É PRECISO TER FORÇA, RAÇA, GANA E FÉ!

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TRAZENDO NO CORPO A MARCA DE SER MULHER HOJE E SEMPRE, NA CELEBRAÇÃO DO DIA INTERNACIONAL DA MULHER RECORDAMOS OS DESAFIOS, AS ADVERSIDADES E A BELEZA DO SEXO FEMININO

No primeiro semestre de 2022, 699 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil, numa média de quatro mulheres por dia, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em dezembro de 2022.

O número é o maior já registrado em um semestre. Os dados indicam um crescimento contínuo das mortes de mulheres em relação ao primeiro semestre de 2019; o crescimento no mesmo período de 2022 foi de 10,8%. 

A pesquisa “Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil”, realizada também pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2020, apontou que três em cada cinco mulheres brasileiras afirmam ter sofrido algum tipo de violência. O estudo também revelou que a violência física é a mais frequente (52%), seguida da psicológica (43%) e da sexual (22%). Esses dados mostram que a violência contra as mulheres continua a ser um grave problema no Brasil e ressaltam a importância de políticas públicas e ações efetivas para proteger as mulheres e combater a violência de gênero.

Neste dia 8 de março, em que celebramos o Dia Internacional da Mulher, recordamos que, apesar das adversidades e desafios que as elas enfrentam todos os dias, ainda conseguem se manter firmes e perseverantes, com uma resiliência admirável. 

Em nosso país, o público feminino representa mais de 51% da população brasileira, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São 4,8 milhões de mulheres a mais que homens no Brasil.

MULHER, SINÔNIMO DE FORÇA

A ideia de que a mulher é sinônimo de força tem sido cada vez mais discutida e reconhecida, especialmente nos últimos anos, porém, é importante recordar que muitas mulheres ainda sofrem por conta de sua condição de gênero. 

A violência doméstica, a desigualdade de oportunidades no mercado de trabalho e o preconceito são alguns dos problemas enfrentados por mulheres em todo o mundo, além de que algumas mulheres também sofrem por conta de sua fé, sua cor ou sua orientação sexual. 

“Não é fácil ser mulher. Muitas vezes, a mulher é tratada como cidadã de segunda categoria. A imagem feminina é usada como mercadoria. O seu corpo é usado e não respeitado. Tantas vítimas de feminicídio. Tantas mulheres com dupla jornada, cuidando da família, da casa e trabalhando para adquirir o sustento. Na Igreja e na política a mulher sempre tem que provar sua capacidade e seu valor, mas, muita coisa tem mudado. Os diversos movimentos femininos conseguem muitas conquistas, porém, ainda muito precisa ser conquistado. A luta é longa e contínua”, expressou-se em entrevista à reportagem da Revista Ave Maria a teóloga Célia Aparecida Leme, que é animadora de uma comunidade eclesial de base (CEB), Comunidade São Paulo Apóstolo, na Região Episcopal Brasilândia, da Arquidiocese de São Paulo (SP). 

PRESENÇA DA MULHER NA IGREJA

Um levantamento de 2018 do Conselho Nacional do Laicato do Brasil (CNLB), um dos organismos mais relevantes dos leigos em nosso país, estima que as mulheres são dois terços dos fiéis, contra um terço de homens. São ministras extraordinárias da sagrada comunhão, agentes de pastoral, sacristãs, musicistas, secretárias, assessoras, conselheiras e lideranças de comunidades. Essas são algumas das funções exercidas pelas mulheres na Igreja no Brasil. 

“Quanto à Igreja, a mulher está presente desde as origens do cristianismo, ela foi tratada por Jesus não apenas com respeito, mas com extremo carinho. As mulheres faziam parte do grupo apostólico, inclusive contribuindo financeiramente, eram beneficiárias privilegiadas dos milagres de Jesus e foram as primeiras testemunhas da ressurreição. Ativas na primeira Igreja foram formadoras, servidoras, participantes em todos os níveis”, descreveu a professora Maria Clara Bingemer, do departamento de Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e também autora do livro Ser cristão hoje, da Editora Ave-Maria.

Com uma ampla e vasta atuação nas pastorais sociais de sua comunidade e na articulação pastoral de sua região, Célia avalia a participação do público feminino nas religiões: “Ser mulher na Igreja não é fácil. Estamos na base dos trabalhos, mas, não nas instâncias de decisão. A nossa voz nem sempre é ouvida, nem sempre adquire importância. As mulheres estão no trabalho do dia a dia, mas, na hora de representar, são os homens que aparecem. Essa realidade tem mudado, porém, precisa mudar muito mais”.

MODELOS BÍBLICOS DE FORÇA FEMININA PARA OS TEMPOS DE HOJE 

Existem muitos exemplos de força feminina na Bíblia que ainda são relevantes atualmente, de maneira especial Maria, mãe de Jesus. A trajetória de Nossa Senhora foi repleta de provações e sofrimento, mas ela suportou seu caminho, sua missão com muita paciência e docilidade. Imagine quanto foi doloroso para ela, como mãe, ver seu filho na cruz, por exemplo, mas, soube confiar a Deus o destino.

Para a teóloga Célia, Maria é um dos maiores exemplos bíblicos de força feminina atualmente, por sua coragem, seu canto e sua profecia: “Hoje ainda é preciso anunciar que Deus derruba do trono os poderosos. Muitas mulheres exercem a profecia em nossos tempos. Temos também a presença das mulheres nas primeiras comunidades como discipulado de Paulo”.

Em entrevista, a professora Maria Clara Bingemer falou sobre alguns destes modelos. “Na Bíblia cristã destaca-se Maria, mãe de Jesus, que é uma mulher sempre em movimento, que participa do discipulado do filho e está entre os apóstolos como construtora do Reino. O grupo de mulheres que seguiam Jesus é importantíssimo, que o faziam desde a Galileia até a cruz. Entre elas se destaca Maria Madalena, que não é prostituta como a tradição patriarcal quis fazê-la, mas apóstola, amiga, amada e primeira testemunha da ressurreição. E há outras: a prostituta do banquete do fariseu em Lucas 7,36-50, que não é Maria Madalena, mas uma mulher do lugar, de vida pública; a samaritana à beira do poço que reconhece nele o Messias e inaugura a comunidade de seguidores que o seguem, primeiro por causa dela e depois por própria convicção”, destaca a autora.

MÁRTIRES DO FEMINICÍDIO 

Em 10 de dezembro de 2022, a Igreja Católica ganhou mais uma beata, Isabel Cristina Mrad Campos (1962-1982). A futura santa foi assassinada de forma brutal quando tentava escapar de uma tentativa de estupro, aos 20 anos, em Juiz de Fora (MG). Isabel sonhava em ser médica para ajudar famílias carentes. A cerimônia em reconhecimento do martírio da jovem aconteceu em Barbacena (MG).

“Isabel Cristina era um jovem de família muito religiosa, muito atuante na Igreja, participante da Sociedade São Vicente de Paulo e da comissão de jovens. Cresceu fazendo trabalhos voluntários com idosos e crianças, fazia caridade e tinha sonhos”, contou Monsenhor Danival Milagres Coelho, que participou do processo de pedido da beatificação. Em outubro de 2020, o Papa Francisco reconheceu o martírio de Isabel Cristina, mas, por conta da pandemia, não foi possível marcar a data da beatificação.

A Igreja, ao reconhecer que uma pessoa está em estado de beatitude, afirma que ela está no Paraíso e que, em um diálogo direto com Deus, intercede por quem lhe recorre em oração.

No Brasil, Isabel se junta a mais três beatas com histórias semelhantes, que também já foram nomeadas “mártires do feminicídio”. São elas: Albertina Berkenbrock, Benigna Cardoso da Silva e Lindalva Justo de Oliveira. Mulheres mártires que foram vítimas de crimes de ódio, morreram por tentar defender seus corpos femininos de acordo com sua fé. A história de cada uma dessas mulheres, que estão em reconhecimento de santidade, é contada no episódio 257 do podcast católico Uma conversa, liderado por Alexandre Ferreira e Pedro Luiz Amorim, que pode ser ouvido nos principais agregadores de podcast, no site oficial  ou no seu canal do YouTube. 

EM DEFESA DOS DIREITOS DA MULHER MARGINALIZADA

A mulher tem papel fundamental na família, na sociedade e na Igreja, pois atua em diversas frentes, em especial na defesa dos direitos, função essa, na maioria das vezes, desempenhada pelas pastorais sociais. É o caso da Pastoral da Mulher Marginalizada (PMM), cuja missão é ser presença profética e solidária junto à mulher em situação de prostituição. Na Arquidiocese de São Paulo (SP), onde essa pastoral social atua há mais de cinquenta anos, ela atende, acompanha, orienta, encaminha as mulheres em situação ou em risco de prostituição a superar a violência desse contexto, a exercer sua cidadania, a fortalecer sua autoestima e ampliar seu conhecimento sobre as questões sociais, de gênero, saúde e trabalho e a sair da prostituição, quando desejarem. Atua, ainda, no enfrentamento e combate da exploração sexual e do tráfico de pessoas.

Em entrevista, a Irmã Elizangela Matos dos Santos, da Congregação das Irmãs da Santa Cruz e uma das coordenadoras da Pastoral da Mulher Marginalizada, falou sobre os desafios da pastoral na cidade de São Paulo: “Nos últimos anos, devido à falta de políticas públicas para essa população e com o agravamento da pandemia da covid-19, no cenário da prostituição é notório o crescimento da violência, do desemprego e da fome que se intensifica a cada dia no Brasil e em nossa cidade”.

Segundo a religiosa, a pastoral, por vivenciar essa realidade de violações, é desafiada e instigada a encontrar soluções que dialoguem em busca de ações no intuito de contribuir com a transformação de uma sociedade inclusiva, justa e fraterna: “Por isso, acreditamos que por meio dos trabalhos realizados em vários pontos da cidade de São Paulo conseguimos contribuir para o fortalecimento e o empoderamento dessas mulheres”.

A pastoral sempre esteve intimamente ligada à Sagrada Escritura, inspirada a lutar contra a opressão, a violência, as injustiças, trabalhando pela superação da violência, da fome e de tantas situações de morte. 

“A Pastoral da Mulher Marginalizada se fortalece na espiritualidade de um Deus que é misericórdia e que nos deu Maria como nossa mãe, modelo do amor perfeito”, encerra Irmã Elizangela.

 “A Igreja reconhece a indispensável contribuição da mulher na sociedade, com uma sensibilidade, uma intuição e certas capacidades peculiares que habitualmente são mais próprias das mulheres que dos homens”, afirmou o Papa Francisco na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium ao falar sobre uma característica muito presente na mulher, a sensibilidade.

Renata Moraes

Jornalista

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