No coração da França renascentista, na prestigiada Universidade de Sorbonne, em Paris, dois jovens espanhóis cruzaram caminhos que mudariam não apenas suas vidas, mas também o curso da história espiritual da fé cristã. Inácio de Loyola, um ex-soldado ferido em batalha, e Francisco Xavier, um nobre ambicioso, encontraram-se em circunstâncias que pouco prometiam para uma amizade duradoura. Inicialmente, Francisco nutria uma antipatia por Inácio, cuja presença lhe era desagradável. Contudo, após viver a experiência inaciana dos exercícios espirituais propostos por Inácio, Francisco experimentou uma transformação profunda, abandonando sua vaidade e aspirações mundanas.
Em que consiste a experiência inaciana para transformar tanto a vida de uma pessoa? A aventura da experiência espiritual inaciana consiste em amar e deixar-se amar com coragem e generosidade. Deixar-se amar é acolher o dom do perdão, da cura e da misericórdia para a aceitação de si e do amor que nos alcança sem mérito ou merecimento. É o que nos tira do fechamento em nós mesmos e nos abre ao entendimento de nossa dignidade inalienável de filhos de Deus. É o que cria condições para que verdadeiramente possamos amar. Amar é missão; é, portanto, o mandamento de que Jesus fala no Evangelho. Não se trata de uma obrigação imputada pela lei, mas um estilo de vida, isto é, o seguimento ao modo de vida de Jesus. O discípulo, ao contemplar o jeito de Jesus, seu trato com as pessoas e seu projeto de vida, deseja assumir em sua vida e ao seu modo esse mesmo modo de proceder que lhe encanta, portanto, amar e deixar-se amar são duas atitudes e disposições interiores que estabelecem as bases para uma relação de confiança e de entrega na comunhão. Assim, o discípulo e o Mestre possuem um vínculo amoroso que é mais forte do que a morte. A generosidade é a força e a vontade do discípulo amado que contempla na vida de Jesus a entrega que Ele faz de sua vida ao anúncio e chegada do Reino de Deus, demonstrando muito amor aos menos amados. Esse amor generoso é paixão pelo gênero humano criado à imagem e semelhança do Deus, que é amor. Essa paixão ganha uma forma radical na paixão da cruz em que Jesus vive dando a vida pelo amor aos seus amigos. A coragem é a realidade da ressurreição, que leva o discípulo a superar a experiência de morte e o medo de seguir amando profundamente. Na coragem do Ressuscitado, o discípulo ousa construir mais vida a partir da aposta no amor generoso.
Em 1540, a Ordem dos Jesuítas foi erigida sob a bênção do Papa Paulo III, com Inácio de Loyola como seu primeiro superior-geral. Francisco Xavier, por sua vez, embarcou em uma jornada missionária que o levaria às terras distantes da Índia e do Japão. Os dois amigos nunca mais se viram pessoalmente. Foi nesse período que a expressão “amigos no Senhor” ganhou vida, usada por Inácio para descrever a profunda ligação espiritual que compartilhava com seus companheiros de ordem, especialmente com Francisco.
Xavier, em suas viagens, carregava consigo, costurados em sua batina junto ao coração, os nomes de seus companheiros jesuítas, mantendo Inácio em um lugar de destaque. Essa prática simbolizava a conexão inquebrantável que transcendia as barreiras geográficas. As cartas trocadas entre eles eram o cordão umbilical que mantinha viva essa amizade, servindo como um meio vital de comunicação e apoio mútuo, mesmo separados por milhares de quilômetros.
A história de Inácio e Francisco é um testemunho do poder da convivência e do conhecimento mútuo para superar mal-entendidos e julgamentos precipitados. De estranhos com impressões erradas um sobre o outro, eles se tornaram “amigos no Senhor”, um exemplo luminoso de como o tempo e a experiência compartilhada podem transformar relações e fortalecer laços de amizade verdadeira. Eles nos ensinam que as primeiras impressões podem ser enganosas e que é no convívio que se revela a verdadeira essência das pessoas, permitindo que a amizade floresça e cresça em profundidade e significado.