NO BRASIL, MAIS DE 50 MIL PESSOAS ESPERAM NA FILA PARA SER TRANSPLANTADAS
A morte nunca é algo esperado. Quando perdemos alguém de nossa família é sempre uma situação devastadora e difícil, mas, justamente nesse momento de dor e intenso luto é que o sofrimento pode ser transformado em esperança e solidariedade.
O ato de doar órgãos pode trazer uma nova vida para milhares de pessoas que aguardam em uma lista de espera por um transplante de órgãos ou tecidos. Com o intuito de motivar as pessoas e divulgar a doação de órgãos no Brasil, o dia 27 de setembro foi escolhido como o Dia Nacional da Doação de Órgãos. A data foi instituída pela Lei nº 11.584/2007.
Um dos principais objetivos da campanha é levar informações sobre a doação de órgãos e, simultaneamente, estimular as pessoas para conversar com seus familiares e amigos sobre o assunto, uma forma de sensibilizar toda a sociedade sobre a importância desse ato de amor e solidariedade.
A meta desse trabalho de conscientização é ajudar milhares de pessoas que precisam de um transplante. No Brasil, mais de 50 mil pessoas esperam na fila para ser transplantadas. De acordo com dados do Ministério da Saúde, as cirurgias de córnea e rim reúnem o maior número de pacientes na espera.
COMO FUNCIONA A DOAÇÃO DE ÓRGÃOS NO BRASIL?
Em nosso país, a retirada de órgãos só pode ser realizada após a autorização familiar. Não existe lei que garante que a vontade do doador seja atendida, isto é, se uma pessoa manifesta seu desejo de doar e, após sua morte, a família nega, seus órgãos não serão doados.
A jurisprudência brasileira estabelece que a família é a responsável pela decisão final, não tendo valor a informação de doador ou não doador de órgãos registrada no documento de identidade ou outros. A melhor maneira de garantir efetivamente que a vontade do doador seja respeitada é fazer com que a família saiba sobre o desejo de doar do ente falecido. Na maioria das vezes, os familiares atendem a esse desejo, por isso a informação e o diálogo são absolutamente fundamentais, essenciais e necessários.
BRASIL TEM O MAIOR SISTEMA PÚBLICO DE TRANSPLANTES DE ÓRGÃOS
Segundo dados do Ministério da Saúde, o Brasil tem o maior programa público de transplante de órgãos, tecidos e células do mundo e o Sistema Único de Saúde (SUS) é responsável pelo financiamento de por volta de 95% dos transplantes no país.
O Brasil é o segundo maior transplantador do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. No território nacional, pacientes recebem assistência integral e gratuita, incluindo exames preparatórios, cirurgia, acompanhamento e medicamentos pós-transplante pela rede pública. Entretanto, ainda que com esse ranking, o número de doadores efetivos sofreu queda nos últimos dois anos. Um levantamento da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO) chama a atenção para a queda no número de doadores efetivos desde a pandemia do novo coronavírus. Os dados mais recentes da associação mostram que, nos seis primeiros meses de 2021, houve uma redução de 13% no número de doadores efetivos na comparação com o mesmo período do ano passado e de 18% em relação a 2019. Em 2021 foram registrados apenas 1.452 doadores.
De janeiro a junho de 2021, São Paulo foi o Estado que mais teve doadores de órgãos, 476. Em seguida, aparecem o Paraná, com 190, e Rio de Janeiro, com 135 doadores efetivos.
O tema da doação de órgãos ainda é polêmico e de difícil entendimento da sociedade, resultando em um alto índice de recusa familiar. Segundo pesquisa conduzida pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) a incompreensão da morte encefálica, a falta de preparo da equipe para fazer a comunicação sobre a morte e motivos religiosos são os principais fatores dessa recusa.
Apenas a família é responsável pela decisão de doar os órgãos de um parente falecido.
Em caso de um doador vivo, a pessoa maior de idade e capaz juridicamente pode doar órgãos a seus familiares.
Para a doação entre pessoas que não possuem parentesco é exigida uma autorização judicial prévia. Entre vivos podem ser doado um dos rins, parte do fígado, parte da medula e parte dos pulmões.
UMA HISTÓRIA DE AMIZADE E SOLIDARIEDADE
Uma verdadeira prova de amizade, empatia e amor ao próximo foi o gesto que teve Joilton Sousa, 48, que doou um rim para Monique Cavalcante, 38, esposa do seu melhor amigo e colega de trabalho, Guilherme Barreto. Moradores de São Pedro da Aldeia, no interior do Rio de Janeiro, Joilton é gerente de uma petshop e Guilherme é o veterinário da unidade. Uma amizade que nasceu logo que começaram a trabalhar juntos e que se estendeu para as suas famílias.
Em 2019, Monique ficou muito doente e descobriu uma doença autoimune que estava paralisando a sua função renal, sendo necessário um transplante de rim. Seu irmão se prontificou a fazer a doação, mas, após exames, foi constatada sua incompatibilidade.
Joilton, comovido com o sofrimento do casal de amigos, ofereceu-se a fazer a doação. “Eu não tenho dinheiro, mas disposição, amor no coração, vontade de fazer uma pessoa feliz eu tenho. Vamos fazer os testes”, disse o doador no momento que tomou a decisão.
Devido à pandemia do novo coronavírus, a cirurgia que já estava agendada para março de 2020 teve que ser remarcada, mas enfim foi feita em 13 de julho do mesmo ano. O resultado foi um sucesso e ambos (doador e transplantada) tiveram alta alguns dias depois.
Para Monique, a atitude de Joilton trouxe de volta a sua esperança de viver: “Ele foi um anjo de Deus! Com esse gesto mudou a minha vida, ele me salvou, tive uma nova chance de viver, uma chance de ver meu filho crescer, de retomar minha vida, sonhar, fazer planos, ser feliz, recomeçar, viver com minha família”.
A recém-transplantada quis recompensar o amigo por tão nobre atitude e escreveu uma carta ao programa Caldeirão do Huck, da Rede Globo, pedindo que o “Lata Velha” (quadro do programa que reforma carros velhos) restaurasse o veículo de Joilton, uma Parati 1988 de estimação. A história de empatia e amizade foi ao ar em março de 2021, emocionando muita gente e alertando para um assunto tão importante como a doação de órgãos.
Em 13 de julho deste ano, completaram-se dois anos do transplante. Joilton recorda: “Hoje minha irmã de rim, a Monique, vive superbem e cuidando de sua família. Essa data vai ser sempre lembrada como o renascimento de uma nova vida”.
Após o transplante Joilton foi convidado pela Cruz Vermelha Brasileira do Rio de Janeiro (RJ) para participar de uma campanha de conscientização e incentivo à doação de órgãos. “Fiquei muito feliz em ter recebido o convite de me tornar um integrante da Cruz Vermelha e poder fazer parte da campanha estadual de doação de órgãos, divulgando a doação e incentivando todos a abraçarem essa causa”, comentou o doador.
Para Monique, a data do seu transplante de rim será um marco em sua vida. “Uma vida que renasce e se ressignifica. Antes eu sobrevivia, cada dia era uma luta, uma batalha para continuar vivendo, com incertezas e medo. O que veio depois do transplante é qualidade de vida”, destacou a transplantada. E ela recordou, emocionada: “Sentir-se saudável, forte, e acima de tudo com um sentimento de gratidão que em palavras não sei explicar, por estar aqui, viva, cuidando do meu filho, da minha família”.
Nas palavras de Monique, o ato de solidariedade de seu amigo Joilton tem mais do que um significado, há o ensinamento de que é preciso sempre olhar o outro com amor, compaixão, empatia. “Esse meu irmão foi capaz de um ato de amor ao próximo inestimável. Jamais conseguirei agradecer tudo que ele fez por mim, ele me devolveu a vida. Espero levar o exemplo dele a todas as pessoas que eu puder, pois, por meio de seu ato, pessoas poderão ter suas vidas transformadas e sua esperança renovada”, encerrou.
O TRANSPLANTE DE RIM SALVOU A MINHA VIDA
Durante dois anos e meio, Maristela Pereira de Oliveira, 61 anos, moradora de São Paulo (S
P), ficou na fila do transplante aguardando uma doação de um rim. O aviso de que tinham encontrado um doador compatível chegou às pressas, quando ela foi surpreendida pela filha, que levou a boa notícia para a mãe enquanto estava no trabalho.
Maristela não conheceu seu doador, o rim que salvou sua vida veio por meio da autorização de uma família enlutada. Veio de uma criança que faleceu aos 8 anos. “Eu já nem tinha muita esperança que poderia ser transplantada, fui surpre
Joilton na campanha da Cruz Vermelha Brasileira | Arquivo Pessoalendida com a notícia de que tinha chegado a minha vez”, disse ela.
Os problemas renais já a acompanhavam há mais de dezesseis anos. Ela passou por alguns tratamentos médicos, foram quase três anos fazendo hemodiálise, um procedimento de filtragem do sangue para retirar toxinas e excesso de água no organismo, indicado para pacientes com insuficiência renal aguda ou crônica. Maristela vivia uma vida de limitações e sofrimento.
Em 24 de julho deste ano completaram-se também dois anos do seu transplante, uma data para celebrar a esperança. “Agradeço muito a Deus todo o tempo, todos os dias, quando acordo, por ter essa nova chance de vida. Agradeço também a essa família que, ainda vivendo o sofrimento da perda de um filho, teve um ato de amor e solidariedade. O transplante de rim salvou a minha vida”, finalizou.