Conectados e Exaustos: como a vida digital sequestra a mente, corpo e espírito

ESPECIALISTAS APONTAM QUE A HIPERCONECTIVIDADE ESTÁ ALTERANDO EMOÇÕES, DEBILITANDO VÍNCULOS E CRIANDO UMA GERAÇÃO MARCADA PELA ANSIEDADE E PELO VAZIO INTERIOR

Em um mundo mediado pela tecnologia, a promessa de liberdade digital revela um paradoxo inquietante: nunca estivemos tão conectados e, ao mesmo tempo, tão emocional e espiritualmente esgotados. As telas trouxeram conforto e novas formas de interação, mas também abriram espaço para dependência, solidão e adoecimento emocional, especialmente entre crianças, adolescentes e jovens adultos. Jonathan Haidt, doutor em Psicologia Social e autor de A geração ansiosa, alerta que as redes sociais criaram um “ecossistema de comparação permanente”, com impacto direto na autoestima e no bem-estar.

Para compreender esse fenômeno, a reportagem ouviu especialistas em comportamento, educação, filosofia e espiritualidade. Apesar das abordagens distintas, todos convergem no diagnóstico: quando usada sem consciência, a tecnologia pode se tornar uma prisão psicológica, afetiva e até espiritual. A linha entre uso saudável e dependência ficou difusa e entender esses efeitos é o primeiro passo para recuperar o equilíbrio.

Para o psicólogo e doutor em Filosofia Breno Costa, identificar os limites entre uso equilibrado e uso patológico do celular exige olhar para o contexto atual. Ele explica que a popularização dos smartphones transformou a forma como definimos vício digital: “A partir do momento em que o celular deixa de ser um bem elitizado e passa a ser acessível para a esmagadora maioria, e quando passa a oferecer funções praticamente infinitas, os próprios critérios de patologia mudam”, afirma.

Entre os principais sinais de alerta, Costa destaca o tempo excessivo nas redes sociais e o impacto disso na vida concreta: “Por vezes, as pessoas perdem até mesmo oportunidades de interação social genuína por gastarem muito tempo nas redes sociais”. A ansiedade causada pela ausência do aparelho e a necessidade constante de checar notificações também revelam dependência. Outro comportamento comum é usar o celular como escudo emocional. “A pessoa se esconde ou protege por meio do celular em vez de enfrentar situações com desconhecidos”, explica.

TRANSFORMAÇÕES NA INFÂNCIA, NA JUVENTUDE E NA VIDA ADULTA

Os efeitos do excesso de conexão digital variam conforme a faixa etária. Entre adultos e jovens, predominam a sensação de improdutividade e a comparação constante com influenciadores. “A vida que os influenciadores digitais exibem nas redes é inatingível para a grande maioria e isso gera frustrações irreais”, observa Costa.

Na infância, o impacto assume outras formas. “As crianças adquirem cada vez mais comportamentos e falas estereotipados”, afirma o psicólogo, apontando a influência da exposição contínua a conteúdos digitais.

A migração acelerada da vida social para o ambiente on-line também transformou a maneira como adolescentes constroem identidade, lidam com conflitos e pedem ajuda. Para o pesquisador Jonathan Haidt, autor de A geração ansiosa, crianças e jovens foram submetidos a um experimento emocional inédito, marcado pela dependência da validação virtual. Ao trocar brincadeiras presenciais por horas nas telas, muitos desenvolveram maior sensibilidade ao julgamento, ansiedade social e medo de rejeição, fatores que hoje transbordam para o cotidiano escolar e familiar.

Na prática, sinais emocionais que antes surgiam em conversas ou expressões faciais muitas vezes aparecem agora em publicações vagas, mudanças repentinas de foto ou interações silenciosas nas redes. Essa busca por validação alimenta um ciclo de dependência. “As redes sociais criam um mundo à parte: o dos filtros, das edições, do que é ‘instagramável’”, afirma Costa. Segundo ele, muitos jovens moldam comportamentos para atender a expectativas irreais, afetando a autoestima e distorcendo a percepção de si.

O psicólogo destaca ainda que a dependência digital costuma ser apenas a face visível de questões emocionais mais profundas: “Pode ser uma fuga das experiências penosas associadas à ansiedade e à depressão”. Assim, forma-se um ciclo difícil de romper: a ansiedade leva ao uso excessivo das redes, enquanto o afastamento das telas intensifica o desconforto emocional.

No campo educacional, os efeitos já são evidentes: “O uso de telas formata nosso cérebro para funcionar de determinada maneira”, afirma Costa. Vídeos curtos e conteúdos acelerados reduzem a capacidade de atenção sustentada, enquanto o consumo passivo empobrece a cognição e prejudica o aprendizado. Professores relatam dificuldade crescente dos alunos em manter o foco, interpretar textos mais longos e desenvolver habilidades de análise, competências fundamentais para o pensamento crítico e para qualquer processo formativo.

Além disso, a conectividade excessiva alterou a dinâmica da sala de aula: estudantes mais dispersos, menos tolerantes ao tédio e dependentes de estímulos constantes. Esse cenário exige uma revisão urgente dos métodos pedagógicos e do próprio papel da escola. A educação, antes centrada no diálogo e na reflexão, agora concorre com plataformas que operam segundo a lógica da velocidade e da recompensa instantânea.

Essa mesma lógica de estímulo contínuo tem repercussões que ultrapassam o desempenho escolar. Ela atravessa dimensões mais profundas da experiência humana, afetando a forma como os indivíduos lidam com o silêncio, a presença e a interioridade, elementos essenciais não apenas para aprender, mas para existir também. É nesse ponto que especialistas em espiritualidade observam um fenômeno mais sutil e, ao mesmo tempo, mais grave: o esvaziamento espiritual provocado pela aceleração digital.

O VAZIO ESPIRITUAL: O PREÇO DO EXCESSO DE ESTÍMULOS E A PERDA DO SILÊNCIO

Na dimensão espiritual, a hiperconectividade é vista como uma geradora de um “vazio” que funciona como “fuga da realidade”. O Padre Antônio de Lisboa Lustosa Lopes, mestre em Teologia Prática, reflete sobre o conceito de “exaustão do eu” do filósofo Byung-Chul Han: “Um sujeito hiperativo e conectado, mas incapaz de contemplar”, afirma o padre. Segundo ele, esse estado é provocado não pela ausência, mas pelo excesso de estímulos: “A alma perde o espaço do silêncio, da lentidão e da interioridade, fugindo da realidade concreta para viver em uma ‘presença ausente’”.

A vida espiritual, segundo o padre, nasce da escuta e do silêncio, dimensões ameaçadas pela “aceleração constante”. O perigo é “reduzir a oração a consumo de conteúdos religiosos”. O recolhimento requer “desintoxicação digital” e redescoberta do tempo gratuito, em que “Deus fala não pelo ruído, mas pelo sussurro” (1Rs 19,12).

O doutor em Ciências da Religião Padre Lisboa reforça que o uso intensivo da tecnologia, ao criar mundos paralelos e identidades editáveis, também afeta a forma como jovens lidam com sofrimento, solidão e angústia. Diante do aumento de casos de depressão e ideação suicida, ele afirma que a comunidade de fé (embora não seja um centro terapêutico) tem papel indispensável no acolhimento e na orientação espiritual. “A pastoral precisa cultivar uma espiritualidade do cuidado”, diz, citando o Papa Francisco. A função da Igreja é oferecer presença, escuta e sentido, encaminhando para ajuda profissional quando necessário, mas sem reduzir a dor “a uma falta de fé”.

Para ele, uma espiritualidade madura pode inspirar um uso mais ético da tecnologia: “A técnica deve servir à vida e à comunhão”. Isso significa transformar o ambiente digital em espaço de diálogo e não de polarização, de vínculo e não de vaidade. Trata-se, segundo o padre, de recuperar a “ecologia interior”, integrando razão e afeto, corpo e alma.

Essa integração também passa pela prática de hábitos concretos: jejum digital, tempo reservado para oração ou meditação, participação em comunidades reais e discernimento sobre o que se consome e compartilha. “Cada clique é um ato ético”, afirma. Acima de tudo, é preciso reaprender a habitar o próprio interior: “A tecnologia é instrumento; a alma é casa”.

CAMINHOS POSSÍVEIS: LIMITES, HÁBITOS E RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA

Diante desse cenário, o psicólogo Breno Costa defende estratégias práticas para tornar o uso digital mais saudável. “A literatura científica tem apontado a importância de estabelecer metas”, comenta, destacando limites de tempo e práticas de uso consciente, especialmente em ambientes sociais. Ele faz um alerta: “Se uma pessoa utiliza o celular para escapar do tédio e não tem outras atividades, dificilmente conseguirá abandonar o aparelho”.

Para ele, o desafio ultrapassa o indivíduo. Escola, família e comunidade assumem papéis complementares na formação de uma cidadania digital equilibrada. “A escola pode ser fator de aceleração do processo de melhoria das condições de existência quando for capaz de compreender as mudanças sociais e transformar a si mesma para responder a elas”, conclui.

Na dimensão espiritual, o Padre Lisboa reforça a mesma necessidade de corresponsabilidade. O equilíbrio digital não depende apenas de força de vontade, mas da construção de ambientes que favorecem o silêncio, a presença, o vínculo e o sentido, pilares indispensáveis para a saúde emocional e para o amadurecimento humano.

Por fim, os especialistas convergem: a tecnologia não é inimiga, mas exige limites, consciência e uma reinvenção dos vínculos humanos. O desafio do século XXI é aprender a viver no digital sem perder a profundidade da vida real, aquela que se nutre de encontro, silêncio, corpo, relação e transcendência.

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