Em Lucas 17,1-10, Jesus nos convida a refletir sobre fé, perdão, vigilância e vida em comunidade. Os discípulos, sentindo-se insuficientes diante das exigências do Reino, pedem: “Aumenta nossa fé”. A resposta de Jesus surpreende: Ele recorre a imagens inesperadas, como transplantar uma amoreira no mar, e à parábola do “simples servo”, cuja única obrigação é cumprir o que lhe é mandado. Mais do que um ensino sobre milagres, o texto revela uma fé que não se mede, não se compra, não se acumula: uma confiança que nasce e cresce dentro de nós.
Fé é uma confiança que nasce de dentro. Não é algo que depende de milagres impressionantes nem de desempenho religioso. Não estamos tentando agradar a Deus com fórmulas ou conquistando pontos para merecer algo.
Confiar é perceber que Ele age por meio de nós e que o que fazemos está conectado com sua presença. A salvação não é prêmio nem recompensa, ela acontece quando nos entregamos com simplicidade, quando escolhemos viver, amar e permanecer unidos, aceitando a realidade como ela é, sem tentar controlá-la para atender a nossos interesses. Cada pessoa é instrumento do divino e a verdadeira força da fé se manifesta na vida cotidiana, silenciosa, constante e transformadora.
Lendo o texto com atenção ao original grego fica claro que pistis não fala de quantidade de fé nem de habilidade para produzir milagres. O sentido é outro: fidelidade, confiança, firmeza interior, por isso, quando Jesus menciona o grão de mostarda ou a amoreira sendo arrancada e lançada ao mar Ele não propõe uma prova de poder, são imagens simbólicas para dizer que não é preciso uma fé gigantesca, basta que seja verdadeira. Um pouco de confiança autêntica já sustenta uma vida inteira.
A figura do “servo inútil” segue a mesma lógica. A intenção não é desvalorizar quem serve, mas lembrar que o serviço a Deus não é caminho para autopromoção, prestígio ou recompensa. É colaboração silenciosa com a obra divina.
Essa visão se alinha profundamente com a ética do Evangelho de Lucas, centrada na solidariedade, no serviço e na responsabilidade comunitária. Cada gesto discreto, feito com fidelidade, constrói – sem alarde – um mundo mais humano. É assim que o Reino de Deus vai tomando forma entre nós.
Numa leitura pastoral, o recado é direto: fé não se prova no que se fala, mas no que se vive. Em termos pessoais, ela se revela quando confiamos mesmo sem garantias, quando reconhecemos nossos limites, quando permanecemos firmes no que é correto e deixamos Deus agir dentro de nós sem criar barreiras.
Na convivência com os outros, a fé se expressa em respeito, acolhimento e responsabilidade compartilhada. Ela nasce quando reconhecemos a presença de Deus nas pessoas reais – com suas histórias, fraquezas e grandezas – e não apenas nos ideais que projetamos.
Quando abandonamos a ideia de que a fé funciona como uma recompensa por desempenho, abrimos espaço para uma vida mais coerente, movida por amor, perdão e compromisso com a vida. A fé deixa de ser regra ou teoria e passa a ser impulso de transformação – silenciosa, mas profundamente concreta.
Em síntese, Lucas 17,1-10 aponta para uma fé mais adulta. Não se trata de medir espiritualidade pela quantidade de milagres, prestígio ou mérito pessoal; a verdadeira fé se revela na confiança silenciosa, no serviço discreto e na coerência das escolhas.
É esse tipo de fé que sustenta vidas, une comunidades e provoca mudanças reais. O discípulo autêntico não age esperando aplausos ou recompensas, faz o bem porque sabe a quem pertence e deixa que Deus atue através dele.
Referências bibliográficas
BORG, Marcus J. Jesus: uma visão radical do Evangelho. Paulinas, 2010.
COSTA, Cláudio. A fé na perspectiva bíblica: reflexões sobre Lucas. Loyola, 2015.
SCHOTT, Walter. Evangelho de Lucas: comentário hermenêutico e pastoral. Paulus, 2012.