AS CINZAS E O SONHO DE UM COROINHA

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“E logo o Espírito o impeliu para o deserto. Aí esteve quarenta dias. Foi tentado pelo demônio e esteve em companhia dos animais selvagens. E os anjos o serviam.” (Mc 1,12-13)

Neste mês de março, entramos num dos tempos litúrgicos mais férteis para a nossa vida espiritual, a Quaresma. Somos convidados a rasgar o nosso coração e não as nossas vestes, a imitar o filho pródigo que volta para casa, a acolher Jesus em nossa casa, como fez Zaqueu, arrependido dos seus pecados, disposto a seguir uma vida nova com Jesus. Damos os primeiros passos rumo à Páscoa com a Quarta-feira de Cinzas, que nos recorda nossa pequenez e convida-nos à conversão na celebração eucarística e a imposição das cinzas.

Falando em cinzas, dias atrás, aqui no Santuário de Tambaú (SP), vivi uma experiência ímpar. Fui procurado por um homem cujo pai havia falecido na cidade de Ribeirão Preto (SP) e seu corpo fora cremado. Seu pai havia sido coroinha do Padre Donizetti e, antes de morrer, tinha um sonho para ser realizado: queria que suas cinzas fossem trazidas ao santuário e que o padre fizesse as exéquias, junto às relíquias, na capela do beato que ele sempre amou. Marcamos a data e atendi a seu pedido. Fizemos as orações com suas cinzas, que estavam dentro de uma caixinha de madeira, perto do Padre Donizetti. Depois, os familiares levaram-nas para ser colocadas num lugar apropriado. Nesses momentos pensamos como é frágil nossa vida e quão grande é a misericórdia do Senhor para conosco.

A Palavra de Deus diz que o Espírito conduziu Jesus para o deserto. Ele faz assim conosco agora. Chama-nos a deixar nossas seguranças, nosso “jeitinho brasileiro” de deixar tudo para depois.

Na Quaresma, Jesus nos pede abertura ao novo, que mergulhemos dentro de nós mesmos, amando também os nossos irmãos. O deserto é lugar onde Deus fala ao coração do ser humano e espera uma resposta sincera e comprometida, mas é também lugar de provação e tentação.

O Papa Francisco, no Ângelus de 21 de fevereiro de 2021, meditando o Evangelho das tentações de Cristo, disse que, durante os quarenta dias vividos por Jesus no deserto, começou o duelo entre Ele e o diabo, que terminou com a paixão e a cruz: “Todo o ministério de Cristo é uma luta contra o maligno nas suas numerosas manifestações: curas de doenças, exorcismos, perdão dos pecados. Na realidade foi precisamente a morte o último ‘deserto’ que Jesus atravessou para derrotar definitivamente Satanás e libertar-nos a todos do seu poder. As tentações de Jesus no deserto recordam-nos que a vida do cristão, nas pegadas do Senhor, é uma batalha contra o espírito do mal. A graça de Deus assegura-nos, por meio da fé, oração e penitência, a vitória sobre o inimigo”.

Sua Santidade também ensinou algo muito importante, que não devemos dialogar com o tentador: “Nas tentações, Jesus nunca dialoga com o diabo. Nunca. Na sua vida, Jesus nunca teve um diálogo com ele. Ou o afasta dos possuídos, ou o condena, ou mostra a sua malícia, mas nunca dialoga com ele. Quando tentado no deserto, em vez de dialogar, Jesus respondeu com a Palavra de Deus”.

Não tenhamos medo do deserto. Procuremos mais momentos de oração, silêncio, para entrarmos em nós mesmos. Não receemos. Somos chamados a caminhar pelas veredas de Deus, renovando as promessas do nosso Batismo, fazendo deste Tempo Quaresmal um caminho de santidade, nunca nos esquecendo que nascemos do pó e em cinzas nos tornaremos. Contudo, tendo fé na ressurreição, crendo que, um dia, viveremos para sempre na casa do Pai.

Pe. Agnaldo José

Sacerdote da Diocese de São João da Boa Vista-SP, trabalha na Paróquia Nossa Senhora das Dores, em Casa Branca-SP. Formado em Filosofia, Teologia e Comunicação Social, pós-graduado em Jornalismo Literário pela Academia Brasileira de Jornalismo Literário e mestre em Comunicação na Contemporaneidade pela Faculdade Cásper Libero de São Paulo-SP, já publicou 17 livros nas áreas de Literatura, Comunicação e Espiritualidade. É é coordenador da Pastoral da Comunicação da sua diocese e apresentador do programa “Louvemos o Senhor” na Rede Século 21.

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