LIDERANÇA FEMININA NA IGREJA: O PAPEL DA MULHER NA COMUNIDADE

Baixar Versão em PDF

A mulher exerce cada vez mais um papel de protagonista e vem conseguindo aumentar o seu espaço na sociedade, assumindo lideranças no trabalho, cargos importantes em empresas, em grupos e na Igreja.

Apesar disso, há ainda desigualdade em relação aos homens quanto ao salário, proporcionalmente menor na sociedade atual, fator ainda mais crítico quando são mulheres negras.

Embora o papel da mulher na sociedade venha se tornando maior e melhor, ainda existem muitos desafios a ser enfrentados. Esses desafios sociais têm sua repercussão também na Igreja.

COMO É A PRESENÇA DA MULHER NA IGREJA?

Elas sempre marcaram presença numerosa nas missas, nas pastorais, na comunidade e cada dia mais assumem papéis muito importantes nas paróquias, nas pastorais, nas celebrações e lideranças de grupos, também na vida religiosa consagrada. Podemos ainda nos perguntar: qual o papel da mulher na Igreja?

A presença das mulheres aumentou por volta de 6% na última década na Cidade do Vaticano e quase dobrou nos dicastérios, segundo dados da Santa Sé.

O Papa Francisco se propôs, em 2013, a aumentar o número de mulheres na Igreja, especialmente em cargos relevantes. Ainda há resistências.

A MULHER NA ÓTICA DO PAPA FRANCISCO

O Papa Francisco tem um pensamento interessante sobre a mulher: “Eu gostaria de ressaltar que a mulher tem uma sensibilidade particular pelas ‘coisas de Deus’, sobretudo para nos ajudar a compreender a misericórdia, a ternura e o amor que Deus tem por nós. Gosto de pensar também que a Igreja não é ‘o’ Igreja, mas ‘a’ Igreja. A Igreja é mulher, é mãe, e isto é bonito. Deveis pensar e aprofundar isto” (Papa Francisco, 12 de outubro de 2013, Sala Clementina, no Vaticano, discurso aos participantes do Seminário sobre a Carta Apostólica Mulieris Dignitatem, de João Paulo II).

A primeira grande nomeação feminina feita por Francisco foi a da nova diretora dos Museus Vaticanos. Barbara Jatta se tornou, em dezembro de 2016, a primeira mulher a ocupar esse cargo, substituindo o carismático Antonio Paolucci. A instituição que ela dirige é fundamental para a difusão da cultura, mas é também a principal fonte de receita das finanças. Jatta é até agora a única mulher que frequentava as reuniões da Cúria e hoje continua sendo a única que não tem um superior homem.

A Irmã Raffaella Petrini é a mulher com o cargo mais alto no menor Estado do mundo. Sua função é de caráter organizacional e de gestão. Nas reformas, o Papa designou Charlotte Kreuter-Kirchhof para o Conselho de Economia.

A irmã salesiana Alessandra Smerilli foi nomeada pelo Papa para o Serviço de Desenvolvimento Humano Integral que, entre outras coisas, promove projetos pelos refugiados.

Do mesmo modo, a italiana Francesca di Giovanni assumiu como subsecretária da Seção para Relações com os Estados, o cargo mais alto ocupado por uma mulher na sala de comando da Santa Sé.

Em agosto de 2020, o Papa Francisco contratou as advogadas espanholas Concha Osacar e Eva Castillo, as britânicas Ruth Mary Kelly e Leslie Jane Ferrar e a alemã Marija Kolak como integrantes do Conselho para a Economia da Santa Sé.

Há quem ache que todos os seminários deveriam contar com presença feminina para avaliar a idoneidade dos candidatos para o ingresso na instituição, assim como para dar a aprovação definitiva na sua entrada como sacerdote. Uma ideia já lançada pelo Cardeal Marc Ouellet, prefeito da Congregação dos Bispos. “Para um padre ou seminarista, a mulher representa o perigo. Na verdade, o verdadeiro perigo são os homens que não têm uma relação equilibrada com as mulheres. Esse é o perigo do sacerdócio – e o que devemos mudar radicalmente”, afirmou numa entrevista.

Uma mudança importante chegou em fevereiro passado, quando o Papa escolheu pela primeira vez uma mulher como subsecretária do Sínodo dos Bispos: a religiosa francesa Nathalie Becquart. O sínodo é uma assembleia de bispos de diferentes regiões do mundo que assessora o Papa e debate sobre questões de doutrina e pastorais específicas. Becquart, nascida em Fontainebleau (França) em 1969 e consultora da Secretaria-geral do Sínodo dos Bispos desde 2019, é a primeira mulher com direito de voto, mas o setor feminino pede que esse direito seja estendido a cada uma dessas assembleias específicas.

A espanhola Cristina Inogés foi justamente a encarregada de abrir o último sínodo do Vaticano dedicado à sinodalidade, no início de outubro. A teóloga acredita que “As mudanças recentes marcam uma linha sem volta. Muitas mulheres estão assumindo cargos importantes. A nomeação de Petrini rompe outro teto de vidro, mas a presença das mulheres é mais real e substancial desde que Francisco chegou. Ainda há muito a fazer e o grande desafio são as tarefas pastorais – aí está a batalha. Isso significaria uma reestruturação de muitos cargos da Igreja. Um repensar das próprias dioceses. E esses já são desafios de longo prazo”. Será hora, então, de fazer reformas no interior da Santa Sé.

A MULHER DO POVO, LÍDER E SEU PAPEL NA COMUNIDADE

No entanto, o sentido dessa atividade social, a trama de significados e as condições que permitem a continuidade desse engajamento altruísta de mulheres continuam não compreendidos. Por que mulheres se engajam e participam em comunidades e pastorais, dedicando seu tempo e energia?

A atividade comunitária feminina se estende a várias pastorais da Igreja, como a da Criança, da Mulher Marginalizada, da Saúde, Vicentinos, da Comunhão Eucarística Extraordinária, Catequese, Operária, Rede Um Grito pela Vida, Pastoral Familiar, vários “movimentos” como Cursilhos, Movimento de Educação de Base e outros. Nessas atividades as mulheres, como “Igreja em saída” nas paróquias e comunidades, sentem o reconhecimento, a alegria de servir, o sentimento de valorização, a satisfação de agir no mundo para transformá-lo.

Atualmente, existe em muitos lugares a assim chamada “rede de comunidades”, organização do espaço geográfico, tendo como referência a Igreja. Essas mulheres sabem fazer xaropes e pomadas, soros e multimistura, salvam crianças da desnutrição e da morte com um simples sorinho caseiro. São as “líderes comunitárias” que pedem doações e procuram recursos, reivindicam políticas públicas, gerenciam economia popular solidária e ganham expressão até em alguns programas governamentais.

A participação feminina no espaço público se expressa nas “lutas” dos “pobres”. O cuidado das crianças e da comunidade revela-se nas “lutas” por creches, escolas, postos de saúde, saneamento, luz elétrica, passarelas, linhas de ônibus, moradia e trabalho.

A mulher torna-se a principal agente nas lutas sociais. Esses “poderes femininos” tornam uma ressignificação das “mulheres da Bíblia” cujo protótipo, sem dúvida, foi Maria de Nazaré.

A MULHER RELIGIOSA CONSAGRADA

Mais uma vez, recorremos às palavras do Papa Francisco, quando queremos falar da mulher religiosa consagrada. Diz ele: “Pensem numa Igreja sem as irmãs! Não se pode pensar: elas são esse dom, esse fermento que leva adiante o povo de Deus. São grandes essas mulheres que consagram a sua vida a Deus, que levam adiante a mensagem de Jesus” (Papa Francisco, 2 de fevereiro de 2014, Praça São Pedro, no Vaticano. Festa da apresentação de Jesus no templo e Dia da Vida Consagrada).

Ao longo de sua história, a vida religiosa passou por diversas crises, ressignificações e transformações, destacando-se nesse processo as que ocorreram a partir das aplicações das orientações do Concílio Vaticano II, convocado por São João XXIII, realizado na década de 1960. Tal concílio foi determinante para a renovação da Igreja em muitos aspectos, dentre eles a liturgia, a eclesiologia, a relação da própria Igreja com a sociedade civil e mudanças na visão católica sobre o papel e a importância da mulher dentro e fora da Igreja.

Numa segunda fase de renovação da vida consagrada, as mulheres consagradas inseriram-se, radicalmente, nos meios populares. A opção pelos pobres assumida pelas religiosas inseridas nos meios populares ganhou contornos definidos e limites precisos. Nesse contexto, ser irmã nos meios populares, em solidariedade e comunhão com o povo, significava posicionar-se conscientemente diante da realidade das classes sociais e comprometer-se efetivamente com sua luta pela superação de sua condição de classe dominada. As religiosas assumiam a Igreja que em Puebla assim expressava: “Comprometidos com os pobres, condenamos como antievangélica a pobreza extrema que afeta numerosíssimos setores em nosso continente” (Conferência de Puebla, 1159).

Assim, houve uma ressignificação dos votos. Por exemplo, o voto de pobreza passou a ser vivenciado na concreta opção pelos pobres e em estar no seu lugar social. Dessa maneira, testemunhando os sofrimentos, as dores e as esperanças do povo, as irmãs foram despertadas para a necessidade de lutar pelos direitos das pessoas tanto no ambiente eclesial como na sociedade civil.

Vem à nossa mente exemplos de mulheres e religiosas que deram suas vidas pelos direitos dos empobrecidos: Irmã Dorothy Stang (Dayton, 7 de junho de 1931–Anapu, 12 de fevereiro de 2005), Irmã Creuza Carolina Carvalho,uma “Santa no Amazonas”, mártir pela causa indígena, (25 de abril de 1995), Santa Dulce dos Pobres (26 de maio de 1914, Salvador, Bahia–13 de março de 1992, Salvador, Bahia) e tantas outras.

A história da vida religiosa demonstra que as mulheres tiveram uma participação fundamental na origem, no desenvolvimento, na inovação e na renovação dessa instituição conhecida como Igreja, como dom do Espírito Santo. No entanto, suas atuações nem sempre foram reconhecidas, valorizadas e devidamente estudadas; na verdade, pouco ainda se conhece sobre a vida dessas mulheres.

Às portas da 26ª Assembleia Geral Eletiva, em julho próximo, a vida religiosa consagrada busca ressignificar-se em clima sinodal, à luz da Palavra de Deus que faz ecoar o convite do Mestre no coração de cada mulher consagrada: “Permanecei em mim” (Jo 15,4).

Ir. Maria Inês Vieira Ribeiro

Presidente da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB)

Start typing and press Enter to search