Afonso tinha apenas 13 anos, Teresinha somente 5, quando os respectivos pais combinaram o futuro Matrimônio dos dois. Estavam certamente convencidos de que não interferiam na livre escolha dos filhos, mas que apenas providenciavam para eles um futuro feliz. Enquanto isso, ocorria que o rapaz ia bem nos estudos e a menina estudava no educandário das carmelitas do Santíssimo Sacramento.
Porém, as coisas foram acontecendo de modo totalmente diverso, porque os dois interessados, mesmo se conhecendo desde pequenos – eram primos e as duas famílias se visitavam –, tinham aspirações bem mais altas do que as dos progenitores de ambos. Teresa, de pleno acordo com Afonso, rejeitou a primogenitura com todas as honras do mundo dos nobres e, aos 15 anos, entrou para o convento no qual havia crescido e estudado. Afonso escreverá sua vida e confessará aos amigos afirmando que foi por sua causa que a pequena noiva escolheu o amor maior.
Num tempo em que os filhos mais novos eram constrangidos a procurar nos conventos ou na carreira eclesiástica os meios de ganhar a vida e fazer o seu pé-de-meia, deixando intacto o patrimônio familiar para os primogênitos, Deus, às vezes, brincava, e brinca, com os homens e chamava, e chama, para si os primogênitos.
Para Afonso, o futuro se apresentava humanamente róseo. O pai José era oficial superior da Marinha militar e a mãe, Ana Cavalieri, filha dos marqueses de Avenia, mulher profundamente religiosa e bem-instruída.
MENINO PRODÍGIO
No dia 27 de setembro de 1696, Ana Catarina Cavalieri deu à luz o primogênito e, três dias depois, segundo costume napolitano, fizeram uma grande festa no palácio. Juntamente com tantos nobres foi convidado também o jesuíta Francisco de Gerolimo, que gozava de fama de santidade em todo o reino, era conhecido e muito estimado na família de Liguori, sendo também o capelão das galeras régias. O homem de Deus felicitou os pais, depois se recolheu em oração ao lado da criança, abençoou-a, tomou o menino em seus braços e, voltando-se para a mãe, disse: “Este menino viverá até a velhice, não morrerá antes dos 90 anos: será bispo e fará grandes coisas por Jesus Cristo” (Rey-Mermet, T. Il santo del secolo dei lumi, Alfonso de Liguori. Roma, Città Nuova Editrice, 1983, p. 54. Todas as outras citações – ressalvadas com aspas – são tomadas dessa obra).
Um elogio aos pais ou uma profecia? A mãe conservou no próprio coração aquelas palavras, que lhe serviriam de grande luz para entender a vida do filho; o pai não se importou, pois o seu Afonso era o primogênito e, segundo a tradição, ele teria um destino bem diferente.
Depois do primeiro filho vieram outros sete, somando quatro homens e quatro mulheres. A mãe pessoalmente cuidou da educação dos filhos, enquanto que o pai, sempre vivendo fora de casa devido aos seus deveres no serviço militar, estava bem presente com a autoridade paterna. Por 33 anos Afonso experimentou a dura disciplina
A nenhum dos filhos faltou o necessário, como exigia a nobreza do casal, mas os maiores privilégios eram obviamente reservados ao primogênito. Ele correspondia acima de toda expectativa. Aos 7 anos, segundo o costume local, os filhos deixavam a educação materna para serem educados no colégio.
Para Afonso, os pais preferiram chamar os melhores mestres em casa. Os gastos eram maiores, mas o proveito estava assegurado e não havia o perigo de o menino se contaminar com as más companhias.
Com esse método e devido à sua inteligência extraordinária, aos 12 anos Afonso já estava preparado para ir para a universidade. Tinha aprendido grego, latim, francês e espanhol. Ainda não se estudava, naquele tempo, o italiano, mas ele quando adulto criou com os seus escritos “uma língua italiana popular, acessível a todos, capaz de chegar até as casas mais singelas”.
O pai, percebendo a sua especial inclinação para a música, contratou um mestre particular de grande valor, Gaetano Grieco. Era um período florescente para a música em Nápoles, cuja escola tornou-se famosa em toda a Europa. Não é sem razão que ali nasceu o primeiro conservatório musical, assim chamado porque era o lugar onde eram acolhidos os meninos cantores da cidade, que, canoros por natureza, transformaram os conservatórios em “gaiolas de rouxinóis” e logo depois em verdadeiras escolas de música, onde se ensinava impostação de voz, harmonia, composição e o uso de todos os instrumentos.
Afonso, como de costume, não podia se misturar com os meninos cantores, ele teve lições particulares, tornando-se perito em cravo, e sempre tomava parte dos concertos que os nobres organizavam em Nápoles, para grande satisfação de seu pai, ao apresentar ao público “o menino prodígio” antes e depois advogado e artista.
Além de música, Afonso cultivou todas as ciências do seu tempo e teve a possibilidade de conhecer as obras de Copérnico, Descartes, Pascal e Newton.
Alguém poderá até perguntar se esse pobre rapaz teve talvez tempo e possibilidade de brincar. Sem falar da alegre algazarra com os irmãos e irmãs, frequentemente engrossada pela presença de primos e primas, Afonso e seus irmãos tiveram a ventura de frequentar o Oratório, criado em Nápoles quando ainda vivia São Filipe Néri. Nesse ambiente não só brincavam, mas assimilavam a espiritualidade de São Filipe, que apresentava uma visão alegre de Deus, bem concordante com aquela já recebida da mãe na casa paterna e bem diferente da autoritária inculcada pelo comportamento paterno.
ADVOGADO AOS 17 ANOS
Para entrar na universidade era preciso fazer um exame de admissão e o examinador de Afonso foi o famoso Giambattista Vico, que interrogou e escutou com interesse o rapaz, nomeando-o bacharel e dando-lhe autorização para iniciar os estudos universitários. Quanto à escolha do curso a ser feito, quem decidiu foi o pai: estudaria Direito, que lhe asseguraria uma posição de destaque entre os notáveis do reino.
Em janeiro de 1713, após ter recebido a dispensa real por não ter ainda completado os 20 anos exigidos pela lei – tinha somente 17 anos incompletos –, foi declarado doutor em Direito Eclesiástico e Civil com o máximo dos votos, três. Fizeram-lhe vestir a toga longa que chegava aos pés e lhe colocaram no dedo o anel doutoral. Em seguida, um ato religioso, onde se sentiu bem à vontade: o juramento de professar e ensinar a doutrina da imaculada conceição de Maria, uma verdade de fé nesse tempo ainda não definida como dogma.
Enquanto não completou os 18 anos de idade, não pôde exercer a advocacia, mas, aproveitou esse tempo para aperfeiçoar seus estudos jurídicos e históricos. Em 1715, iniciou com muito sucesso a atividade forense, sem jamais perder uma causa e conquistando, em 1718, a nomeação de juiz do Regio Portulano de Nápoles e, mais tarde, a nomeação de embaixador do vice-rei.
Tudo ia de vento em popa quando, em 1723, perdeu uma causa importante. Mais uma vez percebeu as cavilações dos advogados, que conseguem condenar quem tem razão, e vice-versa. A sua aversão à falsidade no fórum, revestida de justiça aparente, tornou-se tão visceral que ele jurou em seu íntimo que jamais colocaria os pés no tribunal. Voltou definitivamente as costas ao mundo e decidiu consagrar-se unicamente a Deus.
SACERDOTE, MAS EM FAMÍLIA
Quando comunicou a decisão ao velho lobo-do-mar, seu pai, que nele havia colocado todas as suas esperanças, foi verdadeiramente um Deus nos acuda. “Peço a Deus” – respondeu o pai – “que me tire ou que tire você deste mundo, porque eu não tenho mais vontade de te ver”. Ele se dirigiu a todas as pessoas que tivnham alguma influência ou algum jeito de fazer o filho voltar atrás em sua decisão; não conseguindo realizar o seu desejo, acabou aceitando-o com uma condição: seu filho podia tornar-se sacerdote, mas do clero secular, para assim permanecer em casa.
Não era isso que Afonso desejava, mas era-lhe também impossível declarar guerra a seu pai. Logo iniciou os estudos teológicos sob a orientação do melhor mestre, Júlio Torni. Foram três anos preciosos, nos quais mergulhou de mente e de coração nos estudos de Teologia. Em Dogmática, conheceu a fundo Tomás de Aquino; em Moral, foi-lhe colocado nas mãos o texto de François Genet, que tinha ainda sabor do rigorismo jansenista. Mais tarde, Afonso dirá, a esse respeito, ter entendido que “a doutrina rígida não tinha senão poucos mestres e poucos discípulos, uns e outros entregues mais à especulação do que ao ministério do confessionário”. Para a Sagrada Escritura foram seus autores preferidos Maldonado, Roberto Belarmino, Cornélio e Lapide.
O seu mais delicioso alimento depois da Bíblia eram os santos padres e a vida dos santos. Gostava de repetir: “Os santos são o Evangelho vivido”. Leu as obras de Santa Teresa de Ávila e de São João da Cruz e ficou com elas tão impressionado que as releu várias vezes, citando-as continuamente em suas obras. Escolheu Santa Teresa como sua segunda mãe, depois de Maria.
Outro santo que teve profunda influência sobre ele foi Francisco de Sales. Quando ainda era clérigo, fez parte da associação sacerdotal das Missões Apostólicas, um grupo de padres diocesanos da catedral de Nápoles, e foi escolhido como modelo de vida desse santo tão próximo do coração napolitano. Nele Afonso encontrou um homem gentil, advogado, missionário e bispo, modelo para ser imitado por toda a vida; parecia que o tinha precedido para lhe dar o exemplo.
Ordenou-se sacerdote com a idade de 30 anos e ainda dependendo economicamente da família; não havia recebido do pai a veste talar com a desculpa de que não havia dinheiro em casa, mas na verdade porque o pai não queria vê-lo vestido como um simples padre. Afonso não desanimou, conseguiu uma velha batina abandonada na rouparia dos pobres, deixada por algum padre que tivesse passado a melhor vida.
Quando apareceu em casa assim vestido, o pai deu um urro, afastou-se e durante um ano inteiro não falou com ele. A mãe, que havia compreendido a vocação do filho, servia de mediadora, colocando-se como amortecedor entre os dois, mas o marido não concordava.
NO SUBMUNDO DE NÁPOLES
Antes ainda de tornar-se padre, Afonso, como outros nobres de Nápoles, visitava assiduamente os doentes e os mais pobres, mas vestido de cavaleiro e levando consigo um lacaio. Como sacerdote, não tinha ninguém de guarda-costas, podia sair livremente e entrar no submundo da cidade, onde habitavam os pescadores, comerciantes, artesãos, batedores de carteiras, contrabandistas, saltimbancos, crianças esfarrapadas e mulheres atarefadas em milhares de coisas. Um mundo incrível, um formigueiro humano, que apesar da miséria conseguia ainda sorrir.
Afonso escolheu como seu campo predileto de apostolado aquele local que era considerado a escória do povo napolitano e, depois de estabelecer com esses pobres marginalizados da periferia uma relação de amizade profunda, ao som do Angelus no fim da tarde, levava-os para uma pequena praça um pouco mais tranquila e ali lhes falava de Deus.
Pouco a pouco, os seus discípulos aumentaram em número e aos seus marginalizados juntaram-se também alguns sacerdotes, igualmente desejosos de aprender a pôr em prática as palavras do Evangelho.
Entre os leigos sobressaíam algumas pessoas, como Pedro Barbarese, um verdadeiro malandro de 26 anos, solteiro, professor dos meninos cantores de rua: tornou-se discípulo de Afonso e passou a recolher a molecada da rua e lhes ensinava o Catecismo; Lucas Nardone, expulso do Exército, salvo da forca: depois de ter ouvido Afonso, esse “cabresto dos condenados” – escreveu Tannoia – “tornou-se, em seguida, um funículo de caridade muito mais adaptado para atrair as pessoas a Jesus Cristo”. A lista poderia continuar sem fim: Afonso tinha os mais íntimos colaboradores entre os miserandos e marginalizados do submundo e eles revelaram-se os melhores apóstolos daquele ambiente.
Todas as noites, com palavras simples, falava-lhes a respeito de Jesus, do seu amor pelas pessoas, ilustrando uma página do Evangelho e encorajando-os a colocá-lo em prática. Depois, deixava que fizessem perguntas ou que falassem a respeito de suas vidas. Ele mesmo contava coisas interessantes da própria vida, e dos santos, intercalando isso com cantos e orações, sem levantar muito a voz para não perturbar o silêncio público.
Uma noite, um artesão contou que, para fazer penitência, alimentava-se somente de ervas cruas. Afonso interveio para moderar-lhe o zelo, dizendo-lhe que não podia imitar os santos da Tebaida, pois tinha necessidade de forças para trabalhar em serviços pesados, para conseguir o que dar de comer para a família. Um sacerdote ali presente acrescentou, em tom de brincadeira, que, quando houvesse oportunidade de comer quatro costeletas, não devia rejeitá-las. Essa última frase a respeito das costeletas difundiu-se por toda Nápoles e Afonso foi acusado de promover uma seita de sibaritas, prontos a organizar orgias e rebeliões. O cardeal ficou sabendo e comunicou ao governador da capital. Um policial introduziu-se no grupo para descobrir talvez alguma conspiração contra o reino, mas não conseguiu compreender quase nada e contou que havia coisas boas (aquelas que Afonso dizia) e coisas ruins (aqueles pobres esfarrapados que o escutavam).
O governador ordenou uma captura geral, mas Afonso, tomando conhecimento do que ia acontecer, avisou os seus ouvintes a não saírem de suas casas até nova ordem. Todavia, alguns que vinham de longe, não tendo recebido a comunicação em tempo, chegaram pontualmente ao encontro daquela noite e, em vez de Afonso, encontraram os policiais, que os detiveram e os levaram para o cárcere.
Na manhã seguinte, interrogados diante do juiz eclesiástico sobre a conspiração que articulavam todas as noites na praça Stella, unanimemente responderam que, sendo pobres ignorantes, iam ali para instruir-se com Padre Afonso sobre os deveres dos bons cristãos. O juiz, sendo pessoa de bom senso, viu tudo se esclarecer prontamente, mas, na Nápoles das pessoas bem pensantes, já se havia criado a psicose das seitas turbulentas e o Cardeal Pignatelli, mesmo apreciando o bem que Afonso fazia aos pobres, achou mais prudente proibir essas reuniões noturnas nas praças.
Decisão providencial. Afonso autorizou os seus vários discípulos, tais como Barbarese e Nardone, a reunirem o próprio grupo nas suas casas. Surgiam dessa forma muitas pequenas comunidades que não despertavam a atenção da polícia.
Quando o cardeal ficou sabendo, agradeceu a Deus e abriu para eles as portas das igrejas e capelas. Desde então, esses encontros, mantidos por leigos e de vez em quando visitados por Afonso, foram chamados “capelas noturnas”.
Aprendiam aí a viver o Evangelho muito melhor que em todos os nobres salões napolitanos. Encontrarem-se nas igrejinhas domésticas do próprio bairro, ao som do Angelus, permitiu a participação também das mulheres e crianças: era a pequena comunidade cristã que se reunia para escutar a Palavra, para orar e para resolver juntos os próprios problemas.
No momento oportuno, vinha também o sacerdote para as confissões e pela manhã, bem cedo, a celebração eucarística. “As capelas noturnas foram movimento de educação de base, de melhoria social e moral: ajuda mútua e partilha de bens entre os pobres; economia nos gastos com jogos, comilanças, bebedeiras e devassidão, onde antes se gastava o pouco dinheiro da casa; nova consciência profissional em milhares de empregados domésticos, artesãos, operários e comerciantes; o trabalho em vez de roubos; oração do rosário e opúsculos de meditação sobre as máximas eternas ou a paixão de Jesus Cristo que substituíam os punhais e armas entregues aos confessores”.