Estamos no Tempo Quaresmal. O texto referência é o de João, que nos oferece uma cena de grande significado. O destino de Jesus está traçado, pois os judeus já decidiram que Ele deve morrer. Contudo, no Evangelho de João, Jesus não morre de qualquer maneira; não lhe tiram a vida, mas ele a entrega livremente. Jesus decide ir até às últimas consequências no seu empenhamento pelo Reino de Deus: a entrega da sua própria vida. Assim será glorificado.
Surge o pedido dos gregos que querem ver Jesus: “Chegou a hora”. O texto é uma expressão clara da teologia joanina da glorificação. A paixão é marcada como a hora da glorificação. É a hora da decisão, da crise do mundo. O mundo quer viver de si e para si. Não se dá conta de que é Jesus que, com a sua morte, dá a vida, a salvação. A “hora” de Jesus é também a hora do mundo. Ela mostra que Deus é amor, mas, expõe também o pecado do mundo. É a hora da exaltação, da morte e da glória de Jesus. É a hora do julgamento contra Satanás e também a hora do perdão para todos os que acreditam em Jesus. É a hora em que Deus reúne todos os eleitos em torno daquele que é “exaltado”, pois a vitória e o julgamento ocorrem na cruz de Cristo.
Esse texto é um momento-chave no processo de revelação de Jesus ao mundo. A hora da glorificação está próxima, mas, tem de passar pela cruz. Isso provoca uma crise em muitos dos discípulos, que não querem segui-lo nesse caminho. O Evangelho, rejeitado pelos judeus, passa para os gentios, representados pelos gregos.
O importante e fundamental é ter a consciência de que o discípulo também não está livre do sofrimento e da decisão pessoal. A união com Cristo cria um problema vital. O discípulo não pode salvar sua vida, mas, conserva-a se a entregar. Jesus afirma-o por meio de três frases: o grão que morre para dar fruto, o servo que deve seguir o seu mestre, o sofrimento de Jesus ao ver aproximar-se sua morte e exaltação na cruz.
“Para dar fruto”: João utiliza sempre a expressão “dar fruto” num sentido missionário. Cada pessoa é chamada a fazer uma escolha livre pelo Evangelho. É por isso que Jesus, que na sua vida e morte cumpriu a lei da sementeira, da generosidade e do dom de si, aponta o caminho que todos nós devemos fazer, o mesmo que Ele fez, se quisermos entrar com Ele na vida eterna. Aquele que só cuida de si mesmo e não tem outra preocupação senão salvar a sua própria vida, perde-a, mas, aquele que vive e morre pelos outros, ganha a vida eterna.
“Atrairei todos a mim” (Jo 12,32): a cruz, que em princípio era símbolo de violência, de marginalização, de querer tirar Jesus do meio, torna-se – segundo o evangelista João – uma verdadeira entronização de Jesus, que coloca diante dos olhos de todos aquele que é salvação e bênção para todas as pessoas, para as atrair a si. Não se trata de uma “atração” por curiosidade, mas, por amor. É por isso que nos chama a ser seus discípulos, a ver para além do fato físico da cruz, para ver nele a gratuidade total, o dom total de si, sem reservas. Sua morte não nos afastará, tornar-se-á uma fonte de atração misteriosa, que abre novos sentidos para a vida: uma vida doada que gera vida, uma vida sacrificada que gera esperança e nova solidariedade, nova comunhão, nova liberdade.
Morte que dá vida: poucas frases do Evangelho são tão desafiantes como estas palavras que captam uma convicção profunda de Jesus: “Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, caído na terra, não morrer, fica só; se morrer, produz muito fruto” (Jo 12,24). Com uma linguagem tão clara e poderosa, Jesus deixa claro que sua morte, longe de ser um fracasso, dará fruto à sua vida. Ao mesmo tempo, convida seus seguidores a viverem de acordo com essa mesma lei: para dar a vida é preciso “morrer”. Não se pode gerar vida sem dar a própria. Não é possível ajudar a viver se não está disposto a “entregar-se” pelos outros. Ninguém contribui para um mundo mais justo e humano sem renunciar ao seu próprio bem-estar. Não se trabalha, seriamente, para o Reino de Deus e para a sua justiça se não estiver disposto a correr os riscos e as rejeições, os conflitos e as perseguições que Jesus suportou. Fechar os olhos ao sofrimento dos outros, acreditando que isso nos fará felizes, é um erro. Se o fizermos, o nosso bem-estar tornar-se-á cada vez mais vazio, a nossa religião cada vez mais triste e egoísta. Os oprimidos e aflitos querem saber se alguém se preocupa com sua dor.