MAIS DO QUE UM CALENDÁRIO, A LITURGIA CONDUZ OS FIÉIS A REVIVER, EM CADA TEMPO, O MISTÉRIO PASCAL DE CRISTO
O ano litúrgico é muito mais do que uma sequência de festas religiosas. Ele é um verdadeiro caminho espiritual, um itinerário de fé pelo qual a Igreja convida os fiéis a reviver, ao longo do tempo, os principais mistérios da vida de Jesus Cristo.
Da espera vigilante do Advento à alegria pascal da ressurreição, passando pelo cotidiano do Tempo Comum, cada período tem sua espiritualidade própria, suas cores, símbolos e orações.
Podemos compreender o ano litúrgico como um calendário religioso que organiza as celebrações da Igreja e nos ajuda a caminhar com Cristo, desde o seu nascimento até a esperança de sua vinda gloriosa.
Para entender melhor a riqueza desse percurso, conversamos com o Padre Guillermo Micheletti, presbítero argentino que exerce seu ministério na Diocese de Santo André (SP). Especialista em Educação e membro da Sociedad Argentina de Liturgia, ele é autor de diversos livros e artigos sobre catequese e liturgia e membro fundador da Sociedade Brasileira de Catequetas.
Nesta entrevista, o sacerdote explica como cada tempo litúrgico orienta a espiritualidade dos fiéis, o papel das cores e símbolos nas celebrações e a importância da participação ativa da comunidade e dos ministros na vida litúrgica da Igreja.
O QUE É O ANO LITÚRGICO?

Com início no primeiro domingo do Advento e encerramento no último sábado do Tempo Comum, véspera de novo Advento, o ano litúrgico, assim como o ano civil, tem a duração de aproximadamente doze meses, período em que a comunidade é conduzida a contemplar os mistérios da encarnação, paixão, morte e ressurreição de Jesus, o chamado mistério pascal, centro de toda a vida cristã.
Dividido em dois grandes ciclos, o do Natal e o da Páscoa, e um período extenso, o Tempo Comum, essa estrutura é vivida em harmonia com o Lecionário dominical, que segue um ciclo de três anos (A, B e C) nos quais predominam as leituras dos evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas.
“O ano litúrgico é a primeira estrutura pastoral e litúrgica da Igreja”, explica o Padre Guillermo Micheletti, que adiciona que “Ele nasceu com o intuito de colocar no centro da vida das comunidades a memória da vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo”.
Mais do que uma simples contagem de datas, o ano litúrgico é, segundo o sacerdote, um convite à experiência do mistério de Cristo. “A palavra ‘fé’, na Bíblia, significa confiança. Caminhando ao longo do ano litúrgico, vamos adentrando confiadamente o coração bondoso de Jesus, que nos conduz ao amor de seu Papai querido”, destacou o especialista.
OS TEMPOS LITÚRGICOS
Cada tempo litúrgico tem sua espiritualidade própria e nos ensina algo sobre o caminho de Cristo e o nosso.
Advento: a espera vigilante
É o tempo de esperança e preparação para a vinda do Senhor. A Igreja se coloca em atitude de vigilância e conversão, recordando a vinda histórica de Jesus em Belém e aguardando sua vinda gloriosa no fim dos tempos. As figuras centrais são Isaías, João Batista e Maria, que são modelos de fé, esperança e acolhimento da vontade de Deus. Cor litúrgica: roxa, símbolo de conversão e preparação.
Natal: a alegria da encarnação
Este é o período em que toda a Igreja celebra o nascimento de Jesus, o Deus que se faz homem e habita entre nós. É tempo de contemplar a simplicidade, a paz e a alegria do amor divino. A Festa da Epifania, dentro desse ciclo, recorda que Cristo é luz para todos os povos. Cor litúrgica: branca, sinal de luz e alegria.
Tempo Comum: o caminho do discipulado
O tempo comum é o período mais longo do ano litúrgico, dividido em duas partes, com duração total de 33 ou 34 semanas. Diferente dos outros tempos, ele não destaca um aspecto específico da vida de Jesus, mas o mistério de Cristo em sua totalidade, vivido no cotidiano. É o tempo da vida cristã ordinária, no qual somos chamados a crescer na fé e a colocar o Evangelho em prática.
A cor litúrgica é o verde, que simboliza esperança, perseverança e crescimento espiritual. Durante esse período, a Igreja celebra grandes solenidades, como Corpus Christi, que é a manifestação pública da fé na presença real de Cristo na Eucaristia, e Cristo Rei, que encerra o ano litúrgico, proclamando Jesus como Senhor da história e do universo.
Mais do que uma “pausa” entre festas, o Tempo Comum é o tempo da maturidade da fé, em que o discípulo aprende a seguir Jesus no dia a dia, cultivando a escuta, a oração e o serviço.
Quaresma: o tempo da conversão
São quarenta dias de penitência e preparação para a Páscoa. A Igreja nos convida à oração, ao jejum e à caridade. É um tempo de revisão de vida e de retorno ao essencial, o amor de Deus. Cor litúrgica: roxa, sinal de penitência e renovação.
Páscoa: a celebração da vida nova
É um período de cinquenta dias de alegria pela ressurreição do Senhor, culminando em Pentecostes, quando o Espírito Santo é derramado sobre a Igreja nascente. O coração desse período é o Tríduo Pascal, que começa na Quinta-feira Santa, Sexta-feira da Paixão e se encerra na Vigília Pascal, o centro de toda a fé cristã. Cor litúrgica: branca, expressão da glória e da luz da ressurreição.
A VIDA DA IGREJA NO RITMO DA FÉ
Para o Padre Micheletti, “Não há nenhum aspecto da vida eclesial que não encontra na liturgia o seu ápice e a sua fonte”. Citando o Papa Francisco, ele recorda que a liturgia é “louvor e ação de graças pela Páscoa do Filho, cuja força de salvação chega às nossas vidas”.
Segundo o sacerdote, a formação litúrgica é essencial para todos os que servem na Igreja: “Nem todos podem ter formação acadêmica, mas todos devem buscar compreender e viver a liturgia com consciência e amor”, destaca.
Ao refletir sobre como essa formação contribui para o fortalecimento dos ministérios eclesiais e da vida comunitária, ele ressalta que o conhecimento do mistério de Cristo é decisivo para todos os membros da Igreja: “Os ministros são chamados, por meio da liturgia, a deixar-se envolver existencialmente com Jesus. É na celebração que a revelação de Deus se manifesta por meio da sua Palavra viva”, afirma.
Desde os primórdios, a liturgia tem sido o coração pulsante da vida cristã. É nela que o povo de Deus se reúne para ouvir a Palavra, celebrar os sacramentos e fortalecer a comunhão com Cristo e entre si. Nesse contexto, a vivência comunitária e a centralidade do domingo, o dia do Senhor, assumem profundo significado.
“Todos os cristãos devem voltar seu olhar para as fontes da vida cristã. Desde o início, as primeiras comunidades desejaram encontrar-se com Jesus Cristo ressuscitado. Assim, ao longo do ano litúrgico, celebravam o domingo unidas como irmãos e irmãs, jamais de modo isolado. Os cristãos são chamados a mergulhar no mistério do Senhor que, acolhido com amor, transforma totalmente a vida”, explica o sacerdote.
O ano litúrgico, portanto, é um verdadeiro itinerário de fé, no qual o tempo se torna espaço de encontro com Deus. Em cada celebração, a Igreja renova a certeza de que Cristo está vivo, conduzindo seu povo com amor e esperança. Mais do que um calendário de festas, trata-se de um caminho espiritual, em que a vida se faz liturgia e o tempo se revela como dom de Deus.
Tempos litúrgicos e suas cores
Advento: roxo
Tempo de esperança e preparação para a vinda do Senhor. A cor roxa expressa conversão, vigilância e expectativa do nascimento de Jesus.
Natal: branco
Celebra o mistério da encarnação: Deus se faz homem e habita entre nós. O branco simboliza luz, pureza e alegria.
Tempo Comum: verde
O mais longo período do ano litúrgico. Representa a vida cotidiana e o crescimento espiritual do discípulo. O verde indica esperança e perseverança.
Quaresma: roxo
Tempo de penitência e conversão em preparação para a Páscoa. A cor roxa convida ao arrependimento e à renovação interior.
Páscoa: branco