CLARET, O APÓSTOLO DA TERNURA

A memória de Santo Antônio Maria Claret é celebrada no dia 24 do mês de outubro, dia de sua morte, que aconteceu em 1870, na Abadia de Fontfroide, no sul da França, aos 62 anos, depois que participou do Concílio Vaticano I. Ao desviar-se das calúnias sofridas pela revolução espanhola, retirou-se para esse lugar, onde permaneceu até passar pela morte e chegar à glória. Seus despojos mortais descansam na igreja dos missionários claretianos em Vic, na Espanha, cidade onde fundou, em 1849, a Congregação dos Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria. Em sua lápide encontra-se o epitáfio “Amei a justiça e aborreci a iniquidade. Por isso, morro no desterro”.

Começar pelo fim, para falar do Padre Claret, é constatar que suas causas valeram mais que sua vida, uma vez que desde o início de seu apostolado esse pequeno grande homem esteve disposto a doar a própria vida em favor dos outros por causa de Cristo. Foram suas escolhas que fizeram com que fosse chamado de “apóstolo incansável dos tempos modernos” na ocasião de sua beatificação, em 25 de fevereiro de 1934, pelo Papa Pio XI (1857-1939) e apelidado em sua canonização, em 7 de maio de 1950, pelo Papa Pio XII (1876-1958) de “o santo de todos”. 

O apóstolo incansável dos tempos modernos se torna o santo de todos porque apostou no amor e acreditou profundamente nessa ideia transformadora: “Não posso resistir aos impulsos interiores que me chamam para salvar almas. Tenho sede de derramar o meu sangue por Cristo!”, dizia ele. Para concretizar esse ideal, Claret foi um homem de transformações, que modificou tudo interpelado pelo amor de Cristo, que para ser fiel a Ele buscou fazer do mundo um lugar melhor para tornar a vida menos sofrida. 

A primeira transformação que Claret empreendeu foi a dele próprio, de seu mundo interior. Imaginemos um homem de baixa estatura, espanhol de temperamento ardoroso, catalão firme, filho de uma família bastante piedosa, mas, fora do cumprimento estrito de práticas de piedade. Em sua cabeça só tinha pensamentos para o seu trabalho na indústria têxtil. Em um momento de risco, deixou-se tocar pelo Evangelho que diz “De que vale o homem ganhar o mundo inteiro, se vier perder a sua alma?” (Mt 16,26). A partir de então, alcançou o triunfo sobre a própria morosidade espiritual com o auxílio da devoção a Nossa Senhora e tornou-se “uma figura verdadeiramente grande, como apóstolo infatigável” (Pio XII).

Ordenado sacerdote, tornou-se missionário, destacando-se como um grande pregador de multidões que falava ao coração das pessoas e as fazia compreender com facilidade a mensagem do Evangelho, comovendo as almas de todos. Seu interesse era transformar as pessoas humanas, despertando nelas o que cada uma tinha de melhor. Era um missionário junto ao povo que passava pelas vilas e cidades suscitando por toda parte o amor a Deus, plantando para que outros colhessem. 

Essa característica missionária o acompanhou como primeiro arcebispo da Ilha de Cuba quando lá se confrontou mais claramente com as consequências dos pecados sociais, dando início à promoção dos direitos humanos, lutando contra a escravidão, a pobreza e o racismo. Como um homem que transforma, Claret viu a união entre evangelização e promoção humana, principalmente a partir da caridade apostólica, que não se contentou em denunciar, do púlpito e em escritos, os pecados dos ricos e dos pobres e com criatividade colocou em prática caminhos de transformação com alguns meios que naquele tempo eram modernos: escreveu livros sobre a agricultura para a promoção dos trabalhadores do campo, organizou uma fazenda modelo e criou as caixas de poupança para facilitar os meios de trabalho. Em sua sensibilidade apostólica, Claret percebeu que “Os pobres, se são bem orientados e lhes são proporcionados meios decentes de ganhar a vida, são homens virtuosos; de outro modo, se tornariam maus”. Toda essa ação transformadora lhe custou a paz quando suas ações começaram a dar resultado na transformação das pessoas e, consequentemente, dos costumes e da cultura, desencadeando reações intensas contra ele, que sofreu diversos atentados, assaltos, perseguições de todos os tipos e calúnias. Teve sua casa incendiada e refeições envenenadas. 

Mesmo com todas as tentativas de destruição, Claret continuava ileso, sempre escapando das ciladas e continuando sua missão sem permitir interferências que o fizessem desistir. Foram tão fortes os episódios de perseguições, tão agressivas as oposições e atentados, que a rainha da Espanha, Isabel II, acabou intervindo e o retirou daquelas terras, fazendo-o seu confessor. Porém, a calmaria não estava nos caminhos desse missionário. Claret, inserido na corte espanhola, continuou como um agente transformador. Seus posicionamentos firmes, que modificariam o comportamento e as ações da monarca, tornando-a uma pessoa melhor, provocaram uma reviravolta política, culminando num golpe revolucionário que destronou e exilou Isabel II na França. Os liberais e revolucionários, em geral, promoveram uma campanha maciça de calúnias e insultos contra os soberanos espanhóis e contra aquele que sabiam ser o responsável pelas atitudes da rainha. Foi Claret, portanto, quem provocou pelo seu zelo apostólico esse terremoto político na Espanha, ao mesmo tempo em que desempenhava uma obra insigne como missionário em todo esse país.

A vida de Santo Antônio Maria Claret, contextualizada no século XIX, serve de inspiração e modelo para nós, que vivemos no século XXI. Um homem que em seu tempo não ficou acomodado em si mesmo, mas deixou-se modificar pelo amor de Cristo, descobriu-se como missionário. Tornou-se um agente de transformações porque ardia em caridade. Sua vida deve nos interpelar sobre o que fazemos pelo mundo para que ele seja um lugar melhor. Os fatos que Claret viveu são extremamente contemporâneos, principalmente pelo fato de observarmos episódios parecidos na atualidade, uma vez que a intolerância e a falta de observação do próprio Evangelho têm promovido condutas fortemente repreensíveis por parte de muitos que se dizem cristãos. 

Num tempo que se abria aos caminhos da industrialização, ele se descobriu como missionário, antepondo as exigências do Evangelho aos normais atrativos que podia oferecer uma vida cômoda. Sua arma foi a Palavra de Deus, vivida e anunciada como mensagem de salvação para todos. Difundiu-a por meio de publicações, catequeses e pregações, convencido de que nela se encontra o consolo para os tristes, a fortaleza para os débeis, a saúde para os doentes, o perdão para os pecadores. A partir da oração contínua, do estudo e da vida de piedade, ele se converteu num autêntico evangelizador, primeiro na sua Catalunha natal, depois nas ilhas Canárias, para fazê-lo mais tarde, já como arcebispo, em Cuba e na Espanha.

Direitos humanos, tecnologia, ecologia e política foram veias pelas quais o “santo de todos” injetou o Evangelho para transformação da sociedade e conversão dos corações. Essa disponibilidade para o ministério da Palavra sem fronteiras, guiado por razões de urgência, oportunidade e eficácia ao serviço do Reino de Deus, é uma característica do ser missionário em Santo Antônio Maria Claret que ele nos deixou como herança. 

Não há como pôr em dúvida que a eficácia desse santo missionário no seu apostolado se deveu em boa medida à sua entrega à Virgem Maria, a quem tudo consagrou, de cujo coração imaculado ele foi desde a mais tenra infância um grande devoto e de onde aprendeu sua atitude contemplativa no acolhimento da Palavra, sua caridade e simplicidade ao transmiti-la e sua adesão cordial ao plano misericordioso de Deus, que o levou a estar junto dos pobres e necessitados na força revolucionária do amor que de lá emana.

Hoje, os missionários claretianos, os Filhos do Imaculado Coração de Maria, continuam sendo portadores da mensagem profética de esperança, unidos a tantos homens e mulheres, pelo Espírito que animou Claret, com a linguagem do coração, propondo à família humana, tão ferida nos seus valores e aspirações mais profundas, a ternura e o afeto. Como Maria, conservar cuidadosamente “todas estas coisas em seu coração” (Lc 2,19), a fim de reconhecer os vestígios do Espírito de Deus nos momentos da história.

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