No quarto Evangelho, o apóstolo Tomé configura um célebre episódio: enquanto estava ausente, o Ressuscitado havia aparecido aos discípulos e, num primeiro momento, ele parece não acreditar nos relatos que escuta, afirmando “Se eu não vir o sinal dos pregos nas suas mãos e não colocar o dedo nesse sinal dos pregos e a minha mão no seu peito, não acreditarei” (Jo 20,25).
Isso custou a São Tomé a infâmia de incrédulo. Todavia, oito dias depois Jesus reaparece e diz-lhe “Põe o teu dedo aqui e vê as minhas mãos! Estende a tua mão e coloca-a no meu lado, e não sejas incrédulo, mas crente!” (Jo 20,27), ao que Tomé exclama, numa curta e potente profissão de fé: “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20,28).
Cético ou fiel? Tomé era chamado “Dídimo” (cf. Jo 11,26; 20,24; 21,2), que em grego significa “gêmeo”. Como ensina o teólogo Joseph Ratzinger em sua Introdução ao cristianismo, a fé e a dúvida seriam como duas faces da mesma moeda – como “gêmeas bivitelinas”, talvez.
Se a fé fosse certeza matemática, inquestionável, ela não seria dom, virtude teologal, que exige confiança do crente – o chamado “salto da fé”. Sim, da mesma maneira que a criança, ao dar os seus primeiros passinhos sem firmeza e temerosa de machucar-se, precisa confiar nas mãos abertas do pai que a acompanham, o cristão precisa confiar no amor de Deus, acreditar que, debaixo do véu do mistério, o amor pode explicar todas as coisas. “Portanto, como o crente se sabe ameaçado sem cessar pela descrença, obrigado a ver nela a sua perene provação, assim a fé representa a ameaça e a tentação do incréu, dentro do seu universo aparentemente fechado e completo1.”
O diabo não tem fé, tem certeza fria; ele também não possui esperança nem caridade. O diabo, metaforicamente falando, não possui coração. A “fé do coração” é fruto de uma especial unção do Espírito Santo, tornando-se uma ciência do amor, convertendo-se numa espécie de visão interior, de conhecimento: “Nós cremos e sabemos” (Jo 6,69)2.
Tomé, que certa vez pediu ao Senhor que lhe mostrasse o caminho (cf. Jo 14,5), indica-nos que o caminho do cristão consiste em alimentar diuturnamente a fé em Jesus Cristo por meio da oração, dos sacramentos e da caridade, como uma chama acesa que necessita de combustível.
Fé e dúvida, enquanto “irmãs gêmeas”, talvez sirvam para alertar-nos do perigo das certezas dos fundamentalistas e extremistas. Em nome de “certezas”, muitos crimes, desvarios e violências foram cometidos ao longo da história.
Como ensina o Papa Francisco, “O Senhor não procura cristãos perfeitos; o Senhor não procura cristãos que nunca duvidam e sempre ostentam uma fé segura. Quando um cristão é assim, há algo errado. Não, a aventura da fé, como para Tomé, é feita de luzes e sombras. Se não, que tipo de fé seria? Ela conhece tempos de consolação, ímpeto e entusiasmo, mas também de cansaço, desorientação, dúvida e escuridão. O Evangelho mostra-nos a ‘crise’ de Tomé para nos dizer que não devemos temer as crises da vida e da fé”3.
Referências:
1Ratzinger, Joseph. Introdução ao cristianismo: preleções sobre o símbolo apostólico. Trad. de Alfred J. Keller. São Paulo: Loyola, 2005, p. 12.
2Cantalamessa, Raniero. La fe que vence al mundo. Trad. de Marta Lago. Bogotá: San Pablo, 2007, p. 26.
3Francisco. Regina Coeli (24 de abril de 2022). Disponível em https://www.vatican.va/content/francesco/pt/angelus/2022/documents/20220424-regina-caeli.html.