Estimado leitor da Revista Ave Maria, começo nossa reflexão mensal de setembro, Mês da Bíblia Sagrada, a partir da revelação, ou seja, é a intervenção primeira de Deus que sai do seu mistério, dirigindo-se à humanidade comunicando-lhe seu desígnio salvífico. A revelação cristã é a automanifestação e a autodoação de Deus em Jesus Cristo na história, como história, com a mediação da história, isto é, com a mediação dos acontecimentos ou gestos interpretados pelas testemunhas autorizadas por Deus, portanto, a revelação cristã é a palavra de salvação anunciada pelos profetas, promulgada pelo Cristo e pregada pelos apóstolos, transmitida à Igreja para ser fielmente guardada e infalivelmente proposta aos homens e mulheres de todos os tempos.
No Antigo Testamento, percebemos a intervenção de Deus na história. Essa potência soberana modifica o curso normal da história e da existência individual. O conteúdo de tal intervenção é a revelação, manifestada em etapas sucessivas: da primitiva até a fixação escrita definitiva.
No Novo Testamento, Deus fala no seu Filho; isso é um acontecimento de capital importância entre as duas alianças. Cristo é o cume e a plenitude da revelação porque fala, prega e ensina o que ouviu do seio do Pai. É a ação, livre e amorosa, pela qual Deus mesmo, numa economia de encarnação, já de alguma forma iniciada do Antigo Testamento, dá-se a conhecer em sua vida íntima e no desígnio amoroso que eternamente formou, de salvar e reconduzir a si todos os homens pelo Cristo.
Na patrística, mesmo os santos padres, não tendo uma pretensão de escrever um tratado sobre a revelação, é um tema onipresente nos escritos patrísticos. A revelação começa a ser chamada também traditio e indica a Palavra de Deus que guia a vida da comunidade.
A revelação é uma realidade óbvia. Todo discurso é sobre Deus que cria, salva e revela. Caráter de “economia” da revelação é progressivo. Ápice é Cristo. Para os apologetas a revelação é necessária para chegarmos a um conhecimento autêntico de Deus incognoscível e transcendente. É pelo logos que se manifesta.
A Idade Média vê a revelação como uma iluminação, que se torna luz para a razão e progressivamente inclina-se a compreender a revelação como um conjunto de doutrinas. A partir do século XVI, a Igreja é obrigada a defender o caráter sobrenatural da revelação. São Boaventura: “ação iluminadora de Deus”. São Tomás de Aquino: “operação salvífica pelo qual Deus, não querendo deixar o homem entregue apenas aos recursos da razão, fornece-lhe todas as verdades necessárias e úteis para a salvação”. Duns Scot: “é a tradição ativa que Deus faz ao homem da doutrina necessária ou útil para salvação”.
A revelação descrita pela Constituição Dogmática Dei Verbum é a verdadeira revelação cristã, em que o seu autor, objeto, centro, mediador, plenitude e ápice é o Cristo. Ela oferece uma base sólida sobre a revelação, tratando dos pontos fundamentais: a posição central de Cristo como Deus que revela e é revelado, a transmissão da revelação e as formas dessa transmissão, relação entre a Sagrada Escritura e a tradição ante a Igreja e o magistério. O objeto da fé é o próprio Deus enquanto revelador.
Sendo assim, devemos acreditar no Deus que revela e fala. Essa relação viva, de pessoa a pessoa, é estabelecida entre Deus e o homem pela fé. Por ela, o homem volta-se para Deus, presta total homenagem de sua inteligência e de sua vontade e assente à revelação. Essa resposta do homem à revelação não é resultado da sua ação humana, mas é dom de Deus, aprofundado pelo Espírito e seus dons. Essa ação do Espírito age internamente para que o homem reconheça a verdade do Cristo. Deve ser um ato livre, ninguém deve ser forçado a abraçar a fé.
A fé é uma resposta à revelação, a um testemunho. É ao mesmo tempo dom pessoal de todo o homem que livremente se entrega a Deus, numa homenagem total de sua inteligência e de sua vontade, livre assentimento à verdade por Deus revelada. Ter como verdade tudo quanto Deus falou, atestou, revelou e agora propõe por sua Igreja. Essa resposta não é puro resultado de uma atividade humana, é dom de Deus, ação da graça. Pela fé, o homem responde ao convite de Deus: dá-se a Ele, deixa-se invadir e dirigir por sua palavra, entra em comunhão de vida com Ele. É um ato humano. A fé é a adesão do homem a Cristo e comunhão de vida com Ele. A fé é primeiramente uma adesão pessoal do homem a Deus e é também, inseparavelmente, o assentimento livre a toda a verdade que Deus revelou.