Bernardino formou-se ainda jovem na escola do Crucificado. Certa iconografia retratou-o erroneamente como um frágil fradinho de olhar manso e de palavra doce. Mesmo que não possuísse um físico imponente, com sua estatura moral esse filho de São Francisco passou sua vida fazendo grandes reformas, não só no campo estritamente religioso, mas também no campo social e político.
Os temas que tratava diante das multidões que acorriam para ouvi-lo eram a unidade, a concórdia, a caridade e a justiça. Censurava sem meios-termos os vícios dos simples cidadãos, mas, atacava de maneira cáustica também as injustiças cometidas por aqueles que, detentores do poder, aproveitavam-se disso para explorar o povo indefeso. Sua pregação foi como um sopro do Espírito Santo que atravessou toda a Itália setentrional e central, dilacerada então pelas lutas fratricidas entre os guelfos e os gibelinos e entre as várias famílias da nobreza do tempo.
DA UNIVERSIDADE PARA O CONVENTO FRANCISCANO
Bernardino nasceu em Massa Marittima, na Toscana, em 1380; ainda criança, perdeu os pais e foi educado em casa por duas tias na cidade de Siena (Sena), onde lhe deram uma ótima educação cristã sem nenhuma carolice.
Desenvolveu-se saudável, com um caráter sincero e decidido, amante da liberdade, contudo, consciente de sua própria responsabilidade. Frequentou a famosa faculdade da República de Siena e sobressaiu nos estudos. Aos 20 anos, encontrou-se com São Vicente Ferrer em Alexandria e, atingido pela influência que a palavra inspirada que aquele dominicano tinha sobre as multidões, sentiu forte chamado para se doar a Deus, mas, não entrou na Ordem de São Domingos.
Fascinado pela figura de São Francisco de Assis, na idade de 22 anos escolheu livremente a Ordem Seráfica, onde desejava reviver o primitivo espírito franciscano. Aos 24 anos, tornou-se sacerdote e foi viver na colina Capriola, perto de Siena, num pequeno convento dos frades observantes, onde durante doze anos se dedicou aos estudos dos grandes doutores e teólogos, especialmente os franciscanos.
PREGADOR POPULAR
No ano 1417 foi nomeado vigário da província toscana e transferiu-se para Fiesole, dando um forte impulso à reforma que era realizada na sua ordem. Contemporaneamente, iniciou sua extraordinária pregação pelas cidades da Itália. Onde ele se detinha, toda a cidade e todas as autoridades se reuniam para ouvi-lo e, não havendo igrejas que pudesse conter tantas pessoas que vinham também de outras aldeias vizinhas, todos se reuniam nas praças.
Para poder ouvir bem a voz do pregador, levantava-se uma bandeirinha móvel que mostrava a direção do vento e depois se organizava o palco de tal modo que o próprio vento se encarregava de fazer chegar a todos a palavra.
As conversões frequentemente clamorosas, as reconciliações das pessoas pertencentes a partidos que por tradição se odiavam de maneira mortal, o retorno aos sacramentos dos pecadores endurecidos eram tão numerosos que nem sempre eram suficientes os sacerdotes para atender às confissões e para distribuir a comunhão.
Bernardino escrevia e falava muito bem o latim, mas sabia também utilizar com arte a língua do povo. Sua preparação humanística e teológica e seu amor por todas as pessoas fizeram dele um pregador da doutrina sólida e clara e de linguagem incisiva e acessível tanto para os instruídos quanto para os analfabetos.
Sua pregação centrava-se sobre o amor de Deus, manifestando-se a nós na pessoa de Jesus salvador. Apresentava a vocação cristã como correspondência a esse amor: amar-nos sempre como irmãos, tirar do meio de nós toda injustiça e fazer reinar em toda parte a paz.
REFORMADOR DOS COSTUMES
Bernardino recorria sempre à objetividade. Em uma cidade havia luta entre as famílias rivais que dividiam o povo em dois partidos? Ele, então, explicava: “Agora dizei-me, o que é parte? Sabeis o que é? É uma divisão: deste e daquele. Agora dizei-me, o que é a caridade? É unir um ao outro”. Comumente as partes se chamavam guelfos e gibelinos. Bernardino dizia-lhes: “Todas estas coisas são pecado mortal: e este tal guelfo e gibelino é coisa do diabo para a vossa perdição”.
Em outra cidade havia sido instaurada a tirania? Bernardino explicava com um linguajar florido quem são os tiranos: “Quem possui este vício se apresenta sempre como um benfeitor, mas na realidade é um agiota e um tirano. Existem infelizmente os tira-anos, os tira-meses, os tira-semanas, os tira-dias, os tira-manhãs, os tira-tardes, os tira-noites e por fim os tira-horas. Sabeis quem é o tira-ano? É aquele que tira uma vez por ano. O tira-mês é pior, pois tira cada mês. Pior ainda é o tira-semanas, pois tira cada semana. E o tira-dias é ainda pior, porque rouba tirando cada dia… E o tira-manhã é pior, porque vai toda manhã ao palácio do governo e sempre tira. Assim também o tira-noite. E o que diremos do tira-horas? Podemos dizer que ele sempre tira, rouba e despoja qualquer um que ele encontra. E depois esses políticos querem ser chamados de governadores do povo! A eles convém muito bem um só nome: ladrões!”. Dirigindo-se diretamente a esses tipos, frequentemente sentados na primeira fila, dizia: “Sabeis o que vos digo? Vós sois as excelências zero. Podeis fazer-vos temer por certo tempo, mas nunca sereis respeitados, antes chegará o dia em que o povo vos desprezará e espalhará urina sobre a vossa cabeça”.
Para combater a exploração do pobre, frequentemente privado até mesmo dos bens essenciais para a existência, explicava: “Eu sei bem que o que vós possuís não é vosso; é de Deus, que deu tudo a todos, para satisfazer às necessidades de todos. Se vós tendes muitas coisas e não precisais delas, e se não as derdes, e morrerdes, vós ides para a casa da fornalha (o inferno)…”. Com frequência, as mesmas leis que regiam uma comunidade, um domínio, uma república eram injustas e observá-las significava perpetuar a injustiça. Bernardino, nesses casos, declarava as pessoas livres do juramento público oficial e convidava a cidade a fazer novas leis inspiradas no Evangelho. A coisa que mais surpreendia é que as cidades se empenhavam em escutar esse pregador tão claro e exigente e dele aceitavam as diretrizes.
Para que sua pregação não fosse esquecida facilmente, Bernardino, com profunda intuição psicológica, resumia-a na devoção ao nome de Jesus e inventou um brasão de cores vivas que era colocado em todos os lugares públicos e privados, substituindo os brasões das famílias e das várias corporações sempre em luta entre elas. Consistia em uma tabuinha, tendo esculpido ou pintado um grande sol, símbolo do amor de Deus, tendo no centro três letras latinas: JHS (Jesus hominum salvator), Jesus salvador dos homens ou da humanidade.
Sua pregação lhe proporcionou, evidentemente, adversários que, não tendo a coragem de enfrentá-lo diretamente, recorreram à calúnia acusando-o de heresia junto do Papa. Por três vezes Bernardino foi chamado para se defender e sempre saiu vitorioso. Por fim, Roma lhe ofereceu o bispado de Siena e, sucessivamente, o de Ferrara e de Urbino, mas jamais quis aceitar.