TOMÁS DE AQUINO: NA FRONTEIRA ENTRE FÉ E RAZÃO

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São Tomás de Aquino foi um grande educador do século XIII. Professor por vários anos e em diferentes lugares era um entusiasta das universidades. Sua dedicação aos estudantes e à vida acadêmica foi a sua missão apaixonada. As preocupações com a educação de qualidade e com o fomento à pesquisa, inquietações do coração do santo de Aquino, são as nossas mesmas apreensões diante da realidade de hoje.

A larga experiência de ensino fez Tomás perceber a necessidade de reunir diferentes elementos de saberes sobre a fé cristã em uma espécie de resumo para que principiantes no estudo de Teologia pudessem ter uma obra de referência. É dessa santa motivação que o santo educador compôs sua maior e mais conhecida obra, a Suma teológica. Para ele, um dos defeitos dos manuais de até então era a concentração nas questões morais, deixando de lado aspectos mais amplos da vida humana e cristã e a história da salvação. O moralismo teológico de ontem e de hoje precisa ser superado se quisermos favorecer o alcance do mistério divino pela humanidade inteira.

Dominicano por “rebeldia”, isto é, contra a vontade da família, uma vez que a Ordem dos Pregadores (OP), inovação surgida há pouco tempo, em 1215, não gozava ainda da fama das abadias da zona rural, o religioso preferia as grandes cidades. O ambiente urbano, com as novidades das universidades que nessa época escapavam aos poderes locais e dependiam diretamente do Papa, favorecia ao doutor angélico o contato com ideias de pensadores não cristãos como os filósofos Aristóteles, Avicena e Averrois. Tomás era um homem de profundo diálogo e sintonia com o seu tempo. Dá para imaginar que, se vivesse no século XXI, teria um leque de instigantes autores para ler, diversas ciências modernas para dialogar e vários ambientes de efervescência acadêmica para frequentar…

O sábio frade não se esquivava de abordar questões que eram objetos de acirradas disputas. No fundo, Tomás estava mesmo procurando um modo adequado de considerar os seres humanos. Certa vez, numa questão sobre a eternidade do mundo, seus adversários acusaram-no de se aproximar demais de explicações filosóficas e que isso estaria em oposição à fé cristã. Isso mesmo, São Tomás de Aquino já foi acusado de ser “pouco católico”! Ora, ele queria dizer que a frase “o mundo não é eterno”, isto é, que teve começo e terá fim, é uma afirmação que só pode ser admitida com o auxílio da fé. A fé, portanto, pode trazer nova luz à razão assim como a Teologia à Filosofia. Racionalmente falando, pode-se argumentar que o mundo é eterno ou que ele teve um começo. Tomás diz que não há mais razão para aceitar uma argumentação do que a outra, daí que a alternativa não pode ser resolvida em termos puramente racionais. O filósofo cristão se utilizava de conceitos de outros saberes para a compreensão da fé.

Em seus escritos, a diferença entre Filosofia e Teologia não é que uma trata de certos conteúdos enquanto a outra trata de outros. Na verdade, ambas falam de Deus, do homem e do mundo.

A diferença está no fato de que a primeira oferece um conhecimento a partir da racionalidade – hoje, no caso das ciências modernas, diríamos da cientificidade – sobre as mesmas coisas que a Teologia está em condições de esclarecer a partir da revelação divina em seus aspectos e conotações específicas relativas à vivência da fé cristã. O diálogo e a complementaridade ajudam a perceber a especificidade de cada tipo de conhecimento e possibilitam a composição de uma visão de mundo e sentido de vida mais amplos.

João Melo

Descendente dos retirantes que enfrentaram a seca de 1915 (Piauí e Ceará) e das apanhadoras de flores sempre-vivas ao pé da serra Negra em Itamarandiba (MG). É Especialista em catequese, formado em Filosofia e Teologia. É paulistano e professor. Atualmente vive no Rio de Janeiro (RJ).

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