POR MARIA NOS VEIO A PAZ

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A Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, realizada no dia 1º de janeiro, é a primeira celebração litúrgica mariana da Igreja Ocidental. A festa surgiu em Roma, por volta do século VI, provavelmente junto à dedicação do templo de Santa Maria Antiga. Pinturas de Maria, Mãe de Deus, ou Theotókos, em grego, foram encontradas nas catacumbas romanas onde os primeiros cristãos reuniam-se para celebrar e fugir das perseguições.

A solenidade lembra Maria como mãe de Deus feito homem em Jesus, mas também como figura de paz e amor, pois a celebração acontece no Dia Mundial da Paz. A data foi criada pela Igreja Católica quando, em 1967, o então Papa Paulo VI escreveu uma mensagem com o objetivo de promover o sentimento da paz pelo mundo, então marcado pela Guerra Fria. 

Em 2024, foi escolhido o seguinte tema para o Dia Mundial da Paz: “Inteligências artificiais e paz”. O Papa Francisco pede que se faça “um diálogo aberto sobre o significado dessas novas tecnologias” e se trabalhe, de “forma responsável”, para que esses dispositivos estejam “a serviço da humanidade e da proteção da casa comum”.

MATERNIDADE E DIGNIDADE FEMININA

A figura de Maria é essencial para que os cristãos possam compreender a existência do ser humano. “Como mãe do Filho de Deus, ela concebe em seu seio virginal, pela ação do Espírito divino e sem a colaboração de homem, o Filho de Deus segundo a natureza humana; gerou-o, deu-o à luz, alimentou-o, guardou-o e educou-o. O dogma da maternidade divina de Maria quer ressaltar a humanidade de Jesus que, sendo filho eterno de Deus Pai, encarnou-se em nossa humanidade ao receber de Maria sua natureza humana”, recordou Padre Vitor Galdino Feller, doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, Itália.

Também doutora em Teologia Dogmática pela Pontifícia Universidade Gregoriana, Irmã Maria Freire da Silva, da Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria, observa que a mãe de Deus é também verdadeiramente filha e verdadeiramente irmã. A religiosa salienta que reconhecer Maria como nossa irmã, a filha de Sião, requer o entendimento antropológico como essencial na encarnação do Verbo Divino: o corpo humano a serviço do projeto de Deus e dá carne ao Filho de Deus encarnado. 

O que significa a expressão “filha de Sião”? Dom Aloísio Roque Oppermann explica, em um texto publicado no site da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que se refere a uma parte da cidade de Jerusalém onde moravam os pobres. 

“Maria foi a herdeira e representante do povo eleito. Se os filhos de Abraão não percebem a presença do Messias para nele crer, Maria se torna o lugar da residência divina. Ela deixa de ser apenas uma pessoa isolada para tornar-se coletiva. Ela porta, em sua pessoa concreta, o destino do povo eleito. A mãe do Messias não é uma simples componente da Igreja. Todo o mistério do povo de Deus se encontra nela e tem nela a sua expressão. Por meio de Maria, Sião deu à luz um povo novo. ‘Faça-se em mim segundo a tua palavra’ [Lc 1,38] é a maternidade perpétua”, escreveu Dom Aloísio.

Outro artigo, escrito pela Academia Marial e publicado no site A12, recorda que “A partir da dignidade teológica de Maria de Nazaré, encontra-se a singularidade da mulher contemporânea, a sua essência. Mulher contemporânea humana, casada, que tem filhos ou não, que trabalha em casa e/ou fora; mulher que sofre, que é feliz, que é marginalizada socialmente e economicamente (por ser mulher, ser estrangeira, por prostituição ou vícios), que encontra em Maria de Nazaré um exemplo de vida. Por Maria de Nazaré ser uma mulher do povo de Deus.”

UMA ENTRE TANTAS MARIAS

Segundo o censo realizado no país, em 2010, “Maria”, com 11.734.129 batismos, é o nome mais comum no Brasil. Uma delas é Maria da Paz de Souza Abreu, que tem 70 anos e mora na cidade de Fortaleza, no Ceará. À reportagem, ela disse que seu nome foi escolhido pela mãe, que ouviu pelas ondas do rádio de uma casa em que ela trabalhava uma oração enquanto ainda estava grávida. “Minha família morava no Crato e lá as primeiras ondas de Rádio chegaram por volta dos anos 1950. Ela sempre me contou que, quando escutou aquela oração, enquanto trabalhava, comigo dentro do seu ventre, não teve dúvidas de que aquele seria o meu nome, caso tivesse uma menina. E assim foi”, disse.

A pequena Maria da Paz demorou a entender o significado do próprio nome e só adulta conseguiu compreender toda a força que o nome carrega: “Sou muito orgulhosa e grata pela escolha de minha mãe. Crescemos com muitas dificuldades e com o tempo fui entendendo que também eu devia ser uma pessoa de paz”.

Maria da Paz tem duas filhas, às quais sempre ensinou o valor essencial do perdão e da gentileza. “Vivemos num mundo tão cheio de violência, dores, fome. Sempre que pudermos tratar as pessoas com respeito e gentileza, temos a obrigação de pelo menos tentar. Às vezes, a guerra começa por causa de uma palavra dita na hora errada. Por isso, ensinei às minhas filhas o que fui aprendendo ‘sob duras penas’. Hoje elas também são mães e conseguem distinguir quais são os caminhos do bem. O que sinto, aos 70 anos, é que minha mãe me deu muito mais do que um nome. Ela me deu uma missão”, concluiu. 

EM TEMPOS DE GUERRA

“As guerras são sempre uma derrota”, disse o Papa Francisco no dia 15 de outubro de 2023. Mesmo com tantos avanços científicos e tecnológicos, o mundo vive conflitos e guerras que parecem não ter fim. O conflito entre Rússia e Ucrânia e aquele entre Israel e Palestina e tantos outros que continuam acontecendo pelo mundo são exemplos de situações que provocam a morte de crianças, jovens, mulheres e homens, privados do direito de viver em paz dentro de suas próprias casas. Por isso, mais do que rezar e pedir pela paz, a Igreja Católica busca promover uma cultura de paz. Paulo VI, já em 1968, afirmou que “As disputas internacionais podem ser resolvidas por meio da razão e de negociações baseadas no direito, na justiça e na equidade, sem a necessidade de recorrer às armas ou à destruição”.

Em 1963, durante a Guerra Fria, o Papa João XXIII escreveu a Carta Encíclica Pacem in Terris ou, em português, Paz na Terra. Na encíclica, o Pontífice recordou que a cultura da paz começa com o respeito aos direitos do ser humano: “O ser humano tem direito à existência, à integridade física, aos recursos correspondentes a um digno padrão de vida: tais são especialmente o alimento, o vestuário, a moradia, o repouso, a assistência sanitária, os serviços sociais indispensáveis. Segue-se daí que a pessoa tem também o direito de ser amparada em caso de doença, de invalidez, de viuvez, de velhice, de desemprego forçado e em qualquer outro caso de privação dos meios de sustento por circunstâncias independentes de sua vontade”. No texto, o Papa enfatiza, ainda, que “às mulheres, seja-lhes facultado trabalhar em condições adequadas às suas necessidades e deveres de esposas e mães”. 

Por Maria, Deus começou a fazer parte de um povo. Ela é o ponto de união entre o Céu e a Terra. O Papa Paulo VI assinala a amplidão do serviço de Maria com estas palavras: “Ela é a mulher forte que conheceu a pobreza e o sofrimento, a fuga e o exílio, situações essas que não podem escapar à atenção de quem quiser dar apoio, com espírito evangélico, às energias libertadoras do homem e da sociedade. Apresentar-se-á Maria como a mulher que com a sua ação favoreceu a fé da comunidade apostólica em Cristo e cuja função materna se dilatou, vindo a assumir, no Calvário, dimensões universais”.

Dá- nos, Senhor, aquela paz inquieta
Que denuncia a paz dos cemitérios
E a paz dos lucros fartos.
Dá-nos a paz que luta pela paz
A paz que nos sacode com a urgência do Reino,
A paz que nos invade com o vento do Espírito, a rotina e o medo.
O sossego das praias e a oração de refúgio,
Paz das armas rotas na derrota das armas
A paz do pão, da fome de justiça,
A paz da liberdade conquistada
A paz que se faz nossa sem cercas, nem fronteiras.
Que tanto é shalom, como salaam, perdão, retorno, abraço.
Dá-nos a tua paz!
Essa paz marginal que soletra em Belém
E agoniza na cruz
E triunfa na Páscoa.
Dá-nos, Senhor, aquela paz inquieta que não nos deixa em paz!
(Dom Pedro Casaldáliga, Dá-nos a paz!)

Nayá Fernandes

Jornalista

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