ESPECIALISTAS EXPLICAM PORQUE TEMAS COMO AQUECIMENTO GLOBAL, ECOLOGIA INTEGRAL E JUSTIÇA CLIMÁTICA ESTÃO INTERLIGADOS
“Uma enrascada!”: foi assim, em bom português, que a ministra do Meio Ambiente e Mudança de Clima, Marina Silva, referiu-se à atual crise climática. A declaração foi dada durante uma mesa-redonda na Academia Brasileira de Letras (ABL), no centro do Rio de Janeiro (RJ), que reuniu o líder indígena Ailton Krenak e a economista Miriam Leitão, entre outros acadêmicos. “Não há mais tempo a perder com diagnósticos ou admoestações. Não estamos mais vivendo uma urgência climática. Estamos vivendo uma emergência climática”, enfatizou a ministra.
Em seu discurso, Marina Silva citou o embaixador André Corrêa do Lago, o presidente da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), que convocou um “mutirão” pela salvação do planeta. De origem tupi-guarani, a palavra “mutirão” significa “esforço coletivo e organizado para apoiar uns aos outros em momentos de necessidade”. “Se já tivéssemos implementado o Acordo de Paris, não teríamos os problemas que temos hoje. A conferência tem o desafio de implementar o que já foi decidido”, afirmou a ministra, referindo-se ao acordo firmado na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2015 (COP21), de Paris, em 2015. O Acordo Climático de Paris definiu em 1,5 °C o limite no aumento da temperatura média global. À época, 187 países assinaram o acordo.
A conferência de 2025 começa no dia 10 de novembro e termina no dia 21 e será realizada na cidade de Belém, a capital do Pará, no coração da Amazônia. É a primeira vez que o Brasil sedia o evento. Como o nome já diz, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30) é a 30ª edição da conferência das Nações Unidas que aborda as mudanças climáticas, evento anual promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU). A primeira ocorreu em Berlim, na Alemanha, entre 28 de março e 7 de abril de 1995, e a mais recente, em Baku, a capital do Azerbaijão, na Ásia, entre os dias 11 e 22 de novembro de 2024.
Se a palavra “mutirão” vem do tupi-guarani, a sigla “COP” deriva do inglês “Conference of the Parties”, que significa “Conferência das Partes”. “A COP30 é o maior encontro internacional sobre o clima”, define o Padre Dário Bossi, secretário executivo da Igreja Rumo à COP30: Articulação por Ecologia Integral e Justiça Climática. “Na conferência, líderes de vários países se reúnem para discutir os problemas socioambientais do planeta, estabelecer e assumir compromissos concretos para enfrentar e diminuir os impactos provocados pelas mudanças climáticas e fortalecer estratégias para proteger a vida humana e o meio ambiente”.
MUDANÇA DE ROTA OU PERDA DE TEMPO?
A Igreja Rumo à COP30 é uma plataforma de ação que congrega cinco instituições, comunidades e lideranças que querem fazer a diferença na proteção da casa comum: a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), o Movimento Laudato Si’, a Cáritas Brasileira e a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam). A 30ª edição do maior encontro internacional sobre o clima ainda não começou e a Igreja Rumo à COP30 já reforça dois conceitos apresentados na Encíclica Laudato Si’, de autoria do Papa Francisco: a ecologia integral e a justiça climática.
A ecologia integral, explica Dom João Santos Cardoso, arcebispo de Natal (RN), é a interligação entre o Criador, o ser humano e a criação: “Une dimensões ambientais, sociais, culturais, econômicas e espirituais e promove uma visão integradora em que o ambiente é reconhecido como uma casa a ser cuidada, não como um recurso a ser explorado”, afirma o bispo. O conceito inspirou a Campanha da Fraternidade 2025, que teve como lema “Deus viu que tudo era muito bom!” (Gn 1,31).
E justiça climática, o que é? Quem responde é o próprio Padre Dário Bossi, religioso italiano de 53 anos que, há quase vinte vive no Brasil: “Dizem que incêndios, enchentes e furacões, entre outras consequências do aquecimento global, são democráticos, ou seja, atingem países do mundo inteiro. Isso não é verdade! Os países pobres são os que mais sofrem”, afirma religioso membro dos Missionários Combonianos do Coração de Jesus (MCCJ), congregação religiosa fundada por São Daniel Comboni em 1867 com o carisma de anunciar o Evangelho aos povos ainda não evangelizados.
“Não estamos todos no mesmo barco, estamos todos na mesma tempestade. Uns estão de iate, outros, de canoa. Os que estão de iate vão sofrer menos, um pequeno chacoalhão, talvez. Os que estão de canoa vão sofrer mais; dependendo da tempestade, a canoa deles pode até virar”, diz ele. É por essas e outras que os países que causam as mudanças climáticas precisam ser responsabilizados pelos estragos causados. “Todos nós temos o direito de nos defender das mudanças climáticas. Um país rico que causou o aquecimento global não pode ser responsabilizado da mesma forma que outro pobre que sofreu as consequências”, afirma o sacerdote.
SUICÍDIO ECOLÓGICO
Para a COP30 são esperadas delegações dos 193 países-membros das Nações Unidas, entre governantes, cientistas e organizações não governamentias (ONGs). No dia 13 de outubro, o Papa Leão XIV foi convidado pelo presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, para participar do evento, mas, devido ao jubileu, o Santo Padre declinou do convite, mas “garantiu representação do Vaticano”. Não é de hoje que a Igreja se interessa por temas socioambientais. Desde as encíclicas Pacem in Terris (Paz na Terra, em livre tradução), de 1963, e Populorum Progressio (O Progresso dos Povos), de 1967, a Igreja Católica promove a justiça, a paz e o bem comum e reconhece que a proteção ambiental é um imperativo moral.
Mais recentemente, o Papa Francisco publicou a Encíclica Laudato Si’ (Louvado Seja), de 2015, que propõe uma ecologia integral como caminho para enfrentar os desafios contemporâneos, e a Exortação Apostólica Laudate Deum (Louvai a Deus), de 2023, que reforça a urgência de ações concretas para combater a crise climática. “Não há duas crises separadas, uma ambiental e outra social, mas uma única e complexa crise socioambiental”, escreveu Papa Francisco na Encíclica Laudato Si’.
Doutor em Teologia Sistemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Padre Alexandre Pinheiro explica que a Encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco, teve seu título inspirado no Cântico das Criaturas, de São Francisco de Assis, e recorda que a paz brota do respeito a Deus, à natureza e ao próximo: “Não basta apenas reduzir a emissão de gases tóxicos na atmosfera. É preciso cuidar dos impactos negativos no planeta. A COP30 é uma oportunidade para o Brasil reafirmar sua liderança em temas ambientais e prestar contas dos esforços para reduzir a degradação”.
Na prática, a articulação da Igreja se dá em quatro pontos: articulação ampla, formação e mobilização, espiritualidade e escuta e propostas concretas. São quatro também os pontos a ser evitados: compromissos vagos e não obrigatórios, influência econômica e política, lentidão nas negociações e promessas não cumpridas. “A COP30 promete ser a mais decisiva de todas. Não podemos passar de 2 °C de aumenta da temperatura. O risco, se isso acontecer, é enorme. É o que a comunidade científica chama de ‘ecocídio’, ou seja: suicídio ecológico”, alerta o meteorologista Carlos Nobre, um dos mais respeitados climatologistas do planeta.
“RELÓGIO DO FIM DO MUNDO”
Para ter uma ideia da gravidade do problema, os cientistas “acertaram os ponteiros” do Relógio do Juízo Final (ou Doomsday Clock, em inglês). Considerando outros parâmetros, como a crise climática e o risco nuclear, o marcador chegou a 89 segundos para a meia-noite – o menor tempo já registrado na história. Quanto mais perto da meia-noite estiverem os ponteiros do relógio, mais próximo do fim estaria o mundo. Quando foi criado, em 1947, logo após a Segunda Guerra Mundial, o artefato simbólico marcava sete minutos para a meia-noite.
“Os cientistas dizem que estamos muito perto do ponto do não retorno. Isso não é brincadeira! Não é um tema periférico que podemos deixar para nossos filhos e netos resolverem. Precisamos resolver isso hoje”, afirma Padre Dário Bossi, que prossegue: “Algumas pessoas me perguntam: ‘Mas o que a Igreja tem a ver com a COP30?’. ‘Tudo!’, respondo. Se a Igreja não se preocupar hoje com o planeta, amanhã não teremos mais planeta com que nos preocupar”.
A poucos dias para o início da conferência, o que esperar dela? “Sinto-me esperançoso”, afirma Eduardo Soares, secretário da Articulação da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) para a COP30: “A crise socioambiental é um problema que atinge a todos e, como tal, requer a participação de todos”.
Ivanilda Torres, secretária adjunta do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, reforça o coro: “A resposta não virá dos palácios. Virá das aldeias. ‘A resposta somos nós!’, gritam os povos indígenas. Tenho esperança de que a COP30 entrará para a história das conferências sobre o clima”.