Num primeiro momento, a ideia de comemorar ou celebrar o fracasso parece ser algo avesso ao que estamos acostumados ou ao que aprendemos sobre o fracasso como sinônimo de derrota, insucesso ou até mesmo desgraça. Olhamos o fracasso de forma negativa e não conhecemos o lado positivo.
Um primeiro exemplo que podemos tomar para pensar o fracasso é a nossa própria finitude corporal, a morte. Geralmente, olhamos a morte somente a partir do que conseguimos tocar, não com as mãos propriamente ditas, mas o que experienciamos com nossos olhos, com os nossos sentimentos. Olhamos dessa forma a morte e a experienciamos na sua exterioridade, como um acontecimento frio, fatídico, inevitável e dolorido, mas, na maioria das vezes, ela não é vista em sua interioridade, como princípio de vida nova e de eternização da existência pessoal de um ser humano. A morte abre a possibilidade para nos tornamos ainda mais a semelhança e a imagem de Deus. O túmulo vazio nos direciona justamente para essa dimensão; desapareceremos fisicamente, mas existiremos como pessoas que foram transformadas em suas aparências. O monte Tabor nos proporciona essa visualização por meio da transfiguração de Jesus, em que o fracasso aparente se torna em essência uma vitória, ou até mesmo a crucificação e a morte de Jesus na cruz. Para os Romanos e as demais pessoas influentes da época, essa seria uma forma de derrotar, de fazer fracassar todo o movimento que o filho de José e Maria havia iniciado. No entanto, a cruz foi apenas aparentemente uma derrota, pois na essência do acontecimento existiu, ou existe, a vitória.
Nosso primeiro fracasso acontece quando nascemos, pois somos expulsos do nosso primeiro mundo onde estivemos desde a fecundação até o estágio fetal em nossa formação corporal. O mundo intrauterino é recheado de conforto, segurança, aconchego e até mesmo mordomias, mas chega o tempo em que esse mundo não nos pertence mais e precisamos sair, nascer para uma outra dimensão existencial e, literalmente, somos expulsos dele. É frustrante deixar esse mundo paradisíaco. Aparentemente, temos um primeiro “fracasso”, pois também aparentemente perdemos o nosso mundo e de imediato precisamos aprender a respirar sozinhos. Essa é uma “derrota” aparente, pois, sem saber, nascemos para ser amados em outro mundo, cercados de novas realidades.
Observando a “comemoração do fracasso” sob a perspectiva franciscana, depararemos com o que personificou Francisco de Assis. O esvaziamento de si mesmo ou, como conhecemos hoje, a resiliência e o abnegar-se. Francisco de Assis compreendeu essa dimensão do fracasso também diante da morte, quando ele a entende como a “irmã morte corporal, do qual criatura alguma poderá escapar”. Ou seja, ele viu na derrota da morte corporal, a vitória da transfiguração da sua existência. Contemplando ainda a espiritualidade franciscana, tomamos o episódio do lobo de Gúbio. Corremos o risco de ver o fracasso como os moradores de Gúbio viam o lobo ou o encaravam, sempre com a intenção de derrotá-lo, pois o entendiam como um animal feroz e destruidor, porém, Francisco tomou outro caminho, o diálogo com o lobo, amansou-o e tornou-o seu amigo e dos moradores de Gúbio. Talvez enxerguemos o fracasso como os habitantes de Gúbio enxergavam o lobo, voraz e destruidor. Não o amansamos e fazemos dele nosso amigo.
No fracasso como ato está latente e em potência a esperança de um mundo e uma vida nova. Na pandemia que atravessamos deparamos com o fracasso, pois perdemos a liberdade, o direito de ir e vir, os momentos de confraternização, o lazer e deparamos intensamente com a morte. Entretanto, apesar do sofrimento dos milhares de mortos todos os dias, aos poucos renascia a esperança e a vitória por meio daqueles que superavam a enfermidade. Para os que superaram a enfermidade, o sucesso foi a cura física. Para os que não conseguiram superar a enfermidade física, o sucesso também foi alcançado com a cura substancial, ou seja, foram curados existencialmente com a transfiguração do corpo.
Celebrar o fracasso pelo olhar esperançoso e direcionados pelo que contextualiza, com o livro Um brinde ao fracasso somos convidados a olhar e refletir a nossa vida e a pessoa humana nos três estágios que compõem a sua existência.
O livro oferece a possibilidade de a pessoa se perceber no mundo da criação de Deus, onde podemos entender que o nosso “fracasso existencial” está prestes a ser superado pela esperança. Com isso, iniciamos com a concepção que não somos criados simplesmente por ser criados, mas somos existentes já no querer de Deus, já existimos antes de tudo no pensamento dele. A segunda dimensão de nossa existência é a nossa existência física e biológica, em que como espíritos encarnados construímos uma trajetória e uma história neste mundo, diga-se de passagem, de sucessos e insucessos. Nossa vida é constituída, como popularmente falamos, do “perde e ganha”. A terceira dimensão de nossa existência é quando biologicamente chegamos ao fim da caminhada neste mundo e somos transfiguramos na dimensão eterna e espiritual. Alcançamos nossa condição definitiva e nossa “evolução máxima”. Assim, podemos dizer que somos o pensamento, a concretização física e a configuração elevada da imagem e da semelhança de Deus. Somos existentes no pensamento e criados corporal e espiritualmente em Deus. Protologia, cronologia e escatologia constituem toda a história da criação da pessoa humana.
Os fracassos são impulsionadores de superação, pois seu brinde ou comemoração não é em si brindar a ele, mas à esperança na superação. Somos educados a combater o fracasso e não a superá-lo.
A proposta central de Um brinde ao fracasso é a quebra de paradigmas, como a concepção de que temos a obrigação de sempre ter sucesso, sempre ser o primeiro. O pensamento que permeia toda a obra nos leva a crer em nós mesmos, que não estamos abandonados ou sozinhos. A proposta reflexiva acena para que compreendamos a necessidade de viver, aprender, lidar e nos expor ao fracasso, sendo que ele não pode ser concebido como derrota. O texto nos convida a entender o fracasso como um estado momentâneo que poderá ser revertido em vitória e superação. Não é um estado permanente. Sempre teremos caminhos que e nos levarão ao sucesso. Fracasso não é pressuposto para criarmos em nós o sentimento de derrota, mas, acima de tudo, motivo para um recomeço conforme nos ensinam os acontecimentos existenciais da morte, ressurreição e a transfiguração.
O fracasso abre o pressuposto e o precedente de que não estamos prontos, mas podemos buscar constantemente o sucesso, mesmo que isso não aconteça sempre ou em determinados momentos. Por trás de um dolorido fracasso está a doçura imensurável da superação e do sucesso. Brindar ao fracasso é acima de tudo celebrar antecipadamente o sucesso existente na esperança emergente. Depois de cada “fracasso” tenhamos em mente o pensamento de Santo Antônio Maria Claret, quando iniciou a Congregação dos Filhos do Imaculado Coração de Maria: “Hoje iniciamos uma grande obra”.