Temos a forte tendência de achar que o tempo passado – principalmente a envolver os séculos – era melhor que o de hoje e as décadas, os anos e os dias de antes foram mais fáceis e melhores que os atuais e que a vida boa era a vida passada, em nossos “achismos”. Isso não é saudosismo apenas, mas desconsideração perversa com as gerações anteriores, tidas por menos evoluídas que a nossa, se bem que nada disso condiz com a verdade de fato.
Iñigo López de Oñaz y Loyola era um rapaz como os outros do século XVI, porque filho do seu tempo, mas também era tão humano quanto os humanos dos nossos dias. Nasceu ali mesmo, na casa solar da sua numerosa família, como o filho caçula de treze irmãos. Quando jovem militar ficou gravemente ferido e isso lhe pareceu o fim, porque a sua queda foi também a queda da resistência por Pamplona e, dali, saiu carregado numa padiola por uns quatorze dias seguidos pelas montanhas até à casa dos seus familiares. Dizem os biógrafos que esse fato foi o começo de sua conversão. Precisou fazer duas cirurgias dolorosas e ficou imobilizado por muito tempo, a depender dos outros. Foi um período para fazer leituras e ocupar o tempo da mente e livrar-se dos seus “fantasmas”.
Durante suas leituras, Inácio ficou muito inspirado para viver ao estilo de Jesus, por isso fez assim a sua primeira conversão e tomou a decisão de caminhar como um peregrino anônimo, pobre e mundano que teria Jesus como o centro da sua espiritualidade.
No ano de 1522, isto é, há quinhentos anos, às vésperas da Festa da Anunciação, Santo Inácio de Loyola foi até o Santuário de Nossa Senhora de Montserrat e decidiu deixar ali a sua espada e levar a cruz da evangelização como sua nova arma. Inácio abraçou o que sentiu, mas, claro, depois disso passou também por momentos de desespero, ansiedade, escrúpulos por sua vida passada e até mesmo por vazio interior, mas se manteve firme porque também teve momentos indescritíveis de gozo espiritual e consolação.
A esse processo dolorido, mas necessário, o saudoso jesuíta Padre Ulpiano Vazquez Moro denominava “choque retropopulsor” e enfatizava a necessidade de uma boa mistagogia da orientação espiritual, para que cada pessoa compreenda quão forte é tal impulso, maior será o choque e, claro, a retopopulsão que a lançará de volta ao ponto inicial. Resta empatia e bom acompanhante espiritual (mistagogo), além de manter a calma para que seja alfabetizada e possa ler as escritas de Deus (teografia) na história particular de cada quem. Isso de revisitar-se, revisar-se e compreender-se é a parte fundamental do princípio da sabedoria e seu fruto sempre é a vida feliz, pois o “choque retropropulsor” impulsiona o “conhece-te a ti mesmo” (γνῶθι σεαυτόν, em grego) que é necessário para viver na conversão cotidiana.
O rosto do Deus de Jesus, o Deus que é colo de misericórdia e sana as tuas feridas e te ama gratuitamente, assim como és, e não como tu gostarias de ser, é quem te chama a ser melhor a cada dia e a te configurares em Jesus e fazer-te filho(a) no Filho. Essa é a vontade de Deus para a tua vida! Portanto, os Exercícios espirituais, que não são apenas escritos para serem lidos, senão uma experiência a ser vivida, ajudaram Santo Inácio de Loyola e te podem ajudar a “encontrar Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus” (Exercícios espirituais, 235) a partir da tua experiência fragilidade e do “choque retropopulsor” da tua vida. Não te desesperes. Podes, com Jesus, encontrar também uma nova forma de caminhar.