O carisma deste reformador pós-tridentino de vistas largas tinha sido posto em ação para o saneamento de todos os componentes da Igreja, em sintonia com outros santos seus contemporâneos como Filipe Néri, Borromeu e Calasans.
ARREGAÇAR AS MANGAS
Nascido em Diecimo di Borgo em Mozzano, na província de Lucca, atual Itália, em 1541 ou 1543, foi mandado a estudar farmácia naquela cidade, em ebulição pelo fervilhar do Renascimento e pela pregação de Ochino. O jovem Leonardi não se deixou arrastar nem pelo protesto do capuchinho, nem pela vida deleitosa do neopaganismo, mas, brilhante e corajoso como era, conseguiu conquistar a estima de outros jovens; sob a orientação de um padre dominicano, fundou a associação conhecida como dos pombinhos, com o escopo de arregaçar as mangas e, em vez de perder tempo nas discussões, colocar-se a serviço dos pobres, dos enfermos, dos peregrinos e, acima de tudo, ensinar a doutrina católica às crianças.
Entrementes, amadureceu nele o desejo de consagrar-se totalmente a Deus e pediu para ingressar entre os franciscanos, mas estes não o aceitaram. Seu confessor aconselhou-o então a preparar-se para o sacerdócio. João deixou de lado os estudos de farmácia e iniciou os teológicos.
UM REFORMADOR ABSOLUTAMENTE VERSÁTIL
Ordenado sacerdote em 1571, o bispo confiou-lhe a Igreja de São João della Magione, em Lucca. Ajudado por seus pombinhos, instituiu uma escola de catequese para as crianças do bairro, que teve tal sucesso que estimulou o bispo a lhe confiar o ensino da doutrina cristã, primeiramente em todas as igrejas de Lucca e depois naquelas de toda a diocese.
Para atender a essa tarefa, fundou a Companhia da Doutrina Cristã, que admitia leigos e leigas desejosos de dedicar-se à catequese dos pequeninos e dos grandes. Aprovada pelo bispo diocesano e depois pelo Papa Clemente VIII, ela se propagou amplamente, primeiro em Lucca e depois também em Roma e em Nápoles.
Para esses catequistas e para os párocos,Leonardi escreveu um opúsculo que teve muitíssimas edições: Dottrina cristiana da insegnarsi dalli curati nelle loro parrocchie a’ fanciulli della città di Lucca e sua diocesi (Doutrina cristã para ser ensinada pelos párocos em suas paróquias a crianças da cidade de Lucca e sua diocese).
Deu-se conta, porém, de que enquanto os seus catequistas, com o exemplo e com o ensino, não só formavam para a vida cristã fileiras de crianças e de jovens, mas operavam numerosas conversões entre os próprios adultos, não havia sacerdotes preparados para colherem tais frutos com o ministério da Confissão e da direção espiritual. Fundou então a Confraria dos Padres Reformados (1574), que mais tarde (1614) foi aprovada por Paulo V com o nome de Clérigos Regulares da Mãe de Deus.
O VENTO DA PERSEGUIÇÃO
Quando a jovem congregação estava se afirmando e contava entre seus membros também pessoas ilustres, desencadeou-se a perseguição. Alguns clérigos laxistas e outros leigos que detinham o poder político na cidade, sentindo-se ameaçados pela obra de reforma e pela ascendência que o santo conquistava junto ao povo, coligaram-se contra Leonardi. Declararam-lhe a guerra mais desapiedada, chegando até mesmo a privar não somente ele, mas também sua comunidade, do reabastecimento de víveres e forçando-os a pedir esmolas.
Mesmo constrangido a deslocar-se para uma igreja menos central, Leonardi não se rendeu, também porque gozava do apoio do bispo que, nesse meio tempo, aprovava a jovem congregação. Encorajado por esse decreto diocesano, dirigiu-se imediatamente a Roma para obter a aprovação pontifícia.
Os adversários, aproveitando-se de sua ausência, obtiveram dois sucessos contra ele: mediante um decreto, os magnatas da cidade o baniram para sempre de Lucca como perturbador da ordem pública; além disso, algumas más línguas conseguiram semear a divisão não só entre os fiéis, mas na própria comunidade do santo.
Leonardi não se surpreendeu com a sentença injusta dos juízes de Lucca, aos quais pediu em vão que provassem as acusações contra ele, mas sentiu-se profundamente magoado pela ferida causada à nascente congregação pela infidelidade de alguns de seus filhos, ferida que por diversas vezes procurou curar com imensa caridade, porém, sem sucesso.
EM ROMA, PARA TODA A IGREJA
Naquele momento, não era prudente voltar a Lucca e, portanto, permaneceu em Roma. A cidade toscana perdia um de seus melhores apóstolos e a Urbe ganhava um dos mais eficazes colaboradores na reforma eclesiástica já em ação na Igreja. Com efeito, os papas do tempo, apreciando não só a santidade de Leonardi, mas também seus dotes diplomáticos, confiaram-lhe incumbências delicadíssimas e difíceis, nas quais outros prelados não haviam obtido sucesso.
Foi enviado ao reino de Nápoles para resolver uma espinhosa questão do santuário de Nossa Senhora do Arco na diocese de Nola. Resolvida a controvérsia, precisou deter-se por mais tempo na cidade napolitana, porque foi tomado por uma enfermidade.
De volta a Roma, obteve do senado de Lucca, com a mediação do colégio cardinalício, permissão para poder reentrar na sua cidade natal, onde não permaneceu por muito tempo porque Clemente VIII, depois de haver aprovado sua congregação, encarregava-o de outra difícil missão: a reforma da abadia de Montevergine, junto de Benevento.
Com um trabalho longo e paciente de vários anos, Leonardi pôs em dia essa antiga e gloriosa abadia, à qual estavam ligados outros numerosos mosteiros beneditinos da região. Após haver suprimido alguns mosteiros sem número canônico de membros e ter restabelecido a observância em todos os outros, substituindo vários superiores e o próprio abade, trouxe Montevergine de volta a seu verdadeiro papel de centro de espiritualidade beneditina.
Entretanto, Lucca continuava a fazer guerra contra ele. Apenas eleito superior da congregação pela segunda vez, houve uma verdadeira revolta na cidade e ele, por amor à paz, teve de renunciar. O Papa, para demonstrar-lhe sua estima diante dos habitantes de Lucca, nomeou-o visitador apostólico da cidade rebelde. Ao invés de melhorar, a situação piorou, porque Leonardi foi apontado por seus inimigos como um inquisidor e seus religiosos como outros tantos espiões. Sua vida tornou-se quase impossível e alguns, na tentativa de salvar a nascente congregação, afastaram-se das diretrizes do fundador. Ele, após haver feito todo o possível, com uma caridade que sabia esquecer toda injustiça sofrida, no sentido de trazer de volta a harmonia entre os seus, voltou para Roma com o coração despedaçado.
Aí o esperava o encargo de reformar a ordem fundada no monte Vallombrosa e de adequar às exigências tridentinas a dos servitas e das escolas pias. Foi nesse período que conheceu São José Calasans e estreitou com ele uma amizade tão profunda que por vários anos as duas ordens religiosas por eles fundadas permaneceram unidas.
A AJUDA FRATERNA DE SÃO FILIPE NÉRI
Embora Leonardi nunca houvesse perdido a esperança de restabelecer a paz com Lucca, foi-lhe aconselhado abrir uma casa em Roma, onde gozava da estima do Papa e de muitos amigos. A comunidade dos padres reformados, os mais fiéis ao fundador, estabeleceu-se em Santa Maria in Portico e a nova congregação foi posta sob a proteção do Cardeal Barônio. Este, por conselho de Filipe Néri, quis que Leonardi fosse eleito novamente superior-geral, não obstante os protestos inveterados dos habitantes de Lucca, e empenhou-se de todos os modos para favorecer o desenvolvimento da nova fundação.
Eram tempos de grande fervor missionário e Leonardi queria, também ele, enviar alguns de seus filhos a terras distantes, mas São Filipe Néri o desaconselhou, entendendo que a questão mais urgente no momento era buscar consolidação da congregação em Roma. O conselho revelou-se providencial, porque dentro em pouco Leonardi encontrou-se com o sacerdote espanhol G. B. Vives e com ele fundou um seminário que preparasse em Roma os sacerdotes para as terras de missão. Nasceu assim o que mais tarde se tornou o Colégio Urbano de Propaganda da Fé. Essa foi a última obra brotada do coração e da mente de São João Leonardi.
Em 1609, prestando assistência aos doentes de peste, contraiu o mal e morreu a 8 de outubro daquele ano. Sua santidade heroica foi atestada com profunda convicção por São Filipe Néri, por Barônio, por São José Calasans, por Vives e por muitos outros que com ele haviam partilhado anseios e alegrias pela reforma da Igreja. Foi sepultado em Santa Maria in Campitelli e em 1938 foi declarado santo.