da Pneumatologia, o estudo da pessoa do Espírito Santo e como Ele age no mundo.

“Ele [Espírito Santo] move o mundo, porque ele move pessoas. (…) Nós olhamos para Jesus para saber aquilo que fazemos ou que deveríamos fazer para irmos nos humanizando e temos a mão do Espírito, que nos ajuda no discernimento e que nos empurra para frente, impulsiona-nos a fazer efetivamente essa vivência, desde queiramos, naturalmente. Logo, a ação humana e a práxis cristã, ela sempre de quem está”, afirmou Alzirinha.

Práxis é um conceito filosófico da atividade teórico-prática do ser humano em todas as áreas da sociedade e aos apóstolos coube e cabe realizar muitas coisas, como explica Raylson Araújo: “A eleição de Matias se dá depois que Jesus volta para o Pai, após a ascensão. Então, qual é a ordem que Jesus entrega ali para os onze? Vocês devem ir a todas as nações, batizar e ensinar. Ensinar o quê? Tudo aquilo que Jesus prescreveu. Essa é a missão da Igreja, é a missão apostólica, ir a todas as nações, batizar e ensinar. O batizar deve ser lido de maneira ampliada, não é só o Sacramento do Batismo no sentido estrito da coisa, deve ser entendido com toda a dimensão litúrgico-sacramental. É celebrar. Celebrar a Missa e o Batismo e os demais sacramentos. É se reunir em torno do meu nome, da minha memória”.

O teólogo Alexandre Ferreira dos Santos, especialista em Pensamento Religioso pela Pontifícia Universidade Lateranense, na Itália, lembra, portanto, que a sucessão apostólica garante a continuidade e a autenticidade para aqueles que creem na igreja. Esse “na” significa “desde dentro”, ou seja, a Igreja é um grupo de pessoas formado a partir do chamado que Jesus Cristo faz a alguns homens e mulheres.

O chamado se atualiza e corresponde às demandas dos nossos tempos, isso é o que o Papa Francisco vem propondo à reflexão. Em outubro de 2023, durante a primeira sessão do Sínodo dos Bispos em Roma, ele disse que, na conversa no Espírito” encontramos um caminho de participação voltado para a comunhão e renovação da missão que acolhe em unidade as diferenças na Igreja, encontrando o caminho sempre à luz do que inspira o Espírito.

É preciso ouvir e acolher o que sopra o Espírito.

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