O Evangelho segundo Mateus nos introduz no mistério do Natal com a sobriedade e a profundidade próprias de quem contempla, mais do que narra. “Tendo Jesus nascido em Belém da Judeia, no tempo do rei Herodes (…)” (Mt 2,1): poucas palavras, mas carregadas de significado teológico e histórico. O nascimento de Jesus aconteceu num contexto concreto, em um lugar pequeno e quase esquecido, sob o domínio de um rei violento e de um império opressor e, justamente ali, na periferia da história, irrompeu a salvação de Deus.
Belém – cujo nome significa “Casa do Pão” – é símbolo da promessa e da fidelidade divina. Ali nasceu Davi, o pequeno pastor escolhido por Deus para ser rei; ali nasceu Jesus, o verdadeiro Pastor, o Filho de Davi, o Pão vivo descido do Céu. Em Belém, Deus se fez alimento para a humanidade faminta de sentido, de justiça e de amor. O Natal, portanto, não é mera recordação de um acontecimento do passado, é a celebração da presença contínua de Deus que se faz próximo, pobre e acessível.
Mateus apresenta o nascimento de Jesus em contraste com o poder de Herodes. Enquanto o rei teme perder seu trono e busca eliminar o recém-nascido, os magos vindos de terras distantes se deixam guiar por uma estrela e movem-se pelo desejo de adorar. A cena revela duas atitudes opostas diante do mistério de Deus: a resistência e a acolhida. Herodes representa o coração fechado, dominado pelo medo e pelo egoísmo; os magos representam o coração peregrino, aberto à busca e à surpresa. O verdadeiro encontro com o Cristo só é possível para quem aceita sair de si mesmo, desprender-se de suas seguranças e caminhar à luz da fé.
Os magos são figuras universais. Representam todos os povos e culturas que, ainda que por caminhos diferentes, são atraídos pela verdade e pela luz. O sinal que os conduz – a estrela – simboliza a presença discreta, mas eficaz, de Deus que orienta os corações sinceros. A fé, no relato de Mateus, não nasce de uma imposição, mas de uma busca livre. A estrela os conduz até Belém, mas ali a luz cede lugar à humildade: encontram uma criança nos braços da mãe. O esplendor do Céu se traduz na simplicidade da Terra. O divino se esconde no humano.
Diante da criança, os magos se prostram e oferecem presentes: ouro, incenso e mirra. Esses dons, carregados de significado simbólico, revelam a identidade de Jesus: Rei (ouro), Deus (incenso) e Servo sofredor (mirra). No ato de oferecer, eles reconhecem e adoram. O gesto dos magos é modelo de atitude cristã: reconhecer o mistério e responder com gratidão e entrega.
O contraste entre Belém e Jerusalém é também uma provocação espiritual. Jerusalém, o centro religioso, permanece indiferente; Belém, o pequeno povoado, torna-se o lugar da revelação. Assim, Mateus nos ensina que Deus se manifesta não onde há poder, mas onde há abertura; não nas grandes estruturas, mas nos corações humildes. O Natal é, portanto, um convite a deslocar o olhar: do centro ao limite, da grandeza à simplicidade, da lógica do domínio à lógica do dom.
“Tendo Jesus nascido em Belém” – eis o coração do mistério. O Filho eterno de Deus entra na história humana, assume nossa fragilidade e habita nossas realidades feridas. Em tempos marcados pela violência, desigualdade e indiferença, o Natal recorda que a salvação começa na vulnerabilidade de um recém-nascido. O poder de Deus se manifesta na ternura, e a esperança renasce no pequeno e no pobre.
Celebrar o Natal é acolher essa presença silenciosa e transformadora. É deixar que Cristo nasça também em nossas “Beléns interiores”, nos lugares de nossa pobreza, solidão e limite. É permitir que a estrela da fé nos conduza à adoração verdadeira, que nasce do encontro pessoal com Jesus e se traduz em gestos de amor concreto.
O Evangelho termina com os magos “voltando por outro caminho” (Mt 2,12). Quem encontra o Menino não pode mais seguir o mesmo trajeto. O encontro com Cristo transforma, reorienta, renova. Assim também nós: depois de ajoelhar-nos diante do presépio somos enviados de volta ao mundo como portadores da luz que vimos brilhar. O Natal não termina no berço de Belém, ele se prolonga na vida de cada discípulo que, tocado pela ternura de Deus, torna-se estrela para outros peregrinos da fé.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MESTERS, C. Mateus: o Evangelho do caminho da justiça. Petrópolis: Vozes, 2010.
NICOLETTA, C. O Evangelho da infância em Mateus: teologia e narrativa. São Paulo: Loyola, 2015.
RATZINGER, J. A infância de Jesus. São Paulo: Planeta, 2012.