Castidade: uma nova cultura a ser edificada⁴

Se a castidade é um modo de abraçar e integrar a sexualidade, isso vale para todas as pessoas, independentemente de estado civil, sexo, gênero e orientação sexual. Os diversos estados de vida e as diversas condições em que as pessoas vivem podem exigir uma expressão diferente da sexualidade e, consequentemente, da castidade, mas em nenhum estado e em nenhuma condição de vida ela pode ser desprezada como se não existisse ou não tivesse importância. A tarefa de cada pessoa, que se converte em imperativo ético-moral, é descobrir o modo mais autenticamente humano de viver a sexualidade e buscar a devida integração. Isso significa que nenhum estado ou condição de vida, por si só, pode ser considerado como expressão de uma castidade autenticamente vivida. 

Não podemos ignorar, por sua vez, a existência de relações que carecem de qualquer perspectiva de estabilidade, exclusividade e compromisso e que muitas relações sexuais se caracterizam, portanto, por serem casuais e ocasionais. Por tendermos a pensar a moralidade em termos de tudo ou nada, sentimos dificuldade em admitir que, mesmo em contextos distantes do ideal proposto, pode haver alguma qualidade e até mesmo alguma bondade moral. O fato de que, em alguns contextos, a virtude da castidade não comporta a integridade da pessoa e a integralidade da doação como ideais morais não significa que ela não pode ajudar a pessoa a realizar algum bem possível naquela situação concreta e, desse modo, constituir o ponto de partida mais conveniente para que, amanhã, seu significado mais pleno seja alcançado.

Na prática, a virtude da castidade, mesmo não significando a integração da sexualidade na personalidade ou no próprio projeto de vida, pode implicar o compromisso ético de não introduzir nenhum tipo de mal na vida do outro, não tirar vantagem de situações caracterizadas pela desigualdade entre as pessoas, não tratar o outro como meio de satisfação de interesses pessoais, não atribuir a um gesto o significado que ele não tem, não esperar da relação o que ela não pode dar, nem mais do que o próprio relacionamento promete, não se submeter a qualquer tipo de violência física, psicológica, social ou moral. Numa linguagem positiva, a virtude da castidade implica estar genuinamente presente na relação, evitar comportamentos irresponsáveis, poder retirar o consentimento dado quando o gesto se torna uma mentira, desistir de um relacionamento que não é caracterizado pelo respeito no modo de abordar o outro, evitar fazer mal a si e ao outro, decidir não mentir para si e para o outro, opor-se a tudo o que fere a dignidade e atenta contra os direitos das pessoas envolvidas na relação. 

É inegável que tudo isso não assegura a qualidade de qualquer relação, mas é também inegável que tudo isso garante “um mínimo de dignidade humana em situações em que o significativo é apenas mínima ou parcialmente realizado” e isso não deveria ser subestimado. O esforço de assumir o bem que pode ser feito e evitar o mal que poderia ser feito é virtuoso em si mesmo. A castidade pode começar significando “honestidade no sexo” até que a pessoa tenha condições de colocar também o sexo a serviço do amor. A honestidade, por si só, não garante um relacionamento significativo, mas ela não deixa de ser uma expressão de amor.

Urge, no processo educativo e/ou formativo, passar do foco posto no tipo ou no nível de intimidade sexual apropriado para o foco das disposições que capacitam as pessoas a iniciar e sustentar relacionamentos de intimidade que sejam psicologicamente saudáveis e humanamente significativos. Trata-se de passar de uma abordagem sobre atos para uma abordagem sobre processos. O que a pessoa se torna por meio das escolhas que faz deve vir antes da discussão sobre o que é certo ou errado, lícito ou ilícito, bem ou mal, desejável ou possível; só assim será possível compreender que a castidade é um chamado dirigido a todos, um chamado para todos se realizarem no amor por meio de relações qualitativamente significativas, que todos “qualifiquem” suas relações integrando-as num projeto de vida que tenha o amor como seu significado mais profundo, que todos sejam castos, independentemente de viverem em contextos ideais ou mais ou menos caóticos. 

Tendo presentes tais elementos, resulta claro que castidade não tem nada a ver com negação ou repressão da sexualidade. Não é casto quem nega a sexualidade e/ou o desejo sexual, mas quem se empenha para assumi-los de maneira libertadora. Em outras palavras, o objetivo visado pela integração da sexualidade e, consequentemente, pelo autocontrole, pela autodisciplina e pelo ascetismo que tal integração requer, deve ser eminentemente positivo: favorecer um modo de ser transparente e, portanto, que leva a pessoa a viver de modo autenticamente livre. A pessoa casta não é aquela que, necessariamente, priva-se do prazer sexual, mas aquela que está genuinamente presente em toda relação, que é capaz de estar toda inteira no que faz, que consegue ficar só sem se sentir só, mas “habitada” por si, pela presença dos outros e por Deus, que consegue viver a unidade entre ser e agir, que se empenha em viver uma santidade adequada ao seu estado de vida e à sua identidade sexual. Ser casto e ser casta é procurar viver a própria sexualidade com a responsabilidade de quem, por meio das escolhas que faz, quer ser mais gente, crescer em humanidade.

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