Visando ao conhecimento e ao aprofundamento da Palavra de Deus, o tempo litúrgico foi formado em anos: “A”, “B” e “C”. No ano “A” é lido o Evangelho de Mateus; no ano “B”, o de Marcos; no ano “C”, o de Lucas. O Evangelho de João é lido nas solenidades maiores.
O Evangelho de Marcos é o mais sucinto. Ele trata do discipulado e busca responder à pergunta “Quem é Jesus?”. Anuncia a chegada do Reino de Deus.
Em Marcos 1,14-20, depois do início do Evangelho com João Batista, a vinda do Espírito sobre Jesus no rio Jordão e as tentações no deserto, Marcos conta, em síntese, o início da atividade pública de Jesus. Ele percorreu a região da Galileia pregando a Boa-Nova, que o Reino de Deus começara e a necessária conversão para aceitá-lo na fé e comprometer-se com ele.
Nas aldeias da Galileia estavam as pessoas mais pobres e deserdadas, privadas do seu direito de usufruir da terra que lhes fora dada por Deus. Aí, como em nenhum outro lugar, Jesus encontrou o Israel mais doente, oprimido e maltratado pelos poderosos. Nas cidades, por outro lado, viviam os detentores do poder com seus vários colaboradores: governantes, grandes proprietários de terras, cobradores de impostos. Não eram eles os representantes do povo de Deus, mas seus opressores, os causadores da miséria e da fome dessas famílias. O Reino de Deus deve começar onde o povo é mais humilhado. Esses pobres, famintos e aflitos eram as “ovelhas perdidas” que melhor representavam todos os oprimidos de Israel. Jesus era muito claro ao afirmar que o Reino de Deus só podia ser anunciado pelo contato direto e próximo com as pessoas mais necessitadas de alívio e de libertação; nelas a semente do Reino encontra “terra boa”.
Jesus foi de cidade em cidade e de aldeia em aldeia proclamando e anunciando a Boa-Nova do Reino de Deus. A causa a que Jesus dedicou daí em diante seu tempo, suas forças e toda sua vida é o que Ele chamava de o “Reino de Deus”. Foi, sem dúvida, o centro da sua pregação, o que animava toda a sua atividade. Tudo o que Ele disse e fez está ao serviço do Reino de Deus, que é a chave para compreender o sentido que Jesus deu à sua vida e para entender o projeto que Ele quis ver realizado na Galileia, no povo de Israel e, em última análise, em todos os povos. Na Galileia, Jesus não ensinou uma doutrina religiosa para que seus ouvintes a aprendessem bem, mas anunciou um acontecimento para que essas pessoas o recebessem com alegria e fé. O povo encontrou um profeta apaixonado por uma vida mais digna para todos, que procurava com todas as suas forças que Deus fosse amado e que o seu Reino de vida, de justiça, de paz e de misericórdia se difundisse com alegria.
Após a morte de João, Jesus começou a falar uma nova linguagem: o “Reino de Deus está próximo”. Não devemos esperar mais, temos de acolhê-lo e, em breve, ele espalhará a sua força salvadora. Essa Boa-Nova deve ser anunciada a todos. O povo deve converter-se, contudo, a conversão não consistirá em preparar-se para um julgamento, mas em “entrar no Reino de Deus” e aceitar o seu perdão salvador. A ideia de julgamento não desaparece em Jesus, mas sua visão muda completamente: Deus vem para todos como salvador, não como juiz. Deus não obriga ninguém, Ele convida. Seu convite pode ser aceito ou rejeitado.
Cada um decide seu destino. Alguns ouvem o convite, aceitam o Reino de Deus, acolhem-no e deixam-se transformar; outros não ouvem a Boa-Nova, rejeitam o Reino, não entram na dinâmica de Deus e fecham-se à salvação.
A conversão e a fé devem realizar-se no seguimento de Jesus. A vocação dos primeiros discípulos é um exemplo concreto de conversão e de fé e também um ato que mostra o seguimento de Jesus. No tempo de Jesus eram os discípulos que escolhiam o mestre. No caso, porém, é Jesus que chama os pescadores para o seguirem. Além disso, Jesus não os chama para aprender uma doutrina, mas para uni-los à sua pessoa e à sua missão. A iniciativa de Jesus, que chama e cria a decisão de segui-lo, recorda a iniciativa e a autoridade com que o Deus de Israel chamou os seus profetas para desempenharem uma missão especial a favor do povo (cf. 1Rs 19,19-21; 2Rs 2,12-15), missão que nesse caso é a de serem “pescadores de homens”, isto é, de reunirem os membros dispersos do povo de Deus. Esse primeiro chamado divino, exemplo de conversão e de fé, pretende ser ao mesmo tempo o modelo de toda vocação cristã.
Três traços fundamentais caracterizam essa vocação: a) é uma resposta a um chamado anterior; b) não pode haver dúvida a esse respeito; c) a resposta da pessoa implica desprendimento e renúncia, traduzindo-se, sobretudo, num “seguimento”. Discípulo, portanto, não é aquele que abandona algo; é aquele que, respondendo decididamente a um chamamento, encontrou alguém e o segue.