Igreja Católica: a Igreja de Cristo

“Referi-vos essas coisas para que tenhais a paz em mim.
No mundo haveis de ter aflições.
Coragem! Eu venci o mundo.”
(Jo 16,33)

Diz Santo Agostinho que “a Igreja peregrina na Terra entre as aflições dos homens e as consolações de Deus” (Cidade de Deus, XVIII, 51, 2). De fato, como num incessante comentário ao capítulo 16 do Evangelho de São João, o testemunho vivo da Igreja tem justificado chamar-se este mundo de “vale de lágrimas”.

A missão evangelizadora da Igreja resistiu em contextos adversos desde sua fundação e os mártires e confessores são exemplos excepcionais desses corajosos testemunhos. Mas há uma coragem do Tempo Comum, um querigma peregrino e paciente de todos os batizados, de que pouco se fala. O Catecismo da Igreja Católica ensina: “A fidelidade dos batizados é condição primordial para o anúncio do Evangelho e para a missão da Igreja no mundo. Para manifestar diante dos homens a sua força de verdade e irradiação, a mensagem de salvação deve ser autenticada pelo testemunho de vida dos cristãos. ‘O testemunho de vida cristã e as obras realizadas com espírito sobrenatural são meios poderosos para atrair os homens à fé e a Deus’ (Decreto Apostolicam Actuositatem, 6)” (2044).

Esse ensinamento está capitulado sob o título de “Vida moral e testemunho missionário” e nos recorda verdades práticas sobre a finalidade maior da vida e os desafios do “mundo”. Primeiro, que “a figura deste mundo passa” (1Cor 7,31) e que “Não temos aqui cidade permanente, mas vamos em busca da futura” (Hb 13,14), ao contrário do que nos querem fazer crer as filosofias do progresso e da evolução. Ora, o batizado é separado do mundo para viver uma vida sobrenatural, não para empenhar seu futuro numa ansiosa competição pelo sucesso e busca de segurança. Nessa retórica sedutora, e muitas vezes constrangedora, podemos ver o caráter da “perseguição”. 

Uma nota comum aos testemunhos fiéis é, hoje, o cuidado de evitar o aburguesamento dos objetivos de vida. A excessiva preocupação de uma consciência mundana impede que aquela coragem de tomar a cruz cotidiana se firme e faça das comunidades eclesiais sal da Terra e luz do mundo. Aí começa a “vitória sobre o mundo”. Atualmente, diríamos a vitória sobre a cultura da morte, em todas as suas versões. 

Essa cultura traz consigo uma sintomática falta de capacidade de ler a realidade à luz da providência do Criador, dessacraliza as relações humanas e as do homem com a natureza. Como realizar, nesse contexto adverso, “obras com sentido sobrenatural”? 

Aqui está um grave problema: não percebemos que o esquecimento dos fins sobrenaturais da vida, esse espírito mundano, requer uma apropriada evangelização da cultura, de seus elementos racionais e afetivos. Isso possibilitaria perceber uma “perseguição” não mais espetacular, como consta no imaginário hagiográfico, mas a insidiosa imposição de novas idolatrias e disfarçadas apostasias. É o que adverte João 17,14 sobre os que professam sua fé na providência cotidianamente: “(…) o mundo os odeia, porque eles não são do mundo, como também eu não sou do mundo.” 

Aí está uma tradição, um fio histórico de diaconia que liga a multidão dos que deram a vida por Cristo, desde os Santos Inocentes, visível nas palavras de São Paulo: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso espírito, para que possais discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito” (Rm 12,2).

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