É TEMPO DE REFLEXÃO E CELEBRAÇÃO
Celebração cristã das mais significativas, o Natal carrega uma infinidade de simbolismos. É o nascimento de Jesus, um verdadeiro sinônimo de renovação de esperança, salvação e amor. A data ainda marca a realização da promessa divina: o Messias Jesus, a Palavra de Deus, fez-se carne e habitou entre nós, como narra o Evangelho de João (cf. Jo 1,14).
Ainda que não haja registros sobre a data exata de nascimento de Jesus na cidade de Belém, atual Cisjordânia, 25 de dezembro coincidia com a Festa do Sol Invicto, Dies Natalis Solis Invicti, um deus romano, como uma das celebrações pagãs da época. Assim como alguns mistérios que atravessam gerações, a escolha pelo dia 25 de dezembro como data oficial para o Natal foi estabelecida pela Igreja nos séculos III e IV, durante o papado de Júlio I, em um período em que o cristianismo começava a se expandir e ganhar adeptos em todo o Império Romano. Os historiadores indicam que estabelecer o Natal no dia 25 de dezembro foi uma maneira de esvaziar a festividade pagã e trazer os fiéis para o cristianismo. Dessa forma, iniciou-se a tradição de associar o nascimento de Jesus à vitória da luz sobre as trevas, com o Natal simbolizando a chegada da luz divina ao mundo. Para muitos, essa associação pode ser interpretada como o momento em que Deus se fez homem para redimir a humanidade, trazendo uma nova aliança entre Ele e o povo.
“Os cristãos se inspiraram numa festa pagã dedicada ao Deus Sol, em que se cultuava a luz do sol depois de uma longa noite que acontecia no calendário do mês de dezembro. Pensava-se que essa noite nunca teria fim. Ao amanhecer, quando o sol começava a dar seus primeiros sinais de brilho, todos saíam às ruas para comemorar a vitória do ‘sol invencível’. O título de “Sol” foi atribuído a Jesus pelos primeiros cristãos, pois Ele representava o clarão invencível capaz de vencer todas as trevas. Trata-se, então, de uma imagem pascal, por isso podemos afirmar que o ciclo do Natal tem suas raízes e semelhanças com o ciclo da Páscoa”, explica Eurivaldo Silva Ferreira, mestre em Teologia e especialista em Liturgia.
Nos primeiros séculos do cristianismo, o Natal não era celebrado da forma como conhecemos hoje. Os primeiros cristãos focavam principalmente a Páscoa, que celebra a ressurreição de Cristo. Com o avanço da fé cristã, o nascimento de Jesus ganhou destaque com o mistério da encarnação, em que Deus se fez homem nascendo em uma humilde manjedoura em Belém. A preparação para a festa, com jejuns e orações, deu origem ao Advento, o período de quatro semanas que antecede o Natal. Durante esse tempo os cristãos são chamados a refletir sobre a vinda de Cristo, no seu nascimento e na segunda chegada no fim dos tempos. É um período importante para os católicos, de preparação e introspecção, reforçado pelas orações e a celebração do Sacramento da Reconciliação de forma a receber Jesus com o coração purificado.
O dia 25 de dezembro marca o início da solenidade, mas a celebração do Natal se estende pela Oitava, uma semana de reflexões que finaliza com a Solenidade de Santa Maria, a Mãe de Deus, em 1º de janeiro. Em seguida é o momento do Tempo do Natal, que se estende até a festa do Batismo do Senhor, no segundo domingo de janeiro.
Para Eurivaldo Silva Ferreira, o tempo do Advento é uma importante parte do ciclo do Natal no ano litúrgico da Igreja. Ele possui a dimensão de conectar nossas celebrações com um tempo de preparação pela espera do Senhor que vem. O período possui duas dimensões celebrativas: o mistério do Senhor que veio e o que virá. Nós percebemos isso mais claramente nas leituras da liturgia, que são divididas em dois períodos: nos dois primeiros domingos, o Senhor virá; nos dois domingos seguintes, o Senhor veio. “O sinal sacramental do tempo, a espera, faz alusão à segunda vinda de Jesus”, exemplifica Eurivaldo.
O Advento tem a ver com o mundo e com a Igreja: “Ela anseia pela vinda do Senhor, mas, enquanto sua vinda não se faz plenamente, celebra, louva e distribui os sacramentos, na esperança de sua plena concretização. É como se vivêssemos as propostas do Reino (já), mas não ainda em sua plenitude (ainda não). Por isso esse tempo em preparação ao Natal do Senhor suscita o desejo de que o Senhor venha”, conclui ele.
Outro momento importante é a Missa da Noite; à semelhança da Vigília Pascal, ela está impregnada de luzes. Evoca a luz do Verbo de Deus resplandecente, a luz verdadeira que veio para iluminar a humanidade. “O simbolismo da luz nos textos litúrgicos denomina Cristo, o sol da justiça, sol sem ocaso, aquele que regenera a humanidade, como que sendo um novo início de vida de Deus em nós”, diz Eurivaldo.
As leituras e a oração da Igreja desse tempo mostram a alegria do povo que se volta, que espera e que permanece fiel na expectativa da vinda do Rei. Muito mais que a espera de um rei, o tempo do Advento se coloca como uma espera por alguém que viria salvar o povo das garras dos poderes que oprimiam o povo. “Jesus é visto como um rei guerreiro e lutador, mas Ele vem de forma simples, como uma criança frágil e indefesa”, lembra Eurivaldo, que também é membro da Rede Celebra de Animação Litúrgica, do Corpo Eclesial de Compositores e Letristas Litúrgicos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Universa Laus, grupo internacional de estudo e pesquisa sobre música litúrgica.
Ao longo dos séculos, a celebração do Natal se expandiu para além dos círculos religiosos. No Brasil, as tradições natalinas também incorporam, ao longo dos anos, elementos culturais que fazem da ceia de Natal em família uma das mais populares.
A montagem de presépios é uma tradição cultivada há séculos. São Francisco de Assis é reconhecido como o criador do presépio, no ano 1223. A ideia teria surgido como uma forma de representar o nascimento de Jesus de maneira visual e acessível a todos.
Já outras tradições natalinas, como a troca de presentes, a decoração de árvores e a figura do Papai Noel, têm raízes diversas – algumas delas inspiradas em costumes europeus e lendas como a de São Nicolau, um bispo generoso e caridoso que ajudava os mais necessitados.
Eurivaldo, porém, chama a atenção para a “comercialização” da data, algo completamente distante do verdadeiro propósito da data: “A tarefa do comércio é entregar-se ao capitalismo que permeia o consumo nas compras do Natal. Não podemos nos deixar permear por essa característica, fazendo com que isso invada nossas celebrações. É necessário que nossas liturgias sejam, de fato, lugares em que se visualizem com os gestos, sinais e símbolos próprios a linguagem da espera e da chegada”.
Ao se prepararem espiritualmente para essa data os fiéis são chamados a redescobrir o amor de Jesus, que veio ao mundo para redimir a humanidade. A verdadeira celebração natalina reflete ensinamentos de Cristo como a partilha, a solidariedade e o amor ao próximo; dessa forma, o Natal não se limita a um único dia. Para muitos cristãos, celebrar é recordar que Deus está presente mesmo nas situações mais difíceis, trazendo luz às trevas e esperança aos corações aflitos. Muitas famílias participam de novenas, rezando em conjunto nas semanas que antecedem o Natal e fortalecendo laços familiares e comunitários.
O Advento é outro período importante de preparação, que inclui práticas de oração e meditação. A Igreja recomenda que os fiéis busquem o Sacramento da Reconciliação (Confissão) como uma forma de se preparar espiritualmente para o Natal. Um coração purificado é visto como essencial para receber Jesus de forma plena. A preparação espiritual para o Natal e sua Oitava são convites à reflexão, ao arrependimento e à prática da caridade. Essas orientações visam a ajudar os fiéis a acolherem Jesus em seus corações e a viverem a mensagem de amor e esperança que o Natal representa.
O Natal, no dia 25 de dezembro, é o primeiro de um ciclo de oito dias seguidos. Oitava de Natal é quando a própria liturgia auxilia o povo de Deus a se aprofundar na meditação do mistério celebrado. É a festa pelo nascimento de Jesus, um período de graça, fé, reflexão e solidariedade. Os festejos seguem com a homenagem a Santo Estêvão, o primeiro mártir a testemunhar a verdade da pessoa de Jesus, que ocorre no dia 26 de dezembro. Já no dia 27 de dezembro é o momento da celebração em homenagem a São João Apóstolo e Evangelista, que reflete sobre o mistério da encarnação. Em seguida, no dia 28 de dezembro, é a vez de homenagear os Santos Inocentes, em que a liturgia recorda o valor do testemunho de vida com o fortalecimento do sentido do Natal de Jesus e a fuga de Maria e José para o Egito. A festa da Sagrada Família, que neste ano será comemorada no domingo, 29 de dezembro, recorda que Jesus nasceu em uma família para salvar a nossa, mostrando a importância dessa instituição. A Oitava finaliza em grande estilo com a homenagem a Maria na Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus, em 1º de janeiro, com a consagração e o oferecimento do novo ano a Deus por meio das mãos de sua mãe, Maria.
A Oitava de Natal deve ser vivida de forma pessoal, com a oração do Terço, a participação nas missas e a contemplação do mistério da encarnação. Outro hábito importante é enfeitar as casas com velas e luzes, como um sinal de felicidade pelo nascimento do Menino Jesus. “Esperamos que neste Advento possamos ser como Igreja, povo de Deus, portadores da Boa-Nova do Reino de Jesus. Que nossas celebrações nos levem a um verdadeiro compromisso da edificação de seu Reino entre nós! A feliz expectativa do Reino seja o motivo para celebrarmos o Cristo que vem”, são os votos de Eurivaldo Silva Ferreira, mestre em Teologia.