Por ocasião da morte do filósofo Jean-Paul Sartre, um sacerdote francês, Padre René Laurentin, escreveu no jornal Le Figaro, de Paris, França, o seguinte texto em seu artigo: “Sou profundamente grato a este ateu, Jean-Paul Sartre, por ter escrito um dos textos mais bonitos, que eu conheça, sobre Maria e a encarnação. É um dos três ou quatro textos além do Evangelho que eu conservaria se precisasse lançar ao mar os outros livros. Trata-se de um escrito circunstancial; foi durante a sua prisão que Jean-Paul Sartre, para agradar aos amigos crentes, entre eles um noviço jesuíta, escreveu um jogo cênico intitulado ‘Bariona’, para celebrar o Natal. Na miséria do campo de concentração com aquela capacidade de compreender os outros, Sartre quis participar por simpatia da fé dos companheiros de prisão. Soube expressar essa fé de modo preciso e novo, dando a mim, teólogo, uma formidável lição. Sartre não publicou esse texto para evitar os abusos que nós crentes poderíamos fazer. Autorizou, porém, a mim, pessoalmente, publicar algumas partes no meu Breve tratado sobre a Virgem Maria.
Sartre soube ver o mistério da Encarnação não daquele modo abstrato que separa a Teologia da vida, mas por meio da experiência de Maria, mãe de Jesus.
Ele, contemplando Maria escreveu: ‘Aquilo que se deveria pintar do rosto de Maria é uma admiração ansiosa que só apareceu uma única vez no rosto humano. Isso porque o Cristo é o seu filho, a carne de sua carne, o fruto de suas entranhas. Ela o trouxe durante nove meses e, oferecendo-lhe o próprio seio, o seu leite se tornará sangue de Deus. Em certos momentos a tentação é tão forte que a faz esquecer que Ele é Deus, aperta-o em seus braços e lhe diz: ‘Meu filho!’, mas, em outros momentos permanece sustada e pensa: ‘Deus está aqui!’. Todas as mães ficam impressionadas dessa maneira diante daquele fragmento rebelde de sua carne que é o próprio filho. E sentem-se como que num exílio diante dessa nova vida fabricada com a própria vida, mas habitada por estranhos pensamentos. Mas nenhum menino foi mais cruel e radicalmente arrancado de sua mãe, porque Ele é Deus e transcende totalmente tudo o que ela pode imaginar. Mas eu penso que houve outros momentos rápidos e fugazes em que ela sentiu que Cristo era ao mesmo tempo seu filho, o seu pequeno, e ao mesmo tempo ‘Ele é Deus’. Contempla-o e pensa: ‘Este Deus é meu filho, esta carne divina é a minha carne. Ele é feito de mim, tem os meus olhos e esta forma de sua boca é a forma da minha boca. Assemelha-se comigo’. E nenhuma mulher teve a felicidade de possuir o seu Deus só para si, um Deus tão pequeno que pode tomá-lo nos braços e cobri-lo de beijos, um Deus todo calor que sorri e respira, um Deus que se pode tocar e que ri. É num desses momentos que eu pintaria Maria se eu fosse pintor’. Sartre coloca essa descrição na boca de um cego vendedor de imagens. Um cego, Sartre, ateu declarado, revelou talvez melhor do que qualquer outro, com exceção dos evangelhos, o mistério do Natal. Por esse motivo, conservo dele gratidão imensa”.
Que este Natal seja um renovado encontro com aquela luz que é Deus e que a todos atrai e a todos conduz. Que nossos corações ardam de alegria e de paz nessa trajetória que fazemos em busca de nosso encontro com Ele.
Que Maria – modelo do cristão, do discípulo, da Igreja – a todos inspire e interceda como mãe, educadora, modelo e Intercessora de cada um de vocês, suas famílias e familiares. São José, nosso amado pai na fé, que acolhe Maria como esposa e Jesus como seu filho, ensine a nós a fazer do mistério da fé nosso caminho de vida e salvação.
Que possamos, a cada Natal e durante toda a nossa vida, encontrarmos a paz naquele que é a paz. Vivamos iluminados com as palavras da Sagrada Escritura, Livro dos Números 6,24-26 que será proclamada como leitura na liturgia do primeiro dia do ano: “O Senhor te abençoe e te guarde. O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face, e se compadeça de ti. O Senhor volte para ti a sua face e te dê a paz”.