EDUCAÇÃO AMBIENTAL UNE CATÓLICOS POR MEIO DO TRABALHO DAS PASTORAIS DO MEIO AMBIENTE E DA ECOLOGIA E DA PASTORAL DA ECOLOGIA INTEGRAL E MINERAÇÃO
Desastres ambientais, desmatamento, aquecimento global, violações socioambientais… Temáticas que geralmente estão restritas aos noticiários e integram as pautas de grupos e entidades específicas direcionadas ao tema. Até quando? Uma preocupação mundial e de interesse coletivo não deve ficar limitada, pelo contrário! A conscientização ambiental e o envolvimento com o constante debate fazem parte da obrigação cristã. O cuidado da casa comum é cada vez mais urgente e necessário, por isso a educação ambiental precisa estar em sintonia com outras práticas e discussões dentro da Igreja.
Essa simbiose está mais em evidência nos últimos tempos com a atuação do Papa Francisco, que constantemente chama a atenção para o fato e convida a todos para uma conversão ecológica. “É por isso que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil [CNBB] apoia todas as iniciativas de proteção da biodiversidade, principalmente aquelas que nascem no interior de nossas comunidades católicas. É urgente crescer em nós a consciência de que devemos cuidar de nossa casa comum, doada a nós pelo Criador, para que nela sejamos irmãos e irmãs”, afirma Dom Vicente Ferreira, secretário da Comissão Especial para a Ecologia Integral e Mineração (CEEM).
A urgência da pauta, especialmente no Brasil, fez com que em 2017 a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil criasse um grupo de trabalho sobre mineração. Em 2019, essa experiência foi instituída como comissão especial, composta por um grupo de bispos, assessores religiosos e leigos. De acordo com Dom Vicente, as tragédias ambientais e humanas que ocorreram em Mariana, em 2015, e em Brumadinho, em 2019, ambas em Minas Gerais, impulsionadas pelo rompimento de barragens provocadas, sobretudo, pela irresponsabilidade da empresa Vale, reforçaram a convicção da dominação de um colonialismo destruidor.
Em Mariana foram dezenove pessoas mortas e toda a bacia do rio Doce contaminada. O acidente em Brumadinho resultou em 272 vítimas fatais e a destruição da bacia do rio Paraopeba. “Percebemos que a nossa missão seria ajudar a Igreja e a sociedade brasileira a percorrerem caminhos de conversão ecológica. É por isso que nossa comissão tem assumido esse lugar de presença solidária junto aos atingidos. Seja nos congressos, romarias, encontros, caravanas promovidas pelo povo de Deus, seja no debate público com lideranças políticas locais, estaduais, nacionais ou internacionais. Assim, gritamos contra as violências do sistema e ajudamos a fortalecer alternativas de vida, como a agroecologia, o ecoturismo, a cultura e religiosidade dos povos originários e dos quilombolas”, reforça Dom Vicente.
A Comissão Especial de Ecologia Integral e Mineração da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil presta vários serviços ao povo de Deus, principalmente às vítimas da mineração e de outras violações socioambientais. “Denunciamos as feridas dos pobres e da terra e anunciamos a ecologia integral. Estreitamos relações com organismos da Igreja no Brasil, como Rede Eclesial Pan-Amazônica [REPAM], Conselho Indigenista Missionário [CIMI], pastorais sociais e outros atores, favorecendo uma crescente consciência do que nos pedem os documentos fundamentais como a Carta Encíclica Laudato Si’ e a Exortação Apostólica Querida Amazônia”, explica o religioso.
Com o trabalho in loco, apoiam-se cada vez mais comunidades que solicitam uma presença profética em nome do Evangelho da vida. “No Brasil são muitas as violações dos direitos humanos e da natureza. Comunidades como no norte de Minas Gerais, vale do Ribeira (SP), yanomami, em Roraima, o povo ka’apor, no Maranhão são alguns dos exemplos de interpelações que recebemos para um acompanhamento próximo”, lista Dom Vicente, antes de complementar: “Além disso, auxiliamos vários bispos nas demandas que surgem em suas dioceses, produzimos materiais formativos, programações para Semana Laudato Si’, Tempo da Criação, entre outros”, diz ele, que promove reuniões mensais para garantir a realização da missão.
Nos municípios de Mariana e Brumadinho deu-se a presença eclesial a partir do amparo espiritual até a luta política com o intuito de garantir a narrativa das comunidades atingidas diante da opressão das mineradoras. “Ao longo dos últimos quatro anos acompanhei os ritos, as reuniões, as romarias. Não é fácil, num trauma tão violento, transformar luto em luta. É mais fácil trilhar o caminho do esquecimento, do não se implicar com a situação. Digo que minha missão me exigiu uma particular conversão pastoral. É preciso estar no meio do povo e acreditar na sua força. Um verdadeiro missionário de Jesus não se preocupa em conquistar multidões, mas em ajudar as pessoas a tomar consciência das situações de escravidão e fazer opções pela sua própria libertação”, acredita Dom Vicente.
Foi por meio dessa convicção que nasceram os coletivos, as redes, as vozes que lutam contra a opressão. “Para nós, cristãos, é uma responsabilidade de fé cuidar do mundo e é pecado se somos indiferentes à sua destruição. Em nossas liturgias e catequeses, devemos trabalhar essa questão da ecologia integral não como mais um ponto no meio de tantos. Ela é uma dimensão transversal que tem a ver com todas as outras coisas”, diz o religioso.
O Papa Francisco tem sido a grande voz profética da ecologia integral neste século XXI. Para Dom Vicente, as orientações do Santo Padre são claras: “Primeiro, ele nos mostra que vivemos uma grave crise socioambiental e não é possível querer ter um corpo saudável em um planeta doente. Questões como aquecimento global e poluição da água têm raízes humanas, por isso mesmo, apresenta-nos caminhos para outra cultura, do cuidado da casa comum, da amizade e da fraternidade universal. São inúmeros seus documentos, discursos, falas que nos orientam nesse sentido. Ele tem falado com os líderes mundiais e com muitos grupos sobre os dramas socioambientais”.
No Brasil, especialmente na região Centro-Oeste, as iniciativas para uma maior atenção à situação ambiental evoluíram para a criação da Pastoral da Ecologia Integral, da Arquidiocese de Cuiabá, no Mato Grosso, em 2012. O objetivo principal da pastoral é “Evangelizar, integrar e promover um melhor cuidado com a casa comum, seguindo os passos de uma Igreja sinodal, samaritana, profética, com opção preferencial pelos pobres, por meio de ações sociotransformadoras, reduzindo a degradação ambiental, urbana e rural, promovendo um novo modelo de estar e viver no mundo”.
Articulador da Pastoral da Ecologia Integral (PEI) em Cuiabá, o sociólogo e professor fundador, titular da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Juacy da Silva, é voz ativa na luta pelos direitos dos povos e conservação do meio ambiente. Ele lembra que até então não existia nenhuma Pastoral da Ecologia Integral (atualmente são duas, em Cuiabá e em Macapá, no Amapá) e que o movimento começou em 2020, durante a pandemia, com reflexões a partir da temática sobre a Igreja e os desafios da ecologia integral no Centro-Oeste. Na atual estruturação da Pastoral da Ecologia Integral, Juacy opera como assessor especial da Arquidiocese de Cuiabá, enquanto o Padre Deusdedit Monge de Almeida é o orientador espiritual.
A visita a paróquias para troca de experiências e indicação de novos agentes para promover e integrar os núcleos ecológicos paroquiais são ações primordiais neste mês de junho. “O tema dessa formação será ‘Espiritualidade ecológica’. Vamos discutir tópicos relacionados à Laudato Si’, Fratelli Tutti, Querida Amazônia, Documento de Santarém 50 anos e pontos para ação futura em 2023 e 2024”, afirma Juacy. O sociólogo também lembra a orientação do Papa contida na Encíclica Laudato Si’ e em seus diversos pronunciamentos como a base nos três “Ts”: terra, teto e trabalho.
Além disso, outra forma de expandir a conscientização nas paróquias seria utilizar as datas que já constam do calendário ecológico/ambiental, como Dia da Terra, da Árvore, da Água, entre outras, nas homilias e eventos da Igreja para despertar os fiéis ao longo do ano. A participação da Igreja em ações oficiais junto aos conselhos municipais e estaduais do meio ambiente, além dos comitês de bacias hidrográficas, também ajuda nas lutas populares em defesa de aspectos concretos da realidade ambiental. “Recentemente, participamos de uma mobilização popular contra a construção de seis barragens no rio Cuiabá que, se erguidas, teriam impactos negativos tanto na bacia do rio Cuiabá quanto na do Pantanal. Houve um ato ecumênico/inter-religioso do qual também participaram diversas organizações sindicais e ambientais”, recorda o sociólogo.
Para ele, considerando as obras e o tempo da criação, as bases doutrinárias e bíblicas, todas as pessoas, cristãs ou não cristãs, têm a obrigação e a responsabilidade de melhor cuidarem da casa comum: “A omissão em relação às questões ambientais representa um pecado, o pecado ecológico, razão pela qual precisamos estimular as pessoas à conversão ecológica para atingirmos a cidadania ecológica”.
Ele afirma ainda que é necessário colocar em prática as ações e que para isso a doutrina nas arquidioceses e dioceses precisa de uma organização e alinhamento com a Pastoral da Ecologia Integral, que é um instrumento concreto e permanente: “É necessário atuar de forma integradora e transversal para que em todas as paróquias e comunidades católicas a questão da ecologia integral seja parte do dia a dia das atividades da Igreja”, ensina.