Estimado(a) leitor(a) da Revista Ave Maria, o mês de agosto, celebrado pela Igreja no Brasil, é marcado pelas inúmeras expressões vocacionais e conhecido por todos nós como o Mês Vocacional.
Dentre tantos chamados que Deus faz, destacamos a vida sacerdotal, a religiosa, a leiga e a dos catequistas, bem como a vocação matrimonial, isto é, a família compreendida como expressão do amor de Deus.
Nesse caminho de compreensão da família como amor e vontade de Deus que a Semana Nacional da Família no Brasil, de 8 a 14 de agosto de 2021, propõe a máxima “Alegria do amor na família”, em sintonia com a Exortação Apostólica Amoris Laetitia do Papa Francisco, que é fruto de dois sínodos sobre a família e que celebramos cinco anos.
A expressão “vocação” é frequentemente usada e quase sempre indevidamente. É comum identificarmos vocação com tendência pessoal ou profissional. Antes de tudo é bom compreender a vocação não como uma realização individualista, pelo contrário, é ter a sensibilidade de tomar esse chamado em sentido pleno, ou seja, você recebeu um chamado, o rei o mandou chamar, escolheu-o e elegeu-o para um propósito. Sendo assim, deve haver alguém que chama e alguém que é chamado. Portanto, não é simples tendência ou inclinação pessoal, é chamado, e se alguém chama faz isso para algo muito maior.
O chamado que Deus faz para muitos homens e mulheres para construir com eles uma família brota no mais íntimo do ser humano, onde ecoa a voz do Senhor.
A vocação para o Matrimônio está inscrita na própria natureza do homem e da mulher, conforme saíram das mãos do Criador. Deus criou o homem por amor, também o chamou para o amor, vocação inata de todo ser humano, pois o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, que é amor. Esse amor abençoado por Deus é destinado a ser fecundo e realizar-se na obra comum de preservação da criação (cf. Gn 1,28). Assim, o Matrimônio aparece em toda a sua sacralidade como encontro entre homem e mulher, desejado, instituído e santificado por Deus. Por isso, não é criação do homem ou da Igreja, é uma instituição sagrada, divina, que o próprio Senhor pôs na base da construção da humanidade deste mundo.
O homem e a mulher foram criados um para o outro: “Não é bom que o homem esteja só” (Gn 2,18). A mulher, “carne da sua carne”, foi-lhe dada com um auxílio. Por isso o homem deixa seu pai e sua mãe, une-se à sua mulher e eles se tornam uma só carne. Isso significa uma unidade de suas vidas que o próprio Senhor deseja que não seja duas, mas uma só carne (cf. Mt 19,6). Por isso, o casamento não é uma instituição simplesmente humana, mas faz parte da vontade de Deus para a santificação do homem e da mulher.
Todo homem sofre a experiência do mal, à sua volta e em si mesmo. Essa experiência se faz sentir nas relações entre homem e mulher. Sua união sempre foi ameaçada pela discórdia, pelo espírito de dominação, pela infidelidade, pela inveja e por conflitos que podem até chegar ao ódio e à ruptura. Segundo a fé, essa desordem vem do pecado, rompendo com Deus; a primeira consequência foi o despertar da vergonha por sua própria nudez (cf. Gn 3,7), que é sinal concreto da desordem introduzida pelo pecado. Outro sinal da desarmonia foi a acusação mútua (cf. Gn 3,12). Assim, a relação marido e mulher foi golpeada naquilo que deveria constituir o seu fundamento: a unidade e o dom de si.
O projeto original de Deus para o Matrimônio apresenta-se, nesse ponto, invertido: a mulher que era auxiliadora do homem e sua igual torna-se sedutora do homem, que a submeterá para ter filhos. O homem, em vez de ser “jardineiro de Deus”, passa a lutar em busca no pão de cada dia. Apesar disso, a ordem da criação subiste, mesmo gravemente perturbada. Para curar as feridas do pecado, o homem e a mulher precisam da ajuda da graça que Deus, em sua misericórdia infinita, jamais lhes recusou (cf. Gn 3,21). Sem essa ajuda o casal não conseguiria atingir a perfeição da união de suas vidas para a qual foram criados. O homem pecador é chamado por Deus no casamento a vencer os frutos do pecado (a centralização de si, o egoísmo, a busca do próprio prazer), abrindo-se ao outro na ajuda mútua e na entrega do dom de si.
Assim, em virtude do Sacramento do Matrimônio os esposos são colocados em nova condição de vida, em Cristo e na Igreja: condição de aliança que Deus realiza com eles como casal e não mais apenas como indivíduos, completando e especificando a aliança batismal. Essa aliança expressa o compromisso de Deus para com os esposos e cria entre eles laços que não se rompem. Por outro lado, os esposos comprometem-se diante de Deus a viver e a crescer nessa aliança com o Senhor para a construção da Igreja. Para o casal cristão, não há amor humano de um lado e a indissolubilidade e a sacramentalidade de outro, como algo que está fora. Aquele amo, que em si mesmo já implica a indissolubilidade é assumido e consagrado por Cristo no Matrimônio. Nesse sentido, o amor dos dois esposos é assumido no amor de Cristo pela Igreja, por isso, o Matrimônio cristão constitui a afirmação de que, em Cristo, a aliança entre Deus e a humanidade é feita uma vez por todas e é definitiva.
A fidelidade entre os cônjuges é o modo concreto de expressar e manifestar o significado e o alcance dessa aliança matrimonial. Assim, Cristo eleva o Matrimônio à dignidade de Sacramento da nova aliança. Nesse sentido, portanto, o Sacramento do Matrimônio é entendido como vocação familiar, que por sua vez é expressão do amor de Deus.