“Precisamos passar pela estrada real para a cidade de Deus por meio da aflição da carne e da contrição do coração, com a dura fadiga do corpo e a humilhação do espírito (…); se te distancias da batalha, também te distancias da coroa.”
Columbano ficou famoso pela severidade da sua ascese, embora poucos conheçam o seu ânimo delicado de poeta. Assim ele descreve uma viagem sua de barco descendo o rio Moselle para subir ao longo do Reno: “É belo entre os bosques cortar com a quilha a correnteza do Reno, deslizando docemente sobre as ondas. Povo meu, ouve-se o eco de cada grito. Levanta-se o vento, virá terrível a chuva, mas a força do homem domina a tempestade”.
A PALAVRA DA SANTA RECLUSA
Columbano nasceu na Irlanda, na província de Leinster, filho único de uma família rica que não teve necessidade de enviá-lo à escola do mosteiro, podendo oferecer-lhe excelentes mestres em casa. É compreensível que o mantivessem no lar, sonhando para ele uma vida feliz e uma bela descendência.
Entretanto, ao chegar à adolescência, gostava de dirigir o olhar para além das quatro paredes da nobre casa paterna, buscando horizontes mais amplos. Um dia foi aconselhar-se com uma reclusa famosa por sua santidade. Perguntou-lhe o que deveria fazer da sua vida. A mulher, fitando o jovem de coração puro e físico forte, com o gesto decidido dos profetas, não hesitou: intimou-o a deixar tudo e dirigir-se ao mosteiro mais próximo.
Columbano, sem se comover diante das lágrimas da mãe, despediu-se dos pais e mestres, colocando-se sob a orientação firme do Abade Sinell, do mosteiro de Clain-Inis.
Em casa, havia estudado com interesse não só a Bíblia, mas também os sábios e poetas pagãos – Sêneca, Virgílio, Ovídio, Lucano, Juvenal – e os poetas cristãos dos primeiros séculos, tendo alcançado sucesso em composições poéticas. No entanto, seu coração estava totalmente tomado pela observância monástica irlandesa, que não deixava espaço ao homem velho. No estudo da Sagrada Escritura e na leitura dos padres, alimento quotidiano do monge, descobria dimensões novas e insuspeitadas.
A santa reclusa dissera-lhe para fugir do mundo e ele o fez, mas, permanecendo ainda na sua terra e pertencendo à nobreza, parentes e amigos vinham visitá-lo com frequência, o que não o ajudava a romper com o antigo ambiente. Pediu então transferência para o norte, ao mosteiro de Bangor, sob a austera direção do Abade Comgallo.
Foi uma escolha feliz: a sintonia entre ambos era perfeita. O jovem Columbano compartilhava plenamente as diretrizes do abade e praticava com fervor a severa disciplina de Bangor. Sua inteligência livre impressionava o abade, que logo o promoveu a mestre dos noviços e pensava tê-lo, um dia, como sucessor.
A PAIXÃO DO MISSIONÁRIO
Esse desígnio, porém, não se concretizou. Columbano foi tomado pela febre missionária que, naquele tempo, ardia nos monges irlandeses: o desejo de evangelizar o continente europeu, mergulhado na barbárie e no paganismo após as invasões dos povos do norte e do leste.
A Irlanda havia sido poupada desse flagelo e conservara, em seus mosteiros, tanto a pureza da fé quanto a herança da civilização cristã trazida por São Patrício. Columbano convenceu o abade a deixá-lo partir com doze monges – um novo “colégio apostólico” – para reevangelizar a Europa.
Após passarem pela Cornualha, desembarcaram na Gália por volta de 588-590. Apresentaram-se ao rei Gontrano, da Borgonha, a quem Columbano expôs seu plano: levar o Evangelho aos pagãos e construir um mosteiro entre eles, pedindo apenas um pedaço de terra inculta e liberdade para viver sem interferências.
O rei concedeu o pedido e logo começaram o trabalho. Cortaram árvores, reconstruíram muralhas e tetos, abriram portas e janelas. Antes do inverno, tinham já abrigo, lenha e uma igreja para orar.
O inverno foi rigoroso e as provisões, escassas. Na primavera, prepararam o solo e semearam. Um bispo local enviou víveres, comovido pela pobreza deles. Columbano agradeceu, mas advertiu o bispo para não interferir na vida interna do mosteiro.
O ÉDEN NA FLORESTA
Com o tempo, o povo acorria de longe para contemplar o milagre: a floresta transformada num jardim, um novo Éden. Diziam que os monges, silenciosos no trabalho e melodiosos na oração, tinham o dom de transformar tudo o que tocavam.
Certo dia, faltava-lhes água potável. Um monge lamentou-se ao abade, que indicou um local junto a uma grande árvore: “Cavem aqui, teremos água em abundância”. Brotou, de fato, uma fonte inesgotável, o que o povo considerou um milagre.
A vida na floresta harmonizava-se com a natureza: monges, animais e plantas conviviam em paz. Passarinhos não fugiam deles; cabritos e corças comiam em suas mãos.
O historiador Jonas de Bobbio, que escreveu a vida de Columbano, relata que ele se retirou certa vez para orar numa gruta, antiga morada de um urso. Ao regressar, o urso o encontrou, mas não o atacou. Depois de comer sua presa, retirou-se, deixando a pele, da qual o santo aproveitou para fazer sandálias para os monges.
A comunidade crescia, recebendo jovens e até bandidos arrependidos. Columbano discernia cada vocação, acolhendo os sinceros e afastando os dissimulados. Fundou outros dois mosteiros – Luxeuil e Fontaine – e escreveu as Regras dos Monges e Regras Domésticas, que estabeleciam a disciplina e as penitências.
A MALDADE DE BRUNEILDE
A corte do rei Teodorico era marcada pela corrupção. Quem governava de fato era a rainha-mãe Bruneilde, que impedia o casamento do filho e o cercava de vícios. Columbano, firme na fé, recusou-se a abençoar os filhos ilegítimos do rei, dizendo “Estes não levarão jamais o cetro.”
Bruneilde, furiosa, perseguiu o abade, decretando seu exílio. Columbano e os monges irlandeses foram presos e enviados a Besançon. Mais tarde, libertado, regressou brevemente a Luxeuil, mas a perseguição continuou. Expulso novamente, escreveu aos monges: “Se afastares os adversários, não existe mais luta; e sem luta, não existe coroa. Com a luta vêm a coragem, a vigilância, o fervor, a paciência, a fidelidade, a sabedoria, a firmeza, mas, se suprimes a liberdade, suprimes também a dignidade”.
A VIAGEM PARA BOBBIO
Columbano partiu então para novas terras. Após evangelizar na região do lago de Constança e enfrentar resistências, atravessou os Alpes e chegou à corte do rei dos longobardos, Agilulfo. Por intermédio da rainha Teodolinda, recebeu terras às margens do rio Bobbio, onde fundou o seu último mosteiro.
Ali, já idoso e enfermo, trabalhou até a morte, em 23 de novembro de 615. Seus mosteiros formaram uma rede que unia povos diversos na fé cristã e reavivava a cultura à luz do Evangelho.
A ESPIRITUALIDADE COLUMBANA
A espiritualidade de Columbano era simples e firme: o Evangelho vivido com radicalidade. Em suas Instruções aos monges, ele escreveu: “Se o homem usar retamente as faculdades que Deus concedeu à sua alma, será semelhante a Deus (…). O primeiro mandamento é amar o Senhor com todo o coração, porque Ele nos amou primeiro. O verdadeiro amor, porém, não se demonstra com simples palavras, mas com fatos e na verdade”.
Columbano ensinava que o amor renova a imagem de Deus em nós: “Precisamos restituí-la na caridade, porque Ele é caridade (…). Precisamos restituí-la na bondade e na verdade, porque Ele é bom e verdadeiro (…). Intervenha o próprio Cristo e trace no nosso espírito os traços específicos de Deus, infundindo-nos a sua paz”.
Em um mundo marcado por rivalidades e vinganças, Columbano pregava que os discípulos de Cristo deveriam ser “espirituais e unânimes”, vivendo em concórdia fraterna e unidade eclesial, reflexo da própria unidade de Deus.
Para ele, chegar à unanimidade exigia seguir Cristo crucificado – um seguimento que não gera tristeza, mas alegria: “Não existe sofrimento no amor, naquele amor de Deus que renova em nós a sua imagem”.
Assim viveu e ensinou São Columbano, abade e missionário, cuja vida uniu fé, cultura e civilização sob o sinal da cruz e da liberdade cristã.