No dia 18 de novembro do ano de 1965, o Concílio Vaticano II publicou um importante documento sobre a Palavra de Deus, contida nas Sagradas Escrituras, intitulado, em latim, Dei Verbum, a saber, A Palavra de Deus. Trata-se de uma constituição dogmática, um dos documentos mais importantes sobre a nossa fé cristã. Nele encontramos importantes referências aos evangelhos, como a que segue: “Ninguém ignora que entre todas as Escrituras, mesmo do Novo Testamento, os evangelhos têm o primeiro lugar, enquanto são o principal testemunho da vida e doutrina do Verbo encarnado, nosso Salvador” (18).
Esse documento ressalta, antes de tudo, a apostolicidade dos evangelhos, afirmando que “aquelas coisas que os apóstolos, por ordem de Cristo, pregaram foram depois, por inspiração do Espírito Santo, transmitidas por escrito por eles mesmos e por varões apostólicos como fundamento da fé, ou seja, o Evangelho quadriforme, segundo Mateus, Marcos, Lucas e João” (18).
Logo depois, fala do caráter histórico dos evangelhos que “transmitem fielmente as coisas que Jesus, Filho de Deus, durante a sua vida terrena realmente operou e ensinou para a salvação eterna dos homens, até ao dia em que subiu ao Céu (…) com aquela compreensão mais plena de que eles, instruídos pelos acontecimentos gloriosos de Cristo e iluminados pelo Espírito, de verdade gozavam das coisas que Ele tinha dito e feito” (19).
A esse respeito percebe-se, em cada Evangelho, uma leitura particular do “rosto de Cristo” devido a vários fatores, como o tempo em que cada um foi escrito e os primeiros destinatários de cada evangelista.
Quanto ao “rosto”, os evangelhos não oferecem uma descrição física de Jesus, um retrato externo, mas revelam quem Ele é por meio de suas palavras, gestos e atitudes. Assim, o “rosto de Cristo” é sobretudo um rosto teológico e espiritual, reconhecido pela fé.
Quanto ao tempo e aos destinatários, o Evangelho mais antigo foi o de Marcos, escrito depois do ano 60 da nossa era e tendo como destinatários cristãos de origem pagã que eram perseguidos, especialmente em Roma.
A data provável da composição do evangelho de Mateus foi perto do ano 80, tendo como destinatários cristãos de origem judaica.
O Evangelho de Lucas foi escrito provavelmente depois do ano 80 para cristãos de origem pagã vindos do mundo grego.
Por fim, o Evangelho de João foi escrito no fim do primeiro século, mais para comunidades que enfrentavam perseguições e disputas doutrinais, reforçando a identidade de Jesus como Filho de Deus.
Nos próximos artigos será apresentada de maneira mais detalhada a característica de cada evangelista, mas, para introduzir sinteticamente uma visão dos quatro evangelhos indica-se, a seguir, a temática apresentada pelo grande biblista, Cardeal Carlo Maria Martini, quando fez seu ingresso como arcebispo de Milão (norte da Itália) em 1980. Vejam a seguir.
Marcos, que tem apenas dezesseis capítulos, é o evangelista do catecúmeno; Mateus, o mais longo, com 28 capítulos, é o evangelista do catequista; Lucas, com 24 capítulos, é o evangelista missionário; por fim, João, com 21 capítulos, é o evangelista teólogo.
Vamos, então, estudar esses evangelhos que ocupam o primeiro lugar da Bíblia.
*Lino Rampazzo é doutor em Teologia e professor no Curso de Teologia da Faculdade Canção Nova de Cachoeira Paulista (SP).