A definição filosófica de verdade, como “adequação do pensamento à realidade”, serve para constatar, com pesar, um perigoso distanciamento entre pensamento e realidade em vários setores e pessoas, especialmente nos pronunciamentos de alguns políticos e “comunicadores” digitais. Constata-se uma espécie de “esquizofrenia” culposa, porque com conhecimento e consentimento fazem questão de dissociar e separar o mundo real de suas próprias ideologias, que ofuscam o pensamento reto e verdadeiro. Sem contar aqueles que vão além, disseminando as destrutivas fake news e o ódio, manipulando a dignidade da consciência dos indivíduos. Não se acaba jamais de procurar a verdade, porque algo de falso sempre se pode insinuar, mesmo ao dizer coisas verdadeiras. De fato, uma argumentação impecável pode basear-se em fatos inegáveis, mas, se for usada para ferir o outro e desacreditá-lo à vista alheia, por mais justa que pareça, não é habitada pela verdade. A partir dos frutos, podemos distinguir a verdade dos vários enunciados: se suscitam polêmica, fomentam divisões, infundem resignação ou se, em vez disso, levam a uma reflexão consciente e madura, ao diálogo construtivo, a uma profícua atividade, como afirma o Papa Francisco.
A emoção desmedida não pode colocar a verdade em segundo plano. As ideologias prejudicam grandemente a racionalidade. Urge colaborar, como exigência da fé em Cristo, para a superação de todas as formas de violência, especialmente a digital, que, infelizmente, ainda persiste. O cristão é chamado a agir de modo diferente: entre vocês não deverá ser assim (cf. Mt 20,26), já advertia Jesus.
A realidade é mais importante do que a ideia, afirma o Papa Francisco: “Existe uma tensão bipolar entre a ideia e a realidade: a realidade simplesmente é, a ideia elabora-se. Entre as duas deve-se estabelecer um diálogo constante, evitando que a ideia acabe por separar-se da realidade. É perigoso viver no reino só da palavra, da imagem, do sofisma. Isso supõe evitar várias formas de ocultar a realidade” (Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, 231). A realidade deve ser iluminada pelo pensamento. Dessa forma, evitam-se idealismos ineficazes e autorreferencialidade, que pode levar a uma forma de narcisismo estéril, a uma perigosa “autoverdade”. Precisamos de frutos concretos para uma realidade concreta! “Produzir frutos no amor, para a vida do mundo” (Decreto Optatam Totius, 16).
Nesta nossa reflexão, cabe recordar o conceito de pós-verdade: “Que se relaciona ou denota circunstâncias, nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais” (Universidade de Oxford, 2016). A verdade é o que corresponde à opinião pessoal ou modo de pensar. Ocorre assim, infelizmente, a perda do senso crítico e a assimilação de uma ideologia.
Pós-verdade não é a mesma coisa que mentira. Os políticos, afinal, mentem desde o início dos tempos. O que a pós-verdade traz de novo “não é a desonestidade dos políticos, mas a resposta do público a isso. A indignação dá lugar à indiferença e, por fim, à convivência” (M. D’Ancona, 2018). Massacrado por informações verossímeis e contraditórias, o cidadão desiste de tentar discernir a agulha da verdade no palheiro da mentira e passa a aceitar, ainda que sem consciência plena disso, que tudo o que resta é escolher, entre as versões e narrativas, aquela que lhe traz segurança emocional.
A verdade, assim, perde a primazia epistemológica nas discussões públicas e passa a ser apenas um valor entre outros, relativo e negociável, ao passo que as emoções, por outro lado, assumem renovada importância. Na base do fenômeno, argumenta D’Ancona, está o colapso da confiança nas instituições tradicionais” (Editores, Pós-verdade, 2018).
Enfrente com serenidade! Em frente com fé, fortaleza e esperança! Com o meu abraço virtual, gratidão e bênção,