UMA EXPERIÊNCIA NA ÁFRICA

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Dizem que a vontade de Deus é que estejamos onde podemos amá-lo melhor. Essa premissa guiou todo o meu discernimento em realizar o voluntariado missionário em Moçambique e a assumir o compromisso de doar um ano da minha vida a Deus por meio do carisma salesiano: o tempo de maior graça na minha vida, em que aprendi a ser gente e a ser discípula!

Desde a adolescência sempre fui muito envolvida na pastoral dos salesianos, congregação fundada por Dom Bosco, em Americana (SP), mas, pouco depois de adentrar a casa dos 20, percebi que o que vivia já não me preenchia como antes e desejava mais. Por esse motivo, passei a trilhar um caminho de orientação espiritual e discernimento vocacional por quase dois anos a fim de descobrir qual sentido poderia dar para o meu ser cristã, na certeza de que não existe uma resposta simples e reduzida da nossa vocação, pois muitas são as possibilidades e elas dependem de nossa realidade (dons, inclinações e circunstâncias). Feito isso, tomei uma decisão: partir em missão por um ano na África! No caminho, direcionei esse projeto a Moçambique, país que poucos voluntários haviam explorado.

Durante o tempo de preparo, tive o apoio de muitos, principalmente nas campanhas de arrecadação, mas, também a incompreensão dos que, por não terem tido uma experiência com o Evangelho de Jesus, não viam razão para eu investir os meus melhores dias em um projeto assim e não no intercâmbio de que precisava para a minha ocupação e que me traria prestígio profissional, por exemplo.

Vivi, também, incontáveis experiências com a providência, como quando não tinha a quantia para determinada documentação e, de repente, recebia uma doação, mas, especialmente, quando no adoecimento de uma tia houve o atraso de mais de um mês do meu embarque e pude viver um tempo de qualidade com ela antes que ambas partissem para a sua missão. Tudo sempre aconteceu como e quando Ele quis e assim, em março de 2019, parti. Pronta? Não! Disposta.

Chegando a Maputo, as primeiras semanas vividas foram como que uma escola de humildade! Precisei me desfazer de toda e qualquer expectativa que jurava já não ter dentro de mim e me inculturar. Aprendi muito, estabeleci vínculos, conquistei espaços, outros não, incorporei parte do sotaque moçambicano, passei a usar palavras em changana (dialeto de Maputo) para me comunicar, a vestir capulana [tipo de tecido de algodão estampado], a entender que existe mais de uma ou duas maneiras de fazer a mesma coisa ou resolver um determinado problema, a mais ouvir do que falar e que as diferenças culturais são riquezas que nós nunca deveríamos mensurar, mas compreender (se for possível) e amar.

Assim vivi todos os outros meses, especialmente ao sair da capital e explorar as aldeias, lugar em que mais me realizei: dispondo-me ao máximo que podia e sendo, lucidamente, feliz! A decisão de estar ali, amá-los e, por consequência, ser amada foi a maior riqueza que eu poderia viver.

Sinto falta dos abraços apertados e longos, de segurar as mãos feridas pela machamba (horta) das mamás e dos papás, das partilhas de vida, das risadas, de ser transbordada de afeto pelos pequenos – de vez em quando, olho os posts com eles no feed e nos stories a fim de amenizar a saudade e ela só se atualiza –, de ter meu cabelo acariciado por alguns, pois custavam a crer que era de verdade, de participar das missas extremamente animadas e com duração de, no mínimo, três horas, de ouvir “Mana Cau!” ao dobrar a esquina dos bairros que eu conhecia ou, ainda, ter que aprender outras palavras do dialeto que era falado em cada distrito que eu visitava para criar uma conexão com eles… Amor que não se explica, sente-se. Sou eternamente grata a Deus por ter me dado meios de concretizar esse sonho!

“Ah, Cauany, mas, então, foi tudo um mar de rosas!” É, não tanto! Os desafios foram muitos e voltei com várias histórias para contar. Afinal, estar num lugar diferente, com pessoas novas e vivendo situações para que não poderia ter me preparado antes porque são algo que pertence àquela realidade não é tarefa fácil, no entanto, os sacrifícios vividos em um espaço em que temos a certeza de que deveríamos estar inseridos são vividos com amor e, por isso, não pesam em comparação àquilo que vivemos sem ter uma escolha ou sem encontrar um verdadeiro sentido.

Se houve algo que nunca faltou na minha experiência em Moçambique foi sentido! Fosse na Pastoral Universitária, com os jovens que acompanhávamos, nas formações humanas, festividades religiosas e eventos para convívio do corpo docente e discente do Instituto Superior Dom Bosco, no apoio às comissões de voluntariado dos estudantes, na Pastoral Juvenil da Visitadoria Maria Auxiliadora, que incluía oito frentes de missão, na Pastoral da Comunicação, na elaboração de projetos sociais para obras missionárias da família salesiana, na animação dos oratórios e retiros de formação juvenil… Absolutamente todo o trabalho empreendido nesse ano de missão contribuiu para que hoje eu esteja mais perto daquilo que Deus quer que eu seja neste mundo: sinal do seu amor pela total vivência da minha humanidade, que foi feita tão somente para amar!

Fomos feitos para amar! Quando nos esquivamos dessa vocação recebida desde a nossa criação e confirmada em nosso Batismo, experimentamos o amargor de uma vida sem sentido, sem norte, voltada para nós mesmos. É preciso sair do nosso comodismo para fazer a experiência com o amor, que é o próprio Deus.

O Papa Francisco nos recorda, incansavelmente, disso e é triste perceber que ainda buscamos o sentido da vida na ascensão profissional, no afã em ter muitas posses, pessoas que nos admiram pela aparência física ou pelo conhecimento estritamente terreno. Não, não é isso que nos realiza plenamente como seres humanos e como filhos de Deus. É quanto saímos de nós mesmos para amar. Quanto somos capazes de nos ofertar. É nesse encontro com o outro que está nossa razão de ser e que a epifania, a manifestação de Deus, acontece.

Já parou para pensar onde e como você pode, plenamente, amar? Encontrada a resposta, eis o seu campo de missão. Comece hoje! Não olhe para trás. A felicidade escondida na doação da sua vida espera você desde sempre e até a eternidade.

Cauany Marcondes

Cauany Marcondes é natural de Americana (SP). Mora hoje na Califórnia, nos Estados Unidos, e atua na comunidade de jovens adultos do vale do Silício. Trabalha como professora.

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