O Livro de Marcos (cf. 12,38-44) relata a parte final das atividades de Jesus em Jerusalém (cf. Mc 11,1-12,44). Foram dias cheios de conflitos: a expulsão de dois mercadores do templo (cf. Mc 11,12-26) e as discussões com as autoridades (cf. Mc 11,27-12,12), com os fariseus, os herodianos, os saduceus (cf. Mc 12,13-27) e com os doutores da lei (cf. Mc 12,28-37). O texto de hoje (cf. Mc 12,38-44) nos apresenta uma última palavra de Jesus sobre o mau comportamento dos doutores da lei, respeitados como autoridades religiosas e jurídicas, porém, Jesus denuncia suas práticas como sendo mais voltadas para a aparência do que para a verdadeira justiça (cf. Mc 12,38-40) e uma palavra de aprovação do bom comportamento da viúva. Jesus chama a atenção dos discípulos para o gesto de uma viúva pobre e ensina-lhes o valor da partilha (cf. Mc 12,41-44).
Nos primeiros quarenta anos da história da Igreja, dos anos 30 aos anos 70, as comunidades cristãs eram compostas, principalmente, por pobres; logo depois se juntaram outras pessoas mais ricas. As tensões sociais também começaram a aparecer na vida das comunidades. Essas divisões surgiram, por exemplo, quando as comunidades se reuniam para a ceia (cf. 1Cor 11,20-22) ou quando havia uma reunião (cf. Tg 2,1-4), por isso, o ensino do gesto da viúva foi relevante para eles, pois Jesus compara o comportamento dos ricos com o comportamento dos pobres.
Jesus elogia uma viúva pobre porque ela sabe compartilhar mais e melhor do que todos os ricos. Ele redefine o valor das ofertas com base na proporção do sacrifício, não na quantia absoluta. Tudo o que tinha, todo o seu sustento: o gesto da viúva é de total dependência de Deus. Ela entrega tudo o que tinha para viver, contrastando com os ricos que deram do que lhes sobrava.
Muitas pessoas pobres, hoje, fazem a mesma coisa. De um lado, os ricos que têm tudo e, de outro, os pobres que não têm quase nada para partilhar e, ainda assim, partilham o pouco que têm.
A viúvas eram geralmente pobres e vulneráveis, sem meios de sustento. Sua condição torna seus atos ainda mais notáveis.
A crítica de Jesus aos escribas é dura porque, em vez de apontar as pessoas para Deus, eles chamam a atenção das pessoas para si mesmas, buscando sua própria honra. Eles gostam de “andar com roupas largas” buscando a reverência das pessoas. Nas sinagogas e banquetes, eles buscam “os assentos de honra” e “os primeiros lugares”. O que mais chama a atenção é que, embora pareçam ter uma fé profunda em suas “longas orações” em público, eles se aproveitam de seu prestígio religioso para viver à custa das viúvas, os seres mais fracos e indefesos de Israel, de acordo com a tradição bíblica. Jesus deixa isso claro para a multidão e os discípulos para que não sigam ou imitem seus líderes.
O gesto passou despercebido a todos, mas não a Jesus. Essa viúva destaca a religião corrupta dos líderes religiosos. A pobre mulher colocou apenas duas pequenas moedas no tesouro, mas, Jesus, imediatamente, chamou seus discípulos para mostrar a essa mulher que ela tinha um coração verdadeiramente religioso e solidário com os necessitados. Ela não procurava honras ou prestígio de qualquer tipo; agia com calma e humildade. Ela não pensava em explorar ninguém; por outro lado, dava tudo o que tinha porque outros podiam precisar. Segundo Jesus, ela deu mais do que qualquer outra pessoa, porque não dava o que lhe sobra, mas “tudo o que tem para viver”. Aquela pobre viúva é um exemplo para os cristãos de todos os tempos! Pessoas simples como ela, mas com corações grandes e generosos, que sabem amar sem reservas, são o melhor que temos na Igreja. São elas que tornam o mundo mais humano, as que realmente acreditam em Deus, as que mantêm vivo o Espírito de Jesus. Com essas pessoas, devemos aprender a seguir Jesus.
A prática da partilha e da solidariedade é uma das características que o Espírito de Jesus quer realizar nas comunidades. O resultado do Espírito é precisamente “Nem havia entre eles nenhum necessitado, porque todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas e traziam o preço do que tinham vendido e depositavam-no aos pés dos apóstolos” (At 4,34-35a). Essas esmolas recebidas pelos apóstolos “repartia-se então a cada um deles conforme a sua necessidade” (At 4,35b). Para aprender o caminho do Reino, todos nós precisamos nos tornar alunos(as)/discípulos(as) daquela viúva pobre, que compartilhou o que tinha, o que era necessário para viver.
Jesus denuncia a hipocrisia dos escribas, que ostentam uma religiosidade superficial, enquanto praticam injustiças. A ação da viúva convida à generosidade e à confiança plena em Deus, destacando que o valor de uma oferta não está em sua quantia, mas na disposição do coração e na fé demonstrada.